Instalar App SBOC


  • Toque em
  • Selecione Instalar aplicativo ou Adicionar a lista de início

SBOC REVIEW

Pacientes com câncer de mama que interromperam a terapia endócrina para engravidar não tiveram taxas de recorrência maior em acompanhamento de curto prazo

Resumo do artigo:

Embora exista maior propensão ao desenvolvimento da doença entre mulheres com mais de 50 anos, o aumento na incidência de câncer de mama entre mulheres mais jovens nos últimos anos tem chamado a atenção no mundo todo. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, no Brasil, em mulheres com menos de 35 anos, a incidência está entre 4% e 5% dos casos, faixa etária em que historicamente apenas 2% dos casos eram observados. Além do diagnostico de câncer, essas pacientes enfrentam algumas considerações, incluindo fertilidade.

Quarenta a 60% das pacientes diagnosticadas com câncer de mama aos 40 anos ou menos estão preocupadas com sua fertilidade futura, especialmente se a doença ocorrer antes que elas possam decidir se querem ser mães.

Mulheres jovens com câncer de mama positivo para receptores hormonais (HR) em estágio inicial são frequentemente tratadas com terapia endócrina, como supressão da função ovariana, inibidores de aromatase ou moduladores seletivos de receptores de estrogênio. Para examinar o impacto da interrupção da terapia endócrina para buscar a gravidez, os pesquisadores projetaram o estudo clínico de braço único denominado P.O.S.I.T.I.V.E “Pregnancy Outcome and Safety of Interrupting Therapy for Women with Endocrine Responsive Breast Cancer”.

De dezembro de 2014 a dezembro de 2019, 518 mulheres com 42 anos ou menos que desejavam engravidar se inscreveram no estudo, optando por interromper a terapia endócrina por aproximadamente dois anos para tentar engravidar. Antes de interromper o tratamento, as mulheres completaram entre 18 e 30 meses de terapia endócrina adjuvante. Se mais de 46 recorrências de câncer de mama ocorressem em aproximadamente três anos de acompanhamento médio, o estudo seria suspenso. Esse limite não foi atingido.

Em um acompanhamento médio de 41 meses, 44 participantes tiveram recorrência do câncer de mama, um resultado que não excedeu o limite de segurança. A taxa de recorrência em três anos foi de 8,9% (IC 95%, 6,3 a 11,6), semelhante à taxa de 9,2% (IC 95%, 7,6 a 10,8) em uma coorte de controle externo. Portanto, resultados muito semelhantes e nenhuma sugestão de aumento no risco de recidiva na população do estudo.

Das 497 mulheres acompanhadas quanto ao estado de gravidez, 368 (74%) tiveram pelo menos uma gravidez e 317 (63,8%) tiveram pelo menos um nascido vivo, com um total de 365 bebês nascidos e 98% destes tinham ótima saúde ao nascimento. Essas taxas de concepção e parto foram semelhantes às taxas do público em geral.

Os participantes do estudo foram fortemente recomendados a retomar a terapia endócrina após uma tentativa ou sucesso de gravidez. Até o momento em que o estudo foi publicado, 76,3% haviam retomado a terapia endócrina.

 

Comentário do avaliador científico:

O P.O.S.I.T.I.V.E e o primeiro estudo prospectivo que fornece dados importantes para apoiar mulheres jovens com câncer de mama inicial receptor hormonal positivo que estão interessadas em engravidar e fazer uma pausa na terapia endócrina.
Embora o estudo nos traga dados encorajadores, alguns pontos importantes devem ser destacados:

Poucas pacientes (6,6%) em estádio III representadas no estudo e a grande maioria (93,4%) eram estádio clínico I ou II.

Além disso, apesar da duração de interrupção da terapia endócrina ser de até 2 anos para permitir a tentativa de gravidez, concepção (ou falha em conceber), parto e amamentação, não temos os dados de quanto tempo em média as pacientes do estudo ficaram sem a terapia endócrina e se este período interferiu com o risco de recidiva.

Outro ponto a ser considerado é o acompanhamento mediano do estudo que foi curto (apenas 3,4 anos). O acompanhamento mais prolongado será fundamental para informar a segurança da interrupção da terapia endócrina, especialmente devido ao risco a longo prazo de recorrência dos tumores luminais.

No entanto, o estudo demostrou que os fatores de risco para recidiva estavam basicamente relacionados ao que já são sabidamente fatores de risco para recorrência e que a pausa da terapia endócrina não contribuiu com para aumento da chance de recidiva das pacientes de forma geral.

De forma geral a taxa de fertilidade das pacientes do estudo foi satisfatória, mesmo tendo sido submetidas a terapias que sabidamente interferem com a fertilidade. No entanto, na prática clínica é muito importante um acompanhamento multidisciplinar com equipe especializada em reprodução para que aumentem as chances de engravidar e encurtar o tempo sem a terapia endócrina.

Em suma, a gravidez após o diagnóstico de câncer de mama ainda é um desafio. A discussão com as pacientes precisa ser individualizada, levando em consideração principalmente o risco de recorrência e as chances de engravidar, para tomada de decisão.

 

Citação: Ann H Partridge et al; International Breast Cancer Study Group; POSITIVE Trial Collaborators. Interrupting Endocrine Therapy to Attempt Pregnancy after Breast Cancer. N Engl J Med. 2023 May 4;388(18):1645-1656.

 

Avaliador científico:
Dr. Júlio Antônio Pereira de Araujo
Oncologista Clínico – Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo – SP