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SBOC REVIEW

Biópsia de linfonodo sentinela versus nenhuma cirurgia axilar em pacientes com câncer de mama pequeno e resultados negativos na ultrassonografia de linfonodos axilares

Resumo do artigo:

A biópsia do linfonodo sentinela (BLS) é o procedimento padrão no estadiamento de pacientes com câncer de mama inicial. Entretanto, considerando que a cirurgia para a avaliação dos linfonodos axilares não possui intenção curativa, mas sim prognóstica, há questionamentos do real benefício da BLS às pacientes.

Nesse sentido, foi publicado em setembro de 2023 no JAMA Oncology o SOUND (NCT02167490), um estudo de fase 3, randomizado, prospectivo e multicêntrico, que avaliou a não inferioridade de nenhuma cirurgia axilar versus BLS em pacientes com câncer de mama inicial e de pequenas dimensões, cujo resultado da ultrassonografia axilar (USa) foi negativa.

As participantes foram inscritas 2012 a 2017. Os critérios de elegibilidade incluíram mulheres de qualquer idade com câncer de mama invasivo de até 2 cm de diâmetro, sem envolvimento de linfonodos axilares na avaliação clínica e com programação de cirurgia conservadora mais radioterapia. Todas as pacientes foram submetidas a USa pré-operatória. Caso houvesse algum achado duvidoso no linfonodo axilar, era realizada aspiração com agulha fina para descartar a possibilidade de metástase. Os critérios de exclusão envolviam a presença pré-operatória de múltiplos linfonodos suspeitos, multifocalidade ou multicentricidade extensa, câncer de mama bilateral, câncer prévio, gravidez ou lactação em curso.

Ao todo, 1.405 mulheres foram incluídas na análise de intenção de tratar e randomizadas na proporção 1:1 para BLS (708) versus sem cirurgia axilar (697). Importante ressaltar que, à época, as pacientes com metástases no linfonodo sentinela no grupo BLS eram submetidas a esvaziamento axilar. O desfecho primário do estudo foi a sobrevida livre de doença à distância (SLDD) aos 5 anos. Desfechos secundários incluíram a incidência cumulativa de recorrências à distância, incidência cumulativa de recorrências axilares, SLD, sobrevida global (SG) e a recomendação de tratamento adjuvante.

A média de idade foi de 60 (52-68) anos; a média de tamanho do tumor foi de 1,1 (0,8-1,5) cm; e 1.234 pacientes (87,8%) tinham receptores hormonais positivos e HER2 negativo. No grupo BLS, 97 mulheres (13,7%) tinham linfonodos axilares comprometidos, sendo 36 (5,1%) com micrometástases e 61 (8,6%) com macrometástases, e 4 (0,6%) apresentaram 4 ou mais linfonodos positivos.

A terapia sistêmica adjuvante e a radioterapia prescritas foram semelhantes nos dois grupos. No geral, 142 mulheres (20,1%) no grupo BLS e 122 (17,5%) no grupo sem cirurgia axilar receberam quimioterapia adjuvante, enquanto 694 (98,0%) e 680 (97,6%) pacientes receberam radioterapia, respectivamente.

Durante o período de acompanhamento, 12 (1,7%) recidivas locorregionais, 13 (1,8%) metástases à distância e 21 (3,0%) mortes ocorreram no grupo BLS, enquanto 11 (1,6%), 14 (2,0%) e 18 (2,6%), respectivamente, ocorreram no grupo sem cirurgia axilar. A SLDD aos 5 anos foi de 97,7% no grupo BLS versus 98,0% no grupo sem cirurgia axilar, resultado estatisticamente positivo para o desfecho de não inferioridade (HR 0,84; IC 90% 0,45-1,54; P não inferioridade = 0,02).

A SLD aos 5 anos foi de 94,7% no grupo BLS e 93,9% no grupo sem cirurgia axilar (p=0,30), enquanto a SG foi de 98,2% versus 98,4%, respectivamente (p=0,72). A incidência cumulativa de metástases à distância aos 5 anos foi de 2,3% versus 1,9% (p=0,69) a incidência cumulativa de recorrências axilares aos 5 anos foi de 0,4% em ambos os grupos (p=0,91).

Os autores concluem que, neste ensaio clínico randomizado, a omissão da cirurgia axilar foi não inferior à BLS para SLDD em pacientes com câncer de mama inicial de pequenas dimensões, cujo resultado da USa pré-operatória foi negativo.

 

Comentário do avaliador:

Historicamente, as pacientes com câncer de mama eram submetidas à dissecção linfonodal axilar (DLA) com a perspectiva de que tal procedimento resultaria em ganho de sobrevida, controle locorregional, melhor precisão de estadiamento e individualização da terapia sistêmica. Vários ensaios questionaram esses princípios cirúrgicos. O estudo NSABP-B04 randomizou pacientes para mastectomia radical, mastectomia total, radiação sem DLA ou mastectomia total mais DLA somente se os linfonodos estivessem comprometidos. O ensaio foi anterior ao uso de terapia sistêmica. Após 25 anos de acompanhamento, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os grupos com linfonodos negativos ou os grupos com linfonodos positivos em relação à SLD nem SG.

Estudos mais contemporâneos, incluindo ACOSOG Z0011 e AMAROS, demonstraram que a DLA não resulta em ganho de sobrevida em certos cenários. No Z0011, pacientes com linfonodos clinicamente negativos, com tumores T1/T2 e 1 a 2 linfonodos sentinelas positivos foram randomizadas para observação ou DLA. A taxa de SG aos 10 anos para aquelas submetidas à BLS foi de 86,3%, resultado não inferior à taxa de 83,6% para as pacientes tratadas com DLA. As taxas de SLD aos 10 anos foram de 80,2% e 78,2%, respectivamente. No AMAROS, que randomizou uma população similar para DLA versus radioterapia axilar, não mostrou nenhuma diferença entre os grupos tanto para SLD quanto para SG. Apesar do reconhecimento de que a doença nodal não foi diretamente tratada nas pacientes randomizadas para BLS (27% em Z0011 e 33% em AMAROS com base nas taxas de positividade nodal nos braços de DLA nos estudos), não houve diferença entre os grupos em relação às recorrências locorregionais. No Z0011, por exemplo, as taxas acumuladas de recorrências locorregionais em 10 anos para BLS e DLA foram de 5,3% e 6,2%, respectivamente. No AMAROS, por sua vez, a taxa de recidiva axilar em 5 anos foi de 0,43% para DLA versus 1,19% para radioterapia axilar.

Dados adicionais sobre a probabilidade de metástases axilares em pacientes com exame clinicamente negativo foram apresentados pelo Memorial Sloan Kettering. Numa coorte de 5.142 pacientes, BLS positiva foi identificada em 25%, sendo 19% com macrometástase e 6% com micrometástase. A DLA foi realizada em 1.314 mulheres com BLS positiva, resultando em 84% de pacientes com 1 a 3 linfonodos positivos e 16% com ≥ 4 linfonodos positivos. A probabilidade de doença linfonodal varia significativamente com o subtipo histológico: entre 11.596 pacientes tratadas de 1998 a 2010 pela mesma instituição, linfonodos positivos foram identificados em 9% naquelas com câncer de mama RH+/HER2-, 13% com RH-/HER2-, 16% com RH+/HER2+ e 22% com RH-/HER2+.

Com base nesse conhecimento, a maioria das pacientes com câncer de mama RH+/HER2- em estádio inicial e axila clinicamente negativa, são submetidas apenas à BLS no cenário de 1 a 2 linfonodos positivos. No entanto, a informação proveniente do estadiamento oncológico da axila não deve ser completamente ignorada na seleção do tratamento adjuvante, especialmente nas pacientes jovens. Até o presente momento, entende-se que a adição de quimioterapia não é uma estratégia proporcional às mulheres na pós-menopausa com câncer de mama RH+/HER2- com 1 a 3 linfonodos axilares positivos e um risk score (RS) ≤ 25 pelo Oncotype DX, de acordo com os dados do RxPONDER. Entretanto, para as pacientes na pré-menopausa, quimioterapia deve ser aconselhada na presença de 1 a 3 linfonodos axilares comprometidos, independente do valor de RS. Além disso, a duração da terapia endócrina adjuvante pode se prolongar em pacientes na pré-menopausa com metástases em linfonodos da axila se houver o entendimento de que o risco clínico e patológico é alto o suficiente para manter o tratamento além dos 5 anos. A decisão sobre o uso do inibidor de CDK4/6 abemaciclibe também se baseia na presença de comprometimento linfonodal. No subconjunto de mulheres com doença ERBB2 positiva, por sua vez, o estadiamento axilar é fundamental para adequar o tratamento pós cirúrgico, sendo possível restringir a terapia apenas a paclitaxel e trastuzumabe no contexto de axila negativa. No câncer de mama triplo negativo estádio inicial não é diferente, pois a constatação de acometimento axilar auxilia no planejamento neo/adjuvante, incluindo estratégias de acréscimo de imunoterapia (pembrolizumabe), quimioterapia (capecitabina), ou inibidores da PARP (se identificadas variantes patogênicas ou provavelmente patogênicas germinativas em BRCA1/2). Quanto ao tratamento local, campos de radiação linfonodal são frequentemente adaptados às mulheres com envolvimento axilar como complemento à radioterapia mamária após cirurgia conservadora.

Os dados do estudo SOUND são consistentes com as diretrizes da campanha Choose Wisely da Society of Surgical Oncology, que recomenda omitir a BLS em pacientes com mais de 70 anos com câncer de mama de pequenas dimensões, RH+/HER2-, quando o plano de tratamento adjuvante não inclui a adição de quimioterapia ao tratamento endócrino. Os resultados do SOUND sugerem que as pacientes com essas características podem ser poupadas de cirurgia axilar em casos selecionados, em que a ausência de informações anatomopatológicas dos linfonodos axilares não afete o plano de tratamento pós-operatório.

 

Citação: Gentilini OD, Botteri E, Sangalli C, et al. Sentinel Lymph Node Biopsy vs No Axillary Surgery in Patients With Small Breast Cancer and Negative Results on Ultrasonography of Axillary Lymph Nodes: The SOUND Randomized Clinical Trial. JAMA Oncology, 2023.

 

Avaliador científico:

Dr. Cesar Martins da Costa