SBOC REVIEW
Atualização das Diretrizes Brasileiras de Manejo de Toxicidades Imunomediadas Associadas ao Uso de Bloqueadores de Correceptores Imunes – edição 2.0
Resumo do artigo:
Ao longo da última década, a imunoterapia se consolidou como um dos pilares terapêuticos do tratamento oncológico. Anticorpos monoclonais voltados a correceptores inibitórios envolvidos na modulação da sinapse imune foram aprovados no Brasil para uso clínico, incluindo o agente anti-cytotoxic T-lymphocyte associated protein 4 (CTLA-4, ou CD152), ipilimumabe, os agentes anti-programmed cell death receptor-1 (PD-1, ou CD279), nivolumabe, pembrolizumabe e cemiplimabe, e os agentes anti-programmed death ligand-1 (PD-L1, ou CD274), atezolizumabe, durvalumabe e avelumabe.
Além da ampliação no número de indicações, o uso clínico desses anticorpos monoclonais não mais se limita a pacientes com doença avançada/metastática, e aprovações para o tratamento adjuvante de entidades selecionadas já permeia a prática clínica da oncologia. Além de taxas de resposta variando de 10% a mais de 50% em diferentes cenários, a possibilidade de respostas duradouras e benefício a longo prazo são agora uma realidade cada vez mais frequente. Soma-se ao número crescente de agentes disponíveis, o enorme potencial para uso em combinações, algumas das quais já incorporadas (exemplo: ipilimumabe/nivolumabe, atezolizumabe/bevacizumabe, pembrolizumabe/axitinibe etc.), de modo que assistiremos a uma expansão ainda maior nas indicações clínicas nos anos por vir.
Nesse contexto, o conhecimento dos eventos adversos (EA) relacionados a essas classes de fármacos e seus mecanismos fisiopatológicos é de fundamental importância. No ano de 2017, foram publicadas pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) as “Diretrizes Brasileiras de Manejo de Toxicidades Imunomediadas Associadas ao Uso de Bloqueadores de Correceptores Imunes”, em sua versão inicial. No presente artigo, foram atualizados aspectos gerais e específicos relacionados aos eventos adversos imunomediados (EAim) associados ao uso de bloqueadores de correceptores imunes previamente, incluindo as novas evidências em relação aos EA e aos novos algoritmos direcionados às manifestações clínicas mais frequentes.
Pontos-Chave da Atualização
- Objetivo: Atualizar as Diretrizes Brasileiras de Manejo de Toxicidades Imunomediadas Associadas ao Uso de Bloqueadores de Correceptores Imunes baseada em uma revisão da literatura sobre os principais tópicos relacionados a efeitos adversos imunomediados publicados desde que a última diretriz foi publicada.
- Incidência e apresentação de Efeitos Adversos: com a ampliação das indicações de uso de bloqueadores de correceptores imunes, houve um aumento de estudos que reportam a incidência de efeitos adversos imunomediados. Dados de diversos ensaios clínicos e metanálises foram considerados para atualizar a incidência dos efeitos adversos, inclusive com novos dados em relação aos efeitos adversos fatais e aos efeitos adversos considerados raros.
- Subgrupos de risco: foram atualizadas as evidências quanto ao uso de bloqueadores de correceptores imunes em subgrupos de risco: doença autoimune prévia, uso de corticoterapia antes do início da terapia, infecções virais crônicas, pacientes submetidos a transplantes de órgãos sólidos e idosos.
- Reexposição a terapia imune: com o maior entendimento dos efeitos adversos e manejo adequado, novos estudos foram publicados para avaliar a reinstituição do tratamento. Novas recomendações quanto a descontinuação do tratamento e reexposição da imunoterapia foram realizadas.
- Efeitos adversos específicos: as recomendações de cada toxicidade foram atualizadas, com novos quadros em relação ao manejo de toxicidades raras, como toxicidades cardíacas, renais, hematológicas, musculoesqueléticas/reumatológicas e neurológicas.
Force BSoCOT. Updated Brazilian guidelines for the management of immune-related adverse events associated with checkpoint inhibitors - edition 2.0. Braz J Oncol. 2022;18:e-20220305.
Atualização das Diretrizes Brasileiras de Manejo de Toxicidades Imunomediadas Associadas ao Uso de Bloqueadores de Correceptores Imunes – edição 2.0.
Comentário do avaliador científico:
Uma grande limitação no tratamento de EAim atualmente é a falta de correlação anatomopatológica e de uma melhor definição dos mecanismos envolvidos em cada manifestação de um EAim, o que se traduz em abordagens ainda pouco específicas ou personalizadas. Na prática clínica atual, a maioria dos tratamentos ainda são empíricos e baseados em terapias utilizadas em doenças autoimunes. O avanço na caracterização dos mecanismos fisiopatológicos das toxicidades provavelmente se traduzirá em um refinamento das abordagens terapêuticas neste cenário. Por exemplo, dermatites imunomediadas podem estar relacionadas a aumento de IL-6, IgE, infiltrado eosinofílico, e cada uma dessas fisiopatologias podem ser tratadas de forma individualizada com diferentes terapias.
O emergente e contínuo desenvolvimento de bloqueadores de correceptores imunes continuará a evoluir nos próximos anos, tornando o reconhecimento e manejo adequado de EAim ainda mais desafiador. Dessa forma, aumentar a conscientização dos pacientes e profissionais de saúde envolvidos no paciente oncológico (nutricionistas, fisioterapeutas, profissionais de enfermagem), promover educação continuada e atualização de diretrizes, estimular uma abordagem multidisciplinar com especialistas nas respectivas áreas (dermatologistas, reumatologistas, gastroenterologistas, pneumologistas etc.) são cruciais para o sucesso terapêutico das toxicidades. Por fim, fomentar pesquisas que busquem elucidar os mecanismos fisiopatológicos e criar registros multicêntricos nacionais e internacionais devem ser encorajados, pois são fundamentais para um melhor entendimento e um manejo personalizado dos EAim.
Avaliador científico:
Dr. Guilherme Harada
Residência de Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP/FMUSP
Atual Advanced Oncology Fellow – Early Drug Development Service - Memorial Sloan Kettering Cancer Center – EUA