SBOC REVIEW
[▶ Comentário em vídeo] Anticorpo biespecífico (EGFR-MET) na segunda linha para câncer de pulmão EGFR mutado (estudo MARIPOSA-2)
Comentário em vídeo:
Resumo do artigo:
Mutações ativadoras no receptor do fator de crescimento epidérmico (EGFR) têm prevalência entre 10 e 30% na população com câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP) avançado, sendo as mais comuns (85-90%) as deleções no éxon 19 e a mutação L858R no éxon 21.
Atualmente, o Osimertinibe é a primeira linha padrão de tratamento sistêmico para essa população, um inibidor de tirosina quinase (TKI) de terceira geração que demonstrou ganho de sobrevida global comparado a inibidores de primeira geração.
Porém, em algum momento, quase todos os pacientes desenvolvem resistência ao TKI, sendo recomendado o uso de quimioterapia como tratamento em segunda linha.
Os principais mecanismos de resistência conhecidos ao Osimertinibe são amplificação do MET (15%), mutações adquiridas no EGFR (10%) sendo a mais comum a C797X, amplificação do HER2 (2%) e transformação histológica (15%) em pequenas células ou carcinoma epidermóide.
Historicamente, a sobrevida livre de progressão à quimioterapia em segunda linha na população com CPCNP EGFR-mutado gira ao redor de 5 meses e, nos últimos anos, tem-se explorado alternativas dirigidas a esses mecanismos de resistência para melhorar os desfechos de sobrevida.
A coorte E do estudo fase 1 CHRYSALIS demonstrou segurança e resultados promissores quanto à associação entre Amivantamabe (anticorpo biespecífico EGFR-MET) e Lazertinibe (TKI de terceira geração) em pacientes com CPCNP EGFR-mutado após falha ao Osimertinibe. Além disso, em outros estudos fase 1, a associação dessas drogas à quimioterapia baseada em platina trouxe taxas de resposta entre 44 e 50%.
Com base nesse racional, o estudo multicêntrico, randomizado, fase 3, MARIPOSA-2 se propôs a avaliar a eficácia das combinações Amivantamabe-Quimioterapia e Amivantamabe-Lazertinibe-Quimioterapia versus Quimioterapia isolada (esquema de escolha Carboplatina e Pemetrexede) em pacientes com CPCNP EGFR-mutado após progressão ao Osimertinibe.
O estudo não incluiu as mutações de inserção do éxon 20 e eram permitidos pacientes com metástase cerebral, desde que assintomáticos e com doença estável. O desfecho primário era sobrevida livre de progressão (SLP) e os principais desfechos secundários eram taxa de resposta (TR), sobrevida global (SG), SLP intracraniana e segurança.
Foram, então, randomizados 657 pacientes na proporção 2:2:1 para receber Amivantamabe-Lazertinibe-Quimioterapia (Ami-Laz-QT), Quimioterapia (QT), ou Amivantamabe-Quimioterapia (Ami-QT). As características da população foram balanceadas entre os três braços, incluindo o histórico de metástase em sistema nervoso central (SNC).
O estudo foi positivo para o seu desfecho primário, com SLP superior para Ami-QT (6,3 meses) e Ami-Laz-QT (8,3 meses) versus QT (4,2 meses) – HR 0,48 e 0,44 respectivamente, p<0,001 e benefício mantido em todos os subgrupos pré-especificados.
Houve também superioridade quanto à TR com significância estatística (p< 0,001): Ami-QT (64%) e Ami-Laz-QT (63%) versus QT (36%); e quanto à SLP intracraniana: Ami-QT (12,5 meses) e Ami-Laz-QT (12,8 meses) versus QT (8,3 meses) – HR 0,55 e 0,58, respectivamente, com p<0,001. Os dados de SG ainda são imaturos. Todos os resultados foram consistentes entre investigadores e comitê central independente.
O principal motivo para descontinuação foi progressão de doença, contudo, as toxicidades não foram desprezíveis, com maior ocorrência no braço da terapia tripla – o qual, inclusive, necessitou de ajustes ao longo do protocolo (consideração de anticoagulação profilática pelo risco de trombose venosa com a associação Ami-Laz, e alteração do início do Lazertinibe para o momento da manutenção após término da Carboplatina).
Qualquer evento adverso (EA) maior ou igual a grau 3 foi observado em 72% dos pacientes tratados no braço Ami-QT, 92% no braço Ami-Laz-QT e 48% no braço QT. O principal EA foi mielotoxicidade, com incidência de neutropenia febril maior no braço da terapia tripla (8% vs. 2% nos demais braços). Destaque também para reação infusional em mais de 50% dos pacientes dos braços intervenção, além de trombose venosa em 22% dos pacientes do grupo Ami-Laz-QT.
Comentário do avaliador científico:
O cenário de tratamento na segunda linha para pacientes com CPCNP EGFR-mutado, após falha ao Osimertinibe, ainda é um desafio. Sabe-se que a associação de imunoterapia à quimioterapia não demonstrou benefício na segunda linha para esta população.
Aprofundar o conhecimento quanto aos mecanismos de resistência ao TKI se faz essencial para explorar drogas alvo-direcionadas que melhorem os desfechos destes pacientes, uma vez que o tratamento padrão hoje (quimioterapia) oferece uma SLP próxima a 5 meses.
Nesse cenário, o Amivantamabe surge como possibilidade terapêutica promissora já avaliada em estudos fase 1, demonstrando eficácia inclusive para mutações do EGFR relacionadas às inserções do éxon 20.
Agora, o estudo MARIPOSA-2 consolida essa droga, em associação à quimioterapia, como possível tratamento padrão na segunda linha após progressão ao Osimertinibe, com ganho de sobrevida livre de progressão (geral e intracraniana) e taxa de resposta estatisticamente significantes.
A associação de Lazertinibe tem um racional baseado em maior penetração na barreira hemato-encefálica. Contudo, a combinação Ami-Laz-QT trouxe maior toxicidade (com 5% de mortes por EA neste grupo), apresentando valores numericamente semelhantes à terapia dupla Ami-QT, quanto a SLP (incluindo SLP intracraniana), TR e duração de resposta.
Aguardamos, ainda, os dados de SG do estudo e a análise molecular de DNA tumoral circulante (ctDNA) para avaliação de biomarcadores. Dados apresentados na ASCO 2023 (coorte D do estudo CHRYSALIS) foram negativos para ctDNA como biomarcador de resposta, porém, a avaliação de amplificação do MET por imuno-histoquímica parece ser promissora para melhor selecionar a população que se beneficia da terapia-alvo associada.
Citação: Passaro A et al; MARIPOSA-2 Investigators. Amivantamab plus chemotherapy with and without lazertinib in EGFR-mutant advanced NSCLC after disease progression on osimertinib: primary results from the phase III MARIPOSA-2 study. Ann Oncol 2024; 35(1):77-90. doi: 10.1016/j.annonc.2023.10.117. Epub 2023 Oct 23. PMID: 37879444.
AVALIADOR CIENTÍFICO:
Dra. Jéssica Kipper Martinez
Residência de Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP-FMUSP)
Oncologista Clínica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP-FMUSP)
Assistente no Grupo de Oncologia da Rede D’Or