Oncologistas contam como conciliar rotinas profissional e pessoal com pesquisa
O cotidiano do médico professor e pesquisador, muitas vezes, é um equilibrar de pratos. Ele precisa administrar, além das etapas de um estudo científico, a vida pessoal, o atendimento aos pacientes e a docência. Foi esta a trajetória escolhida pela diretora da SBOC e coordenadora do Comitê de Ensino da entidade, Dra. Clarissa Baldotto. Com mestrado em Oncologia pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) e doutorado em Ciências Médicas pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, ambos no Rio de Janeiro, ela conta que pesquisar pode trazer muitos ganhos à carreira.

Dra. Clarissa Baldotto, durante o Congresso SBOC 2022
“O aprofundamento científico pode trazer progressão e reconhecimento na carreira, proporcionando decisões clínicas mais embasadas, colaboração e networking, além de prestígio para a instituição de origem e melhoria no cuidado dos pacientes”, avalia.
O aprofundamento científico pode trazer progressão e reconhecimento na carreira, proporcionando decisões clínicas mais embasadas, colaboração e networking, além de prestígio para a instituição de origem e melhoria no cuidado dos pacientes”
Dra. Clarissa Baldotto
Parte do cotidiano acadêmico é a redação e publicação de artigos científicos que, segundo Baldotto, possibilita aos pesquisadores compartilharem suas descobertas. “Isso permite uma análise pormenorizada de determinados dados de um estudo científico e contribui para o progresso científico”, diz. “Revistas como a Brazilian Journal of Oncology, inclusive, estimulam os membros da SBOC a participarem ativamente ao publicarem dados de suas pesquisas”, pontua.
Publicação científica
Publicar exige dedicação dos pesquisadores que, além de produzir e submeter os artigos científicos, precisam fazer os ajustes solicitados pelos pareceristas e editores das revistas científicas. Publicado em junho de 2023 na conceituada JCO Global Oncology, revista científica da American Society of Clinical Oncology (ASCO), o artigo “Brazilian Landscape of Hepatocellular Carcinoma” levou quatro meses entre a busca de referências na literatura científica, a compilação dos dados em uma revisão e a discussão, lembra o Dr. Leonardo Gomes da Fonseca, associado SBOC e um dos autores do artigo.
“A ideia do trabalho surgiu a partir dos avanços para o tratamento do hepatocarcinoma e o reconhecimento de que uma proporção significativa de pacientes é diagnosticada em fase avançada da doença”, lembra. “Com isso, propusemos buscar evidências científicas sobre a incidência, disponibilidade de tratamentos e desfechos da doença no Brasil. Após submissão e avaliação, a revista sugeriu buscarmos dados comparativos com outros locais do mundo e detalharmos a estrutura dos sistemas de saúde brasileiro, o que fortaleceu nossa análise”, explica.

Dr. Leonardo Gomes da Fonseca
Entre os resultados desse estudo, os pesquisadores identificaram que no Brasil os pacientes com carcinoma hepatocelular são, na maioria das vezes, diagnosticados em fases avançadas e o tratamento para a doença em geral está concentrado em grandes centros urbanos e em instituições acadêmicas. “Isso indica que precisamos desenvolver estratégicas para detecção precoce da doença”, complementa Dr. Fonseca.
Fatores de impacto das revistas
A JCO Global Oncology é uma revista científica com fator de impacto 4.5, considerado alto. Esse tipo de método bibliométrico é usado para avaliar a relevância de periódicos, sendo que índices superiores a 3.8 são considerados altos. No Brasil, o Qualis Periódicos também avalia a qualidade das revistas, as classificando de A1 (mais alto) a B4.
Em maio de 2023, Dr. Pedro Nazareth Aguiar Jr., também associado à SBOC, publicou um artigo em uma revista de prestígio internacional: a JCO Clinical Cancer Informatics, cujo fator de impacto é 4.2. Intitulada “Physical Examination in Medical Oncology Guiding the Development of a Protocol for Teleoncology Care in a Public Health Care Oncology Service”, a pesquisa teve por objetivo definir variáveis clínicas que pudessem predizer alterações nos achados do exame físico e, assim, levar a diferenças significativas no manejo clínico. Realizado de modo prospectivo em dois hospitais públicos no Brasil, o estudo científico concluiu que, considerando as mudanças no manejo clínico, o exame físico em todas as consultas pode não ser necessário.

Dr. Pedro Nazareth Aguiar Jr
Com base nesse artigo, Dr. Aguiar Jr. prevê que a teleoncologia será uma modalidade segura para a maioria dos casos. Mesmo assim, para pacientes com doença avançada e sintomas, ele sugere prioridade para o atendimento presencial. “Esse conhecimento é importante devido à crescente popularidade das consultas de teleoncologia, nas quais não há possibilidade de exame físico”, afirma o pesquisador, que também atua como preceptor da Residência Médica em Cancerologia Clínica da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).
O pesquisador conta que o estudo foi desenvolvido como trabalho de conclusão de curso da residente em oncologia Dra. Mirella Stival, também é uma das autoras do artigo. O projeto foi inicialmente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – procedimento necessário quando a pesquisa envolve seres humanos ou informações sigilosas como de prontuários médicos. Após aprovação, eles começaram a coleta dos dados a partir de formulários preenchidos após cada consulta realizada no Centro de Alta Complexidade em Oncologia da FMABC.
“Posteriormente, os dados foram planilhados e analisados”, relata Aguiar Jr., que menciona a experiência do colega Dr. Auro Del Giglio, oncologista clínico e outro autor do artigo, como fundamental no desenvolvimento da pesquisa e na redação do artigo, ressaltando a importância das redes de pesquisa que normalmente os pesquisadores fazem parte.
Administração do tempo
Dr. Aguiar Jr. conta que é oncologista, pesquisador, orientador de residência médica e pai, atividades que exerce não necessariamente nessa ordem e que exigem organização: “É um desafio tremendo! Para isso, é fundamental administrar o tempo sabendo que tudo é uma questão de equilíbrio”, enfatiza. “Às vezes, há sobrecarga e cansaço, mas a recompensa vem. O mais importante é não desistir do sonho. Não deixar as pressões da vida mudarem a rota que almejamos”, complementa.
Já o Dr. Leonardo Gomes da Fonseca atende pacientes oncológicos e também afirma perceber como a atividade de pesquisa impacta no dia a dia profissional: “Infelizmente, nossa rotina médica não permite uma dedicação maior à produção do conhecimento. Os centros acadêmicos deveriam dar maior espaço e buscar estratégias para conciliar pesquisa e assistência”, sugere ele, que concluiu recentemente o doutorado em Gastroenterologia pela Universidade de São Paulo (USP).
Mesmo assim, ele recomenda a vida acadêmica aos estudantes que desejam fazer ciência. “Ter interesse em um tema e buscar discutir e interagir com grupos de referência no Brasil e no exterior é um passo importante para quem quer pesquisar. Formular questões práticas sobre esse tema, participar de grupos multidisciplinares também são fundamentais. Mas, como prioridade, devemos sempre seguir as boas práticas de pesquisa e ter senso crítico sobre os dados que vamos encontrar”, diz.

A SBOC procura incentivar profissionais que queiram se dedicar à pesquisa. Neste ano, a entidade criou o Fundo de Incentivo à Pesquisa (FIP). O objetivo é impulsionar a pesquisa em oncologia no Brasil por meio do apoio financeiro a estudos científicos em desenvolvimento ou a serem iniciados com foco na diminuição das disparidades e busca da equidade de acesso ao tratamento oncológico.
Dentre os critérios de avaliação estão: originalidade, relevância e adequação metodológica do projeto e experiência científica prévia do autor. Os projetos contemplados serão divulgados durante o XXIV Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica, no Rio de Janeiro. Saiba mais!
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