Dr. Rene Gansl: “Faltam médicos Sherlock Holmes!”
Oncologista há 42 anos, Dr. Rene Gansl relembra carreira e sugere aos novos médicos mais observação e diálogo com pacientes
Filho de austríacos judeus que migraram para o Brasil em consequência do avanço do nazismo na Europa, Dr. Rene Claudio Gansl escolheu a Medicina por influência indireta do neurologista e criador da psicanálise, Sigmund Freud.
“Meu pai tinha um primo que foi aluno e amigo do Freud, em Viena. Isso fascinou tanto o meu pai que a vontade dele era ser médico também, mas quando chegou no Brasil suas condições financeiras eram precárias e não conseguiu estudar medicina”, conta. “A vontade dele, porém, acabou passando para mim”, conclui.
Graduado em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo em 1973, Dr. Rene fez Residência em Clínica Médica e, depois, em Hematologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, especializando-se nas duas áreas. Também na USP, fez mestrado em hematologia.
“Desde o início, eu tratava casos de câncer, como linfomas, mielomas e leucemias”, recorda-se.

Dr. Rene Gansl durante palestra na II Semana Nacional da Oncologia, em 2019.
O início da carreira
Dr. Rene conta que no início da carreira tinha poucos pacientes e acabou por montar um pequeno consultório, onde ele mesmo fazia coletas sanguíneas e preparava e aplicava as quimioterapias no tratamento de doenças hemato-on-cológicas. “Eu não tinha equipe de enfermagem. Fazia tudo sozinho: exames clínicos, coletas sanguíneas, realização de hemograma…”, lembra.
No início dos anos 1980, porém, ele conheceu o oncologista e ex-presidente da SBOC (Gestão 2017-2019) Dr. Sergio Simon, profissional que se tornaria um grande amigo, e falou da intenção em se especializar em oncologia clínica. Incentivado por Simon, que na época também atuava como hematologista, Dr. Rene recebeu uma ajuda financeira do pai – que a essa altura já tinha prosperado no ramo da joalheria – e fez um estágio de oncologia de quatro meses, em 1983, no Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova Iorque (EUA).
Quando regressou ao Brasil, Rene foi convidado pelo Prof. Henrique Walter Pinotti – falecido em 2010 e considerado um dos maiores cirurgiões gástricos no Brasil, tendo operado o ex-presidente Tancredo Neves – para atuar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “Era um período em que os oncologistas tratavam quase todos os tipos de câncer e comigo também foi assim, mas acabei de certa forma focando mais em tumores gastrointestinais”, explica.
Quando regressou ao Brasil, Rene foi convidado pelo Prof. Henrique Walter Pinotti – falecido em 2010 e considerado um dos maiores cirurgiões gástricos no Brasil, tendo operado o ex-presidente Tancredo Neves – para atuar no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Lideranças da oncologia na América Latina firmam primeiros passos da parceria.
“Era um período em que os oncologistas tratavam quase todos os tipos de câncer e comigo também foi assim, mas acabei de certa forma focando mais em tumores gastrointestinais”, explica.
A partir da experiência adquirida no Hospital das Clínicas, Dr. Rene juntou-se com o Dr. Sergio Simon e abriram uma das primeiras clínicas de oncologia de São Paulo. “Contratamos uma secretária, uma enfermeira e passamos a atender em uma casa, onde eu tinha a minha salinha e o Sérgio a dele, e em duas poltronas a gente fazia as quimioterapias”, lembra. “A enfermeira abria as ampolas de quimioterapia na cozinha dessa casa e às vezes espirrava quimioterápico”, brinca. “Ao lado de cada poltrona de quimioterapia tinha também um balde para os vômitos dos pacientes. Naquela época não existiam esses antieméticos potentes e os pacientes passavam muito mal”, detalha.
A virada
Com o passar dos anos, a clínica de Rene e Sergio foi crescendo e eles contrataram outros oncologistas como assistentes. Entre eles, o Dr. Artur Katz, ex-presidente da SBOC (Gestão 1995-1997), e o Dr. Jacques Tabacof, que se tornaram sócios da clínica.
Também fizeram parte da até então promissora clínica oncológica outros profissionais que hoje estão entre os mais renomados do país, como o Dr. Olavo Feher, o Dr. Ricardo Marques e o Prof. Dr. Paulo M. Hoff, ex-presidente da SBOC (Gestão 2021-2022) e que chegou a ser sócio deles.
A pequena clínica foi batizada de Centro Paulista de Oncologia (CPO) e se tornou uma das principais referências de tratamento privado contra o câncer no país.
O presente e o futuro
Ao rememorar sua carreira, Dr. Rene, atualmente com 76 anos de idade e associado SBOC desde 1991, observa uma tendência da prática médica atual: diagnósticos baseados quase sempre apenas nos exames laboratoriais ou de imagens.
Há alguns anos, durante visita médica em um hospital, ele conta que se deparou com um paciente muito mal fisicamente. “Ele já estava com cianose nos dedos”, detalha. “Virei para meu assistente e disse: “Transfira ele já para a UTI, pois ele está morrendo”. Mas meu assistente respondeu: “Não é possível! Os exames dele estão ótimos”, e começou a me mostrar os resultados… Fizemos a transferência e o paciente, infelizmente, morreu mesmo”, acrescenta.
Segundo Dr. Rene, tal experiência resume bem a prática clínica de muitos médicos, principalmente os mais jovens. “Os profissionais mais novos, na maioria dos casos, são bem inteligentes e detentores de farto conhecimento, mas não fazem anamnese dos seus pacientes”, avalia.
Para ele, esse problema é consequência de diversos fatores, entre os quais destaca: a enorme quantidade de recursos diagnósticos disponíveis atualmente, a grande influência da medicina norte-americana, que ele considera ser “persecutória” em busca de erros médicos, e o excesso de pacientes, em especial, para aqueles que atendem via planos privados de saúde.
“As máquinas e os recursos tecnológicos são fundamentais e não devem ser ignorados, mas a essência da medicina é humana”, enfatiza. “Nas conversas com os pacientes, é possível fazer cerca de 70% dos diagnósticos”, avalia.
O oncologista sugere a todos os profissionais em formação ou no início de carreira que atuem como “Sherlock Holmes”.
Para criar o famoso detetive que desvendava casos inimagináveis, o escritor e médico escocês Arthur Conan Doyle inspirou-se em um dos seus professores na faculdade de Medicina da Universidade de Edimburgo, o Dr. Joseph Bell, que tinha como característica principal a observação minuciosa dos seus pacientes. Ele analisava desde a forma como andavam, conseguindo distinguir se eram marinheiros ou soldados, por exemplo; até detalhes do sotaque, para saber de qual região eram originários; ou a textura das palmas das mãos para descobrir a profissão que exerciam.
A partir dessas e outras informações, Dr. Bell fazia os diagnósticos, quase sempre precisos para o conhecimento da época, e determinava os melhores cuidados possíveis.
Assim como Sherlock Holmes e Joseph Bell, Dr. Rene, que atende atualmente apenas no Hospital Israelita Albert Einstein, segue desvendando mais do que os exames de sangue e imagens podem mostrar dos seus pacientes.

Dr. Sergio Simon e Dr. Rene Gansl se reúnem, em 2025, para uma foto especial para esta edição da revista.
Dica do Dr. Rene Gansl
Ted Talks “A doctor’s touch”, do Dr. Abraham Verghese
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Profundo conhecedor de História, artista amador e gamer
Talentos e características do Prof. Dr. Paulo M. Hoff que vão além da Medicina
Quem trabalha com oncologia no Brasil, dificilmente não conhece o Dr. Paulo M. Hoff, Professor Titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Diretor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo e Presidente da Oncologia D’Or.
O que será contado a seguir, porém, vai além das suas qualificações profissionais e traz informações até então pouco conhecidas sobre o ex-Presidente da SBOC (Gestão 2021-2022).
O encantamento pela Ciência
Filhos de pais gaúchos – a mãe de Passo Fundo e o pai de Santa Bárbara do Sul – Paulo Marcelo Gehm Hoff nasceu em 8 de setembro de 1968, em Paranavaí (PR). Seu pai, embora filho de agricultores, formou-se em Análises Clínicas e acabou se mudando do Rio Grande do Sul para o Paraná, onde abriu um laboratório junto com um amigo.
“Meu pai me levava para o laboratório – hoje não sei se seria permitido levar uma criança de 4 anos para o laboratório!”, diz rindo, “e me deixava ver lâminas no microscópio”, lembra.
“Eu achava muito fascinante os tubos de ensaio, as incubadoras… Isso, de certa forma, me atraiu para a Ciência e sentia muita vontade de fazer pesquisa”, complementa.
Os primeiros anos de Paulo Hoff foram no Paraná, mas ainda na infância ele retornou com a família para Passo Fundo (RS) e depois mudou-se para Brasília, onde já no início da vida adulta deu sequência ao seu interesse em ciências biológicas e começou a graduação em Medicina pela Universidade de Brasília (UnB), embora tenha sido aprovado também no curso de Direito.
Como presente por ter passado no vestibular para Medicina, Paulo Hoff ganhou do pai uma viagem ao Rio Grande do Sul para rever amigos e familiares, mas tinha como pré-condição uma parada em Curitiba (PR) para visitar seu tio-avô e padrinho, que estava com câncer. “Ele estava bem doente, mas consciente. Jogamos uma partida de xadrez e horas depois ele acabou morrendo”, lembra. “Isso mexeu bastante comigo, pois naquela época – anos 80 – quase não haviam tratamentos oncológicos efetivos”, conta.
Esse episódio familiar, somado ao interesse de infância pela Ciência e a “descoberta” da oncologia como área da Medicina com um amplo caminho a ser desvendado, acabaram sendo determinantes para que, durante a Residência em Clínica Médica na Universidade de Miami (EUA), ele escolhesse a oncologia clínica como especialidade a ser seguida.

Prof. Dr. Paulo M. Hoff, acompanhado da esposa, a Dr. Ana Amélia Hoff, toma posse da cadeira 58 da Academia Nacional de Medicina.

Habilidade com as mãos
Apesar de escolher na Medicina a área clínica e não a cirúrgica, Dr. Paulo Hoff gosta de desenhar e pintar – uma influência da mãe, que era professora de arte. “Teve uma fase da minha vida em que eu pintava quadros com tinta a óleo, mas não era muito bom nisso”, revela. “Preferi ficar na Medicina mesmo”, brinca.
Seu interesse pela arte da arquitetura e decoração, no entanto, mantém-se ativo. Paulo Hoff participou intensamente do desenho de diversos ambientes da sua clínica em São Paulo e da sua casa de veraneio no litoral.
A habilidade dele com as mãos também pode ser observada, de certa forma, no manuseio dos bastões de esqui, seu esporte favorito, e no videogame – uma das suas diversões preferidas para relaxar quando lhe resta algum tempo livre.
“O primeiro videogame, um Nintendo 64, fui eu que dei”, conta a endocrinologista Dra. Ana Amélia Hoff, sua esposa. “Quando éramos mais novos, ele chegava em casa e já ia logo jogar ou assistir à série Jornada nas Estrelas”, lembra a médica, que contou ainda o grande interesse do marido por Game of Thrones, Star Wars e até pelos parques de diversão da Disney.
Atualmente, o jogo de videogame preferido de Paulo Hoff é o Call of Duty, que reúne estratégias e simulações de batalhas em acontecimentos históricos e também nos tempos atuais em cidades reais. “Ele tem uma sala especial em casa para jogar videogame, que agora é o PlayStation, onde há também a sua biblioteca e adega de vinhos”, revela Ana Amélia.
Fã de History Channel
Todas as pessoas próximas de Paulo Hoff enfatizam o conhecimento dele por História. Além de ler muito a respeito, em especial sobre as duas grandes Guerras Mundiais, ele é fã do canal de televisão History. “Sou um pouco nerd nisso”, brinca.
O interesse por História acabou sendo passado para as filhas e com isso diversas viagens, em família, têm como destino locais históricos ao redor do mundo. “Às vezes, ele até corrige os guias turísticos sobre determinados acontecimentos que ele conhece em detalhes”, diz Ana Amélia.
Entre os livros preferidos de História de Paulo Hoff, está a biografia do estadista britânico Winston Churchill. “Na minha opinião, é um homem muito à frente do seu tempo, embora retrógado em algumas atitudes. O mundo de hoje deve muito à tenacidade e à inteligência dele”, avalia.

Assim como Churchill teve para ele uma grande importância para os rumos do mundo atual, para muitos colegas oncologistas, Hoff é personagem principal da evolução da oncologia brasileira nas últimas décadas.
Se o mundo acabou ficando sem um possível grande historiador, a Medicina, com certeza, ganhou um excelente médico, pesquisador e líder.
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