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SBOC REVIEW

[▶ Comentário em vídeo] Associação de imunoterapia à quimiorradioterapia no tratamento do câncer de colo de útero localmente avançado

Resumo em vídeo:

 

Resumo do artigo:

O uso da imunoterapia já demonstrou eficácia no câncer de colo uterino persistente, recorrente ou metastático em paciente PD-L1 positivo, sendo conduta bem estabelecida nesse cenário. Na tentativa de trazer tal benefício para linhas mais precoces, este estudo de fase 3 avaliou eficácia e segurança da adição de pembrolizumabe à quimiorradioterapia no câncer cervical localmente avançado.

Apesar dos avanços nas técnicas de radioterapia nos últimos anos, a taxa de recorrência em 5 anos permanece alta, podendo checar a 50%. Tentando melhorar esses resultados, várias estratégias têm sido tentadas. Recentemente, o estudo OUTBACK comparou a adição de quimioterapia adjuvante versus placebo ao tratamento padrão com quimiorradioterapia, apresentando resultados de sobrevida livre de progressão e sobrevida global negativos. Em contrapartida, o estudo INTERLACE demonstrou benefício em sobrevida livre de progressão e sobrevida global com a adição de quimioterapia neoadjuvante semanal seguida de quimiorradioterapia. Vale ressaltar que a população avaliada no KEYNOTE-A18 é de maior risco que a estudada no INTERLACE, uma vez que a proporção de pacientes com linfonodo positivo no estudo com pembrolizumabe é maior (83,3% versus 57%). Portanto, a comparação entre estudos com populações diferentes exige cautela.

No KEYNOTE-A18, realizado em 176 centros médicos de 30 países, pacientes com câncer de colo de útero localmente avançado de alto risco foram randomizadas para receber 5 ciclos de pembrolizumabe (200 mg) ou placebo a cada 3 semanas mais quimiorradioterapia (5 ciclos de cisplatina 40 mg/ m² semanal + radioterapia seguido de braquiterapia), seguido por 15 ciclos de pembrolizumabe (400 mg) ou placebo a cada 6 semanas. Os desfechos primários foram sobrevida livre de progressão e sobrevida global, sendo a análise primária conduzida na população com intenção de tratar. Já os desfechos secundários foram a porcentagem de pacientes vivos e livres de progressão em 24 meses, sobrevida livre de progressão, global status PD-L1 e taxa de resposta objetiva. Os critérios de classificação como alto risco seriam, de acordo com FIGO 2014, estágio IB2–IIB com doença linfonodo positivo ou estágio III – IVA, independentemente da presença de status linfonodal.

Foram incluídas 1.060 pacientes, sendo 529 designadas para o grupo de quimiorradioterapia com pembrolizumabe e 531 para o grupo de quimiorradioterapia com placebo com um acompanhamento mediano de 17,9 meses em ambos os grupos. Na população deste estudo, 56,4% dos 1.060 participantes tiveram colo do útero FIGO 2014 estágio III – IVA, 83,3% apresentavam linfonodos positivos e 94,3% tinham PD-L1 positivo.

Quanto aos resultados, a sobrevida livre de progressão mediana não foi alcançada em nenhum dos grupos, sendo que aos 24 meses foi de 68% no grupo pembrolizumabe + quimiorradioterapia e 57% no grupo placebo + quimiorradioterapia com um HR de 0,70 (IC 95%, 0,55–0,89; p=0,002), atendendo ao objetivo primário especificado pelo estudo. Já a sobrevida global aos 24 meses foi de 87% no grupo pembrolizumabe-quimiorradioterapia e 81% no grupo placebo-quimiorradioterapia, com um HR de 0,73 (0,49–1,07), sendo que estes dados ainda não ultrapassam o limite da significância estatística.

Analisando subgrupos, o HR de sobrevida livre de progressão foi 0,72 (0,56–0,92) no subgrupo com PD-L1 positivo e 0,61 (0,18–2,07) no subgrupo com PD-L1 negativo.

Eventos adversos mais comuns em ambos os grupos foram anemia, náuseas, diarreia, leucopenia e neutropenia. No grupo com imunoterapia, os eventos imunomediados mais frequentes foram hipotireoidismo, hipertireoidismo e colite. Não houve aumento expressivo de toxicidades grau 3 com acréscimo de pembrolizumabe à quimiorrradioterapia, endossando assim a segurança do tratamento.

Por fim, este estudo fase 3, randomizado e duplo-cego demonstrou que pembrolizumabe mais quimiorradioterapia melhoraram de forma significativa a sobrevida livre de progressão em pacientes com câncer cervical localmente avançado, de alto risco e recém-diagnosticado. Aguardamos dados atualizados de sobrevida global.

 

Comentário do avaliador científico:

O estudo KN-A18 foi o primeiro estudo de fase III a demonstrar ganho em sobrevida livre de progressão com acréscimo da imunoterapia na população com câncer de colo de útero localmente avançado. Marco importante, pois já é bem estabelecido que os inibidores de checkpoint desempenham papel importante como tratamentos de primeira e segunda linha para câncer cervical metastático.

Recentemente foi publicado o estudo CALLA, também avaliando a doença localmente avançada, com acréscimo do durvalumabe ao tratamento padrão com quimiorradioterapia, entretanto o estudo foi negativo para seu desfecho primário, não aumentando a sobrevida livre de progressão na população selecionada em comparação com placebo. Embora as razões para os diferentes resultados entre CALLA e KN-A18 sejam incertas, a diferença de resultados pode estar relacionada com efeitos específicos de drogas ou suas vias de inibição distintas (PD-1 x PD-L1). Além disso, há também diferença nos critérios de elegibilidade (número e tamanho dos linfonodos), com a população do KN-A18 apresentando um risco maior de progressão e morte em comparação com as pacientes incluídas no CALLA. Também importante destacar o uso de IMRT no KN-A18, radioterapia de melhor qualidade.

A adição de pembrolizumabe à quimiorradioterapia reduz o risco de progressão de doença ou morte em 30% na população por intenção de tratar, além de aumentar a sobrevida global (anúncio feito em um comunicado à imprensa pela indústria farmacêutica – aguardamos os dados que ainda serão apresentados).

Durante muitos anos, o câncer de colo uterino localmente avançado ficou sem estratégias que aumentassem a resposta e chance de cura. Temos agora dois estudos recentes com ganhos significativos de sobrevida global para este cenário: KN-A18 e INTERLACE. Ainda se espera a publicação deste na íntegra e, apesar de não existir uma comparação direta entre as duas estratégias, o acesso à imunoterapia pode ser o que vai motivar uma estratégia em detrimento da outra. Outra questão em aberto é se a estratégia de quimioterapia de indução poderia ser combinada à quimiorradioterapia com pembrolizumabe notadamente para uma população de alto risco.

Aliado a estes ganhos importantes, precisamos focar em estratégias para aumentar as taxas de vacinação contra o HPV, principal responsável pelo desenvolvimento deste câncer, visto que a taxa de vacinação continua abaixo da recomendada, principalmente em países em desenvolvimento.

 

Citação: Lorusso, Domenica et al. Pembrolizumab or placebo with chemoradiotherapy followed by pembrolizumab or placebo for newly diagnosed, high-risk, locally advanced cervical cancer (ENGOT-cx11/GOG-3047/KEYNOTE-A18): a randomised, double-blind, phase 3 clinical trial. Lancet (London, England) vol. 403,10434 (2024): 1341-1350. doi:10.1016/S0140-6736(24)00317-9 

 

Avaliador científico:

Dr. Mateus Marinho Nogueira Soares

Residência Médica em Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP/FMUSP)

Oncologista Clínico do grupo Oncoclínicas-RJ

Cidade de atuação: Rio de Janeiro

Análise realizada em colaboração com a oncologista sênior Dra. Mariana Scaranti