1º dia de ESMO Summit Latin America discute perspectivas do tratamento de tumores na região
Apesar de o desenvolvimento científico não ter fronteiras, as realidades sanitárias de cada região tornam distintas a prevenção, o tratamento e o diagnóstico dos mais variados tipos de câncer. Durante o ESMO Summit Latin America 2024, que começou nesta sexta-feira, 22 de março, essa heterogeneidade ficou evidente nas aulas e apresentações.
Na mesa de abertura, a Presidente em Exercício da SBOC, Dra. Anelisa Coutinho, expôs aos presentes as diferentes facetas da atuação da Sociedade em prol dos oncologistas clínicos e dos pacientes que vivem com câncer.
“A SBOC se concentra em diversas áreas, como treinamento médico, apoio à pesquisa clínica, envolvimento em políticas públicas, defesa profissional e interação nacional e internacional, com parcerias com diferentes sociedades médicas, assim como com a ESMO”, listou.
A oncologista clínica também tratou das políticas de ESG (sigla para Enviromental, Social e Governance) da instituição, refletidas na organização responsável do Congresso SBOC 2023, com inclusão, compensação da emissão de carbonos e apadrinhamento de ONGs, bem como o novo modelo institucional da SBOC, com três presidentes que se alternam em diferentes posições anualmente e uma equipe executiva perene.
O presidente da ESMO, Dr. Andrés Cervantes, também apresentou informações relevantes da instituição europeia. Hoje, a sociedade é, na verdade, praticamente global, com 43% dos membros fora do continente. Além disso, 50% dos membros têm menos de 40 anos. Por isso, a sociedade tem investido na formação de comitês de jovens, bem como grupos voltados à atuação feminina – as mulheres são metade do quadro associativo.
“Temos 35 mil membros de 182 países. São médicos de mais de 40 especialidades. Na América Latina, temos 1.125 associados no Brasil, 703 no México, 441 na Argentina, 179 na Colômbia, 181 no Peru e 112 no Chile, além de membros em outras nações. Ao todo, são mais de 3 mil membros latino-americanos”, disse o oncologista espanhol.
Dr. Cervantes também enfatizou que os oncologistas de países em desenvolvimento – categoria na qual basicamente todos os países da América Latina fazem parte – podem se associar à ESMO sem taxas. Na instituição, eles encontram oportunidades de preceptorias, webinar, summits, cursos avançados, além de revistas científicas e acesso ao Oncology Pro, braço educacional da instituição.
Realidade latino-americana
Em relação ao câncer de colo do útero (ou cervical), por exemplo, a Presidente Eleita da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) – Gestão 2025, Dr. Angélica Nogueira, abordou a diferença de efeito que o estabelecimento de rastreio via Papanicolau produziu nos países desenvolvidos, diminuindo os casos, e nos países em desenvolvimento. “No Brasil, temos este exame há 50 anos, sem, no entanto, termos alteração no número de incidência do câncer cervical. Dados recentes – que precisam ainda ser mais analisados – indicam até um aumento dos casos destes tumores”, explicou a oncologista clínica.
Segundo os dados apresentados por ela, são 17 mil casos anuais de câncer cervical no país, sendo o terceiro tumor mais incidente entre as brasileiras. Sobre o diagnóstico, um estudo panorâmico com cerca de 261 pacientes mostrou que, no Brasil, de 60% a 70% dos diagnósticos são em estadio II e III, e 10% de doença metastática.
Em termos de América Latina, o subcontinente tem quase 60 mil casos anuais, aproximadamente 10% dos casos globais. Conforme Dra. Angélica, a média da América Latina é de 20 casos para 100 mil habitantes. “Existem regiões, porém, como o Paraguai, a Bolívia e a Guiana que atingem níveis próximos ao da África subsaariana, com mais de 29 casos para 100 mil habitantes”, adicionou.
A palestrante lembrou ainda que, apesar do baixo nível de adesão, a América Latina foi pioneira na introdução da imunização contra o Papilomavírus Humano (HPV). Em 2006, o México foi o primeiro país a adotá-la, seguido do Panamá. “Desde que foi introduzida na rede pública no Brasil, em 2014, a OMS anunciou que 80% das meninas da América Latina têm acesso à vacina. O que é diferente de efetivamente serem vacinas”, detalhou Dra. Angélica. Entre os motivos pela pouca aderência da imunização, estão: falta de conhecimento, desconforto em tratar de uma doença relacionada à transmissão sexual, barreiras culturais, entre outras.
As peculiaridades dos latino-americanos também foram levantadas pelo palestrante Dr. Rodrigo Munhoz, em sessão sobre câncer de pele e melanomas. O oncologista focou sua apresentação em melanoma localmente avançado e o tratamento com terapia neoadjuvante.
Tratando especificamente dos cuidados oncológicos, o especialista defendeu a terapia neoadjuvante como melhor hipótese de tratamento nestes cenários, sobretudo em estadio III. O método também é produtivo para avaliar desfechos e biomarcadores de forma otimizada e para criar uma plataforma de análise com os dados.
Em relação à realidade latino-americana, Dr. Munhoz exemplificou com dados brasileiros: 25% dos pacientes começam o tratamento após 90 dias do diagnóstico. E 26% já se apresentam com doença metastática.
“Temos um cenário heterogêneo na América Latina como um todo e precisamos trabalhar a partir das realidades distintas. O Brasil tem um gasto com saúde pelo percentual do Produto Interno Bruto (PIB) de 10,3%. Assim como a Argentina, cujo índice é de 10%, o país se aproxima do Canadá, com 12,9%. Já os Estados Unidos investem 18,8% do PIB em saúde. Já o Peru e a Venezuela gastam, respectivamente, 6,3% e 3,8%”, analisou.
Por fim, Dr. Munhoz lembrou que apesar dos desafios, o cenário latino-americano cria oportunidades, tais quais: tratamentos de curta duração com custos reduzidos, que podem resultar em mais acesso; investigação de subgrupos das nossas populações; e promoção e colaboração científica entre instituições locais.
Pesquisa e educação
Uma das sessões mais destacadas do dia foi a que tratou de pesquisa e educação em oncologia. Com o intuito de aproximar as ações da ESMO dos oncologistas clínicos brasileiros, Dr. Evandro de Azambuja, que é diretor de Membership da entidade europeia, apresentou as iniciativas educacionais da instituição.
Uma das ações que focou foi o ESMO Leaders Generation Programme, que recebe inscrições de oncologistas clínicos de 31 a 45 anos para atuar na Suíça ou em Singapura, por dois anos, como parte de um programa de treinamento oncológico e em liderança.
Já o diretor da SBOC, Dr. Alexandre Jácome, falou sobre a realidade dos jovens oncologistas brasileiros e as ações educacionais da SBOC. “Hoje, temos um influxo importante de profissionais, com grande percentual de profissionais jovens. Isso se deve aos 126 centros formadores em oncologia, que oferecem 359 posições por ano. Assim, mais da metade dos profissionais te menos de 40 anos.”
Foi a partir desse cenário, disse o oncologista, que a SBOC criou a Escola Brasileira de Oncologia em 2018, fortalecendo programas e ações educacionais na especialidade. “Os maiores consumidores desses conteúdos são os jovens oncologistas”, afirmou Dr. Jácome, que na sequência apresentou iniciativas como a Biblioteca Virtual, as Diretrizes SBOC, as Gincanas Nacionais de Oncologia para Acadêmicos e Residentes, o Brazilian Journal of Oncology (BJO), entre outros.
O especialista também lembrou que na América Latina há uma heterogeneidade não somente em estrutura e recursos, mas em perfil oncológico de tumores. “No Chile, os tumores mais incidentes são de vesícula e no Equador, os gástricos. Temos muito o que colaborar entre si. Proponho a criação de um comitê internacional para identificar lacunas e necessidades dos jovens oncologistas latino-americanos, para tratar de questões críticas como educação e desenvolvimento de carreira”, exemplificou o diretor da SBOC.
Também sobre o subcontinente, o coordenador do Comitê de Pesquisa Clínica da Sociedade, Dr. Fábio Franke, apontou que somente 5,2% dos estudos clínicos globais acontecem na região. No Brasil, especificamente, este índice é de 2%. “Além disso, o investimento público em pesquisa é acanhado. Mesmo o investimento privado é pouco se comparado ao resto do mundo. Infelizmente, 95% dos nossos estudos são dependentes da indústria”, lamentou.
Entre os desafios de desenvolver o setor na América Latina, Dr. Franke apontou alguns obstáculos regulatórios, sobretudo em pesquisas que envolvem mais de um país, já que cada nação tem suas burocracias e requerimentos regulatórios. “Há também uma questão de infraestrutura. Algumas regiões latino-americanas não contam com a infraestrutura necessária para conduzir ensaios clínicos”, adicionou.
Além das sessões de tumores ginecológicos, de pele e melanoma e do módulo de educação e pesquisa clínica, foram diversos os temas debatidos neste primeiro dia de ESMO Summit Latin America. Houve discussões sobre outros tumores, como mamários e urológicos, e apresentações dos organizadores do evento.