União em prol da oncologia latino-americana
Uma nova articulação regional de oncologia está em formação. Diversos representantes das Sociedades de oncologia clínica da América Latina foram convidadas ao Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica de 2023, quando um princípio de parceria foi endereçado pelos presentes.
Um ano depois, no Congresso SBOC 2024, evidenciando a necessidade dessa parceria e o reconhecimento mútuo de que esta rede é importante para os especialistas locais, foi realizada uma joint session entre SBOC e lideranças da Sociedad Chilena de Oncología Médica (SCOM), da Sociedad de Oncología Médica y Pediátrica del Uruguay (SOMPU) e da Sociedad Paraguaya de Oncología Médica (SPOM).
Entre um momento e outro, foram realizadas reuniões virtuais e presenciais, como no ESMO Summit Latin America, realizado em março de 2024 pela SBOC e a European Society for Medical Oncology (ESMO), e nos Congressos da própria ESMO e da American Society of Clinical Oncology (ASCO).
“Essa aproximação foi solidificada em 2024. O nosso objetivo, neste primeiro momento, foi nos conhecermos um pouco mais. Por isso, realizamos um levantamento para entender a demografia da oncologia nestes países e apresentamos os resultados preliminares durante o Congresso”, explica a agora Presidente de Honra da SBOC, Dra. Anelisa Coutinho, que exerceu o cargo de Presidente em 2024.
Também foi estimulado, neste momento, um intercâmbio entre os líderes da região, com participação em eventos e congressos uns dos outros. Em novembro último, por exemplo, Dra. Anelisa representou a SBOC no 18o Congresso Uruguaio de Oncologia, realizado em Montevidéu.
Para formalizar a união, foi produzido um acordo de intenções de colaboração para fortalecimento da oncologia clínica na América Latina, já assinado por representantes de nove países. O documento estabelece compromissos de atuação em: troca de experiências; educação continuada; políticas públicas; encontros periódicos; divulgação de eventos; elaboração de guias de recomendação; e elaboração de estudos demográficos e epidemiológicos.
Segundo Dra. Angélica Nogueira, Presidente da SBOC, a ampliação dessa cooperação é uma das pautas prioritárias da gestão neste ano. “A América Latina é uma região com marcadas heterogeneidades, mas os países têm importantes denominadores comuns que merecem análise e possível direcionamento conjunto. A articulação entre as Sociedades tem potencial de impacto amplo”, afirma.
“O intercâmbio com as Sociedades é muito rico e há muitas linhas de trabalho que podem se cristalizar. Temos muitas expectativas de formar uma coordenação institucionalizada e realizar alguns projetos, bem como de organizar encontros juntos”, comenta Dra. Laura Vera, presidente da SOMPU.

Lideranças da oncologia na América Latina firmam primeiros passos da parceria.
Primeiras iniciativas
Algumas das ações coletivas já estão em andamento. No Congresso, foram apresentadas versões preliminares de dois guias latino-americanos – com conteúdo em português e espanhol – destinados aos oncologistas da região. Os documentos foram feitos com base nas Diretrizes SBOC e versam sobre diagnóstico e tratamento de câncer de colo uterino e gástrico. Em breve, as versões finais serão disponibilizadas virtualmente.
Dra. Andréia Melo, coordernadora do Comitê de Tumores Ginecológicos, coordenou o de câncer de colo uterino. A elaboração, segundo a especialista, foi feita em conjunto a partir de encontros virtuais para discutir o conteúdo científico. “Traduzimos o material e discutimos e revisamos o guia, trazendo o que é necessário ao tratamento da doença, respeitando as peculiari- dades de cada país”, detalha.
Em seu entendimento, apesar dos países da América Latina terem muitas diferenças, inclusive étnico-raciais, há uma semelhança quando a questão é a incidência deste e outros tumores, que têm métodos de prevenção, rastreio e diagnóstico precoce. “Além disso, também nos une a dificuldade de acesso a uma boa estrutura de radioterapia e imunoterapia, algo fundamental para o tratamento desta neoplasia”, adiciona.

Representantes voltam a se reunir durante a ASCO 2024.
Realidades locais
A estrutura para o tratamento oncológico foi justamente um dos pontos investigados no levantamento sobre as realidades locais. O questionário on-line foi respondido pelos presidentes das Sociedades de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Costa Rica, Venezuela, Uruguai, Paraguai e Peru.
Deste universo, apenas argentinos, chilenos, costa-riquenhos e uruguaios enxergam que os tratamentos com radioterapia respondem às demandas nacionais. Em relação à cirurgia robótica no tratamento oncológico, o acesso é limitado em todos os países e se dá principalmente no setor privado – na Bolívia, a tecnologia não é utilizada.
O uso de imunoterapia também é restrito e majoritariamente privado, mas há algumas peculiaridades. No Chile, por exemplo, o acesso é universal, mas apenas em algumas patologias, como melanoma e câncer de pulmão mais avançados. A Costa Rica também oferece no sistema público para alguns tumores específicos. Enquanto na Bolívia, praticamente não é oferecida no sistema público. Já os testes moleculares são, no geral, financiados por redes privadas e parcerias com indústrias farmacêuticas em todos os países contemplados no levantamento.
A América Latina é uma região com marcadas heterogeneidades, mas os países têm importantes denominadores comuns que merecem análise e possível direcionamento conjunto. A articulação entre as Sociedades tem potencial de impacto amplo.
Em termos de organização do estado para tratar do câncer, apenas Brasil, Peru, Uruguai, Paraguai e Chile têm planos nacionais sobre o tema, embora os dois últimos sirvam apenas para alguns tumores. A Bolívia está, neste momento, elaborando um
plano nacional.
Na análise epidemiológica, como foi indicado, o cenário é próximo entre todos os países. Tumores de colo do útero, de mama e de próstata são os mais comuns em seis das nove nações. Na Argentina e no Uruguai, sai o câncer de colo do útero e entra o de pulmão. Já no Peru, o terceiro mais recorrente é o câncer de cólon.
Em números de associados, a SBOC é a mais representativa, com com cerca de 3.400 membros. A Asociación Argentina de Oncología Clínica (AAOC) tem cerca de 1.200, enquanto as entidades dos demais países variam entre 40 e 400 participantes. Uma tendência é que a média de idade destes membros é menor do que 50 anos em todos os países, evidenciando que esta é uma especialidade com forte presença de jovens.
A distribuição de gênero dos especialistas também apresenta convergência. Os homens são maioria apenas no Chile. No Brasil e no Peru, há uma divisão igualitária. Nos demais países, as mulheres são a maioria, atingindo o maior índice de representação na Bolívia, onde são 60% dos profissionais.
O intercâmbio com as Sociedades é muito rico e há muitas linhas de trabalho que podem se cristalizar. Temos muitas expectativas de formar uma coordenação institucionalizada e realizar alguns projetos, bem como de organizar encontros juntos.
No campo da educação, Brasil e Uruguai, deste conjunto de países, são os únicos nos quais não é obrigatória a residência em oncologia clínica para atuar na especialidade. Por outro lado, para obter um Título de Especialista, é preciso ser aprovado em um exame em todas as nações. Enquanto no Brasil são cerca de 230 vagas em residência todos os anos, há países como Costa Rica, Bolívia e Uruguai, que oferecem de 5 a 7 postos anuais.
Apesar das realidades entre os países serem notadamente distintas, as entidades, como detalha o acordo de colaboração assinado por elas, pretendem se unir para fortalecer a oncologia clínica latino-americana em conjunto, utilizando os achados neste levantamento como ponto da partida para as próximas ações.
Em relação às políticas públicas na especialidade, por exemplo, as Sociedades entendem que a influência das normas e leis é crucial para o avanço oncológica. Sendo assim, é um dos objetivos que haja uma articulação para contribuir ativamente na formulação e implementação de políticas que promovam o acesso equitativo e de qualidade aos serviços oncológicos na região.

Em Barcelona, presidentes das Sociedades reiteram o interesse coletivo na aproximação das entidades.
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