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Comitê SBOC comenta estudos sobre rastreamento de câncer de pulmão

Comitê SBOC comenta estudos sobre rastreamento de câncer de pulmão

O rastreamento do câncer de pulmão como medida para o diagnóstico e o controle da doença ganhou novas evidências científicas com a divulgação, em janeiro, dos últimos dados do estudo Nelson, que incluiu 13.195 homens e 2.594 mulheres na Bélgica e Holanda. Os resultados desse e de outros estudos com diferentes populações foram discutidos pelo Comitê de Tumores Torácicos da SBOC, um dos 18 comitês criados pela entidade no começo do ano e que reúnem alguns dos principais especialistas de diversas áreas para ampliar a disseminação de conhecimento qualificado e participar ativamente do aprimoramento acadêmico e profissional dos oncologistas clínicos.

Iniciado no ano 2000, o estudo Nelson tinha como objetivo inicial demonstrar uma redução do risco de morte por câncer de pulmão maior ou igual a 25% em 10 anos entre os pacientes do sexo masculino submetidos ao rastreamento. Diante dos bons resultados apresentados desde então por esse e outros estudos, os especialistas do Comitê consideram, entre outros apontamentos feitos na avaliação (abaixo), urgente a discussão da incorporação da tomografia de baixa energia em programas nacionais de rastreamento de câncer de pulmão para populações sob risco elevado de desenvolvimento da doença.

“Isso vai permitir que, juntamente com a as campanhas de promoção da cessação de tabagismo, já tão bem-sucedidas no Brasil, possamos diminuir ainda mais o impacto dessa doença tão devastadora. Ainda assim, há de se ponderar os desafios para a implementação de tal programa, como disponibilização de tomógrafos, treinamento de radiologistas, padronização do método e estratégia de seguimento, criação de uma rede de encaminhamento que permita a investigação dos casos suspeitos de forma ágil e eficaz, ampliação de programas de cessação de tabagismo, dimensionamento dos custos diretos e indiretos envolvidos, entre outros”, diz o Dr. Vladmir Cordeiro de Lima, coordenador do Comitê.

Leia abaixo a íntegra.

 

Avaliação do Comitê de Tumores Torácicos da SBOC sobre estudos de rastreamento de câncer de pulmão

O câncer de pulmão é o tumor maligno mais incidente, com mais de 2,0 milhões de casos novos ao ano, e de maior mortalidade (1,8 milhões de mortes/ano) no mundo, segundo dados do GLOBOCAN de 2018. No Brasil, aproximadamente 33 mil novos casos foram estimados para o ano de 2020, correspondendo à primeira causa de morte por câncer em homens e a terceira em mulheres (excluindo-se os tumores de pele), de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Contudo, esses números provavelmente são subestimados dada à alta frequência de subdiagnóstico e subnotificação no país.

Infelizmente, os dados brasileiros não são animadores: dentre 73.167 pacientes com câncer de pulmão registrados no INCA e na FOSP, no período de 2000 a 2014, apenas 13,3% dos casos foram diagnosticados em estádios iniciais (I e II), onde haveria maior probabilidade de cura, e mais de 50% foram diagnosticados em fase avançada (estádio IV).

Recentemente, dados do Surveillance, Epidemiology, and End Results Program; do National Program of Cancer Registries e do North American Association of Central Cancer Registries, demonstraram redução importante da mortalidade por câncer de pulmão nos EUA. Isso ocorreu, em parte, devido à implementação de programas de rastreamento de câncer de pulmão com tomografia de baixa energia para populações de alto risco.

Em 2011, o grupo de pesquisa do National Lung Screening Trial (NLST) publicou os resultados de um estudo que recrutou 53.454 pessoas com alto risco para o desenvolvimento de câncer de pulmão, de 33 instituições americanas, entre os anos de 2000 a 2004. As características empregadas para selecionar os indivíduos de alto risco foram: idade entre 55 e 74 anos, ser fumante ou ter parado de fumar há menos de 15 anos, e ter uma carga tabágica (número de anos de tabagismo x número de maços de cigarros fumados por dia) de pelo menos 30 anos-maço. Uma parte de mim é todo mundo; outra parte, ninguém: fundo sem fundo.

Este estudo randomizou os indivíduos para serem submetidos a três rodadas anuais de tomografias de tórax de baixa energia (TTBE) ou radiografia de tórax (Rx) ao longo de três anos com a finalidade de determinar o número casos de câncer de pulmão em cada braço e o impacto do rastreamento na mortalidade câncer-específica. Com uma taxa de aderência de 90%, a taxa de exames positivos foi de 24,2% no grupo submetido a TTBE e de 6,9% no grupo que realizou Rx, com uma taxa de falsos positivos respectivamente de 96,4% e 94,5%. Um número maior de casos de câncer pulmão foi detectado entre os pacientes que foram submetidos à TTBE. No entanto, neste grupo, houve uma maior taxa de detecção da doença em estádios iniciais (IA e IB) e uma redução do número de casos diagnosticados em estádio IV no segundo e terceiro ano de rastreamento, o que resultou numa redução de 20% (p=0,004) do risco relativo de morte por câncer de pulmão. Interessantemente, observou-se também uma redução de 6,7% do risco de morte por qualquer causa entre os pacientes submetidos a TTBE. Não houve diferença entre os dois grupos em relação às taxas de complicações relacionadas aos procedimentos invasivos realizados para investigação (1,4% vs. 1,6%). Uma análise posterior sugeriu um possível efeito diferencial de acordo com o sexo e a histologia, mais favorável para indivíduos do sexo feminino e para adenocarcinomas.

No final de janeiro deste ano, vimos a publicação do estudo NELSON que incluiu 13.195 homens (análise primária) e 2.594 mulheres considerados de alto risco para câncer de pulmão, na Bélgica e Holanda, e os randomizou para serem submetidos a quatro rodadas de exames de rastreamento com TTBE (nos anos 0, 1, 3 e 5,5) ou apenas seguimento. Os dados obtidos foram correlacionados com os dados da causa e data de morte obtidos dos registros nacionais destes países. As mortes por câncer de pulmão foram revisadas por um comitê especializado. Iniciado em 2000, o estudo tinha como objetivo demonstrar uma redução do risco de morte por câncer de pulmão maior ou igual a 25% em 10 anos entre os pacientes do sexo masculino submetidos ao rastreamento.

Os critérios para definição de alto risco para câncer de pulmão neste estudo diferiram daqueles empregados no NLST. Os indivíduos deveriam ter idade entre 50 e 74 anos, serem fumantes ou terem parado de fumar há 10 anos ou menos, e terem fumado >10 cigarros/dia por >30 anos ou >15 cigarros/dia por > 25 anos. Os critérios para avaliação e seguimento de imagens suspeitas nos dois estudos também foram diferentes. Enquanto o NLST realizou avaliação unidimensional das lesões encontradas, empregando os critérios do LUNG-RADS para classificá-las, no estudo NELSON foi empregado uma avaliação volumétrica semiautomatizada associada com a avaliação do tempo de duplicação do tamanho das lesões a fim de classificá-las como lesões suspeitas ou não. Essa última estratégia reduziu significativamente a taxa de resultados falso-positivos (2,1% de testes positivos no NELSON contra 24% no NLST), o que resultou em um valor preditivo positivo de 43,5% (contra 3,8% no NLST).

A taxa geral de aderência ao estudo foi de 90%. Houve significativamente mais casos de câncer de pulmão detectados entre os indivíduos submetidos ao rastreamento, e 59% dos casos de câncer de pulmão foram detectados durante os períodos de rastreamento (apenas 12,8% foram diagnóstico de intervalo). Interessantemente, 58,6% dos casos encontravam-se em estádio IA ou IB. No grupo controle, apenas 13,5% dos casos de câncer de pulmão foram detectados em estádio IA ou IB. Em contrapartida,9,4% dos casos detectados durante as rodadas de rastreamento eram estádio IV, contra mais de 50% dos casos detectados fora do rastreamento (51,8% dos tumores de intervalo e 45,7% no grupo controle). A maioria dos casos detectados no grupo submetido a rastreamento eram adenocarcinomas (52%).

Como esperado, o estudo demonstrou uma redução do risco relativo de morte por câncer de pulmão de 24% em 10 anos entre os homens (HR 0,76; p=0,01) e de 33% entre as mulheres (HR 0,67, variando de 0,41 a 0,52 entre os anos 7 a 9 de seguimento). Entre os homens, o efeito foi maior para os indivíduos entre 65 e 69 anos (RR 0,59). Não se observou diferença na taxa de mortalidade geral entre os dois grupos. Os autores fizeram uma análise de sensibilidade e verificaram que se os critérios do NLST tivessem sido empregados na população masculina, a razão de risco observada teria sido 0,81 (em contraposição a 0,76 encontrado), sugerindo que os critérios do NELSON talvez sejam mais sensíveis neste cenário. Além disso, a subanálise na população feminina sugere que o rastreamento de câncer com TTBE tenha um efeito de magnitude maior na população feminina.

Recentemente, foram publicados os resultados do estudo de rastreamento de câncer de pulmão na população alemã (LUSI trial) que confirmam os resultados acima, com uma redução de risco de morte por câncer de pulmão semelhante ao encontrado no NLST (HR 0,74), com efeito maior e estatisticamente significante na população feminina (RR 0,31; p=0,04). Paralelamente, o estudo italiano MILD além de também demonstrar uma redução do risco de morte por câncer de pulmão (HR 0,61) e de morte por qualquer causa (HR 0,80), apresentou resultados sugerindo que a manutenção do rastreamento além do quinto ano (a maioria dos outros estudos fizeram rodadas de rastreamento por até 5 anos) poderia reduzir ainda mais o risco de morte por câncer de pulmão (redução de risco de 58% além do quinto ano).

No Brasil, os resultados iniciais do estudo BRELT1, conduzido em 790 indivíduos usando os mesmos critérios do NLST, encontrou 39,4% de exames positivos, provavelmente devido a uma maior prevalência de processos granulomatosos na nossa população. O valor preditivo positivo da TTBE foi mais baixo do que o encontrado no NLST (3,2% vs. 3,8%), entretanto a proporção de indivíduos necessitando de procedimentos invasivos e que resultaram positivos para câncer de pulmão foi similar a encontrada em outros estudos de rastreamento.

Há de se ponderar, contudo, os desafios existentes na implementação de tal programa como: disponibilização de tomógrafos, treinamento de radiologistas, padronização do método e estratégia de seguimento, criação de uma rede de encaminhamento que permita a investigação dos casos suspeitos de forma ágil e eficaz, ampliação de programas de cessação de tabagismo, dimensionamento dos custos diretos e indiretos envolvidos, entre outros.

Entretanto, em vista do claro benefício do rastreamento de câncer de pulmão em populações de alto risco, suplantando inclusive o benefício do rastreamento de outras neoplasias com programas de rastreamento já estabelecidos, com redução significativa da mortalidade por câncer de pulmão, e das evidências apontando para uma elevada frequência de detecção da doença em fases avançadas no nosso país, onde não haveria mais possibilidade de intervenção curativa, acreditamos que há uma necessidade urgente de se discutir a incorporação da tomografia de baixa energia dentro de programas nacionais de rastreamento de câncer de pulmão para populações sob risco elevado de desenvolvimento de câncer de pulmão. Isso vai permitir que, juntamente com a as campanhas de promoção da cessação de tabagismo, já tão bem-sucedidas no Brasil, possamos diminuir ainda mais o impacto dessa doença tão devastadora.

Comitê de Tumores Torácicos da SBOC 
Dr. Vladmir Cordeiro de Lima
Dra. Carolina Kawamura Haddad
Dr. Gilberto de Castro Júnior
Dr. Guilherme Geib
Dr. Luiz Henrique de Lima Araújo