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Avaliação de um Escore de Risco Poligênico no Rastreio de Câncer de Próstata [▶ Comentário em vídeo]
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Resumo do artigo:
Estudos com gêmeos apontam para alta proporção de cânceres de próstata relacionados à hereditariedade. Além das variantes monogênicas, pode haver contribuição de múltiplas variantes de nucleotídeo único (SNPs). Isoladamente, tais variantes são comuns na população e não modificam risco de câncer. Se, entretanto, forem agrupadas em centenas ou milhares de SNPs, pode haver diminuição ou aumento de risco ao câncer.
O estudo BARCODE1 avaliou 130 SNPs previamente identificados e validados em escore de risco poligênico (ERP) de indivíduos europeus. Estes SNPs e o escore de risco poligênico correspondente foram analisados em pacientes masculinos de 55 a 69 anos atendidos em unidades de atenção primária do Reino Unido. O estudo prospectivo previa realização de biópsia e de ressonância magnética (RM) de próstata nos pacientes com ERP acima do percentil 90; o paciente não poderia ter tido diagnóstico, suspeição de câncer de próstata ou ter realizado biópsia para câncer de próstata nos últimos 12 meses.
Receberam convite para participar do estudo, 40.292 homens; destes, 6.393 (15,8%) consentiram e forneceram saliva para sequenciamento genômico. Destes, 745 homens (11,65%) tiveram ERP igual ou superior ao percentil 90. Apenas 468 (62,8%) prosseguiram para realização de biópsias e RM (procedimentos mandatórios para todos os pacientes na fase de rastreio). Os demais retiraram consentimento por relutância em relação à realização de biópsia ou foram descontinuados pelo time do estudo. A idade média dos pacientes que realizaram biópsia foi de 61,2 anos e 20,9% deles relatavam história familiar de câncer de próstata.
Entre os 462 homens avaliados com biópsia e RM, 187 (40%) foram diagnosticados com câncer de próstata, sendo 103 (22%) classificados com risco intermediário ou superior conforme os critérios do NCCN. Os autores destacam que em 71,8% (74 de 103) dos pacientes com risco intermediário ou superior, o câncer de próstata não seria detectado pelo protocolo diagnóstico atualmente utilizado no Reino Unido. Para risco intermediário desfavorável ou superior, o número de diagnósticos perdidos chegaria a 42,5% (17 de 40). Em relação ao Gleason dos pacientes diagnosticados no estudo, 55% deles foi 7 ou mais – os autores comparam com 35,3% do estudo ERSPC.
De acordo com estudos prévios, o risco estimado de câncer de próstata em 10 anos que valida o rastreio é entre 3,5% e 4% (ou maior que 3,8%, que é o risco da grande maioria daqueles com ERP acima do percentil 90). Sendo assim, o estudo demonstra que este nível pode ser alcançado em 11,7% através do ERP em homens com ou sem história familiar de câncer de próstata e ressalta que o ERP é um fator de risco independente da história familiar, provavelmente não se sobrepondo a esta. O modelo composto por múltiplos fatores de risco atingiu AUC de 0,78 (contra 0,74 do STHLM3 – estudo sueco que avaliou múltiplos fatores como PSA, idade, história familiar, sem considerar ERP em todos os pacientes). O valor preditivo positivo do PSA na população do BARCODE1 foi de 61,1% (contra 48% do observado no estudo IMPACT para homens BRCA2 mutados). A taxa de sobrediagnóstico do estudo foi de 20,8%.
O estudo sugere a utilidade do escore poligênico na população britânica, como ferramenta a se acrescentar à idade, história familiar, PSA e RM para rastreio do câncer de próstata.
Comentário do avaliador científico:
Chama a atenção que apenas 22% dos convidados aceitaram participar do estudo. Dentre estes, 40,7% retiraram o consentimento quando da necessidade de realização de biópsia prostática. Ora, se não houve adesão de pacientes europeus inseridos em estudo clínico, o que se pode esperar do mundo real? O problema maior parece ser a proporção considerável dos pacientes não-dispostos a “pagar” para obter os benefícios do sistema de rastreio.
Talvez a resposta resida, mais adiante, na combinação de biópsia líquida com escore poligênico como forma de seleção da população que realmente precisa da biópsia de próstata. Ou, como o editorial sugeriu, na seleção para biópsia daqueles com PSA elevado e escore de risco poligênico alto. Os modelos de risco composto podem integrar todas as variáveis e devem se aprimorar nos próximos anos.
Este estudo levanta a questão ética da necessidade de linha de cuidado quando se lança mão de ferramentas genômicas de avaliação de risco ao câncer. No Brasil, há elevada miscigenação e carece-se de escores poligênicos validados para a população Brasileira – fatos que apontam para a não-utilização dos dados apresentados na população brasileira e para a necessidade de ampliação da pesquisa nacional. Considerando estudo recente que confirma a alta proporção de ancestralidade europeia em várias regiões brasileiras, torna-se ainda mais importante a análise de validação do ERP desenvolvido em outras populações, e eventualmente a construção de ERP população ou região-específicos.
Citação: McHugh JK, Bancroft EK, Saunders E, Brook MN, McGrowder E, Wakerell S, et al. BARCODE1 Steering Committee and Collaborators. Assessment of a Polygenic Risk Score in Screening for Prostate Cancer. N Engl J Med. 2025 Apr 10;392(14):1406-1417. doi: 10.1056/NEJMoa2407934.
Avaliador científico:
Dr. Augusto Perazzolo Antoniazzi
Oncologista clínico pelo Hospital de Câncer de Barretos – Barretos/SP
Oncologista clínico no Hospital de Amor – Barretos/SP
Mestrando em Genética (FMRP-USP)
Instagram: @august0zz1 @hospitaldeamor
Cidade de atuação: Barretos/SP
Análise realizada em colaboração com a oncologista sênior Dra. Patrícia Ashton Prolla.