SBOC REVIEW
[▶ Comentário em vídeo] Desafios no tratamento de neoplasias neuroendócrinas gástricas
Comentário em vídeo:
Resumo do artigo:
Os gNENs (neoplasias neuroendócrinas gástricas), embora raros, com uma incidência global de aproximadamente 0,4 casos por 100.000 pessoas ao ano e prevalência de 6,5% entre as neoplasias gástricas malignas, têm sido cada vez mais diagnosticados, devido ao maior reconhecimento clínico dessa neoplasia. Além disso, os gNETs assintomáticos são frequentemente descobertos incidentalmente durante rastreamento de doenças gastrointestinais com endoscopia digestiva alta.
Os gNENs pertencem ao grupo de NENs GEP (gastroenteropancreáticas), mas apresentam características peculiares específicas dos gNENs, como a subdivisão de tipos baseada no papel da gastrina. Os gNETs do tipo I (70–80%) e do tipo II (~5%) são principalmente gNETs dependentes de gastrina, desenvolvendo-se em um contexto de gastrite atrófica crônica ou como parte da síndrome de Zollinger–Ellison (ZES) em uma síndrome de neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM1), respectivamente.
Por outro lado, os gNETs do tipo III ou gNETs esporádicos (20–30%), desenvolvem-se na ausência de hipergastrinemia e em um contexto de mucosa gástrica de normal a inflamada.
Quanto ao diagnóstico e avaliação inicial, a endoscopia digestiva alta é indicada para visualização direta das lesões, enquanto a ultrassonografia endoscópica avalia profundidade de invasão tumoral. A presença de múltiplas lesões pequenas (<1 cm) sugerem gNET tipo I ou tipo II. Tumores solitários >1 cm com morfologia séssil ou polipoide podem indicar um gNET tipo III, ou um gNEC (carcinomas neuroendócrinos gástricos), necessitando avaliação adicional usando ultrassonografia endoscópica (EUS) para avaliar o estágio T e o estágio N.
A imagem funcional não é rotineiramente recomendada em gNETs devido ao seu comportamento indolente. No entanto, PET Gálio-68 é recomendado se metástases forem detectadas durante o EUS ou suspeitas devido a características de alto risco (grau 2 ou superior, invasão linfática ou vascular, tamanho ≥1 cm) ou em gNETs tipo III, que apresentam maior agressividade e maior risco de disseminação metastática. O PET-CT FDG deve ser solicitado em tumores de alto grau, como NETs grau 2 com índice Ki67 >10% e NETs grau 3, e NECs. Além disso, indicado na presença de lesões discordantes (ou seja, aquelas identificadas em TC diagnóstica sem captação no PET-CT com receptor análogo de somatostatina) e rápida progressão clínica.
Com relação ao manejo, gNENs do tipo I são associados à gastrite atrófica autoimune, sendo geralmente de baixo grau e de crescimento lento. O tratamento primário pode ser a vigilância ativa ou a ressecção endoscópica para tumores menores. Já os gNENs tipo II, relacionados à síndrome de Zollinger-Ellison e frequentemente associados à NEM 1 (Neoplasia Endócrina Múltipla 1), são mais agressivos e propensos a metástases. O manejo inclui a ressecção cirúrgica do tumor primário e das lesões metastáticas, além do uso de inibidores da bomba de prótons para controlar a produção excessiva de ácido gástrico. Por outro lado, gNENs do tipo III são independentes de gastrina, apresentando maior agressividade e metástases. O tratamento envolve quimioterapia com regimes como CAPTEM.
Além disso, opções de tratamento sistêmico incluem análogos de somatostatina, terapia radioligante direcionada à somatostatina (177Lu-DOTATATE), inibidores de mTOR (everolimus), inibidores da angiogênese (surufatinibe, aprovado apenas na China) e terapias direcionadas baseadas no perfil molecular do tumor.
Comentário do avaliador científico:
Por ser uma neoplasia rara, riscos de subtratamento ou tratamento excessivo de pacientes podem impactá-los psicologicamente, além de gerar gastos desnecessários. Em subtipos mais indolentes, como tumores neuroendócrinos gástricos do tipo I, a sobrevida em 5 anos é em torno de 90-100%. Em tumores do tipo II e III a sobrevida pode chegar a 70% e 50%, respectivamente. Sendo assim, em tumores do tipo I, cujo risco de metástase é inferior a 5%, torna-se extremamente importante o foco em diagnóstico e acompanhamento com equipe multidisciplinar, a fim de evitar exames e condutas desnecessárias.
Por outro lado, pacientes com diagnóstico de neoplasia neuroendócrina gástrica apresentando alto volume de doença metastática e rápida deterioração clínica nos direciona para um comportamento mais agressivo de uma neoplasia do tipo III ou carcinoma neuroendócrino, necessitando de tratamentos mais agressivos com quimioterapia e sequenciamento com painéis somáticos.
Portanto, essa revisão, tendo como coautora uma referência brasileira no assunto Dra. Rachel Riechelmann, elucida a complexidade desses tumores e reforça a importância de uma abordagem multidisciplinar, discussões em tumor board e encaminhamento para centros especializados. Além disso, com um maior conhecimento molecular desses pacientes podemos estratificar melhor em estudos clínicos, obtendo melhores desfechos de sobrevida e qualidade de vida.
Citação: Lamberti G, Panzuto F, Pavel M, O’Toole D, Ambrosini V, Falconi M, Garcia-Carbonero R, Riechelmann RP, Rindi G, Campana D, et al. Gastric neuroendocrine neoplasms. Nature Reviews Disease Primers. Published online May 15, 2024. doi:10.1038/s41572-024-00508-y
Avaliador científico:
Dr. Álvaro Lopes de Oliveira
Residência em Oncologia Clínica pelo A.C.Camargo Cancer Center – São Paulo/SP
Oncologista clínico no A.C.Camargo Cancer Center.
Cidade de atuação: São Paulo/SP
Autoria do artigo:
Dra. Rachel Riechelmann
Residência em Oncologia Clínica pela UNIFESP – São Paulo/SP
Diretora do Departamento de Oncologia Clínica do A.C.Camargo Cancer Center
Cidade de atuação: São Paulo/SP