SBOC REVIEW
Cisplatina semanal com radioterapia pós-operatória para câncer de cabeça e pescoço (JCOG 1008): um ensaio clínico multicêntrico, de não-inferioridade, randomizado de fase II/III
Resumo do artigo:
A maioria dos pacientes com carcinoma epidermóide de cabeça e pescoço (CEC CP) se apresenta com doença localmente avançada (LA) ao diagnóstico. Nos casos ressecáveis, a cirurgia é o principal tratamento. Quimiorradioterapia (QRT) adjuvante com cisplatina (CDDP) 100 mg/m2 a cada 3 semanas é o tratamento padrão para pacientes com CEC CP LA ressecado com alto risco de recorrência. Entretanto, há uma preocupação quanto à entrega de dose da CDDP neste regime devido a sua elevada toxicidade. QRT com CDDP 40 mg/m2 semanal é amplamente utilizada como alternativa terapêutica apesar de a evidência para tal uso ser insuficiente. Este ensaio clínico, de fase II/III, foi desenhado com a hipótese de que a QRT com CDDP semanal é não-inferior à CDDP a cada 3 semanas.
Foram considerados fatores de alto risco margens positivas e/ou acometimento linfonodal com extensão extracapsular (EEC). Foi desenhado um ensaio clínico randomizado, aberto, multicêntrico, de não-inferioridade, fase II/III e conduzido em 28 instituições no Japão. O desfecho primário da fase III foi a sobrevida global (SG). E os desfechos secundários foram sobrevida livre de recorrência (SLR), SLR local, sobrevida livre de suporte nutricional, tempo de tratamento fora do hospital e eventos adversos. A não-inferioridade seria concluída se o limite superior do intervalo de confiança (IC) para SG não excedesse 1,32 (uma diferença de até 10% de SG em 5 anos), com p = 0,0043.
Foram incluídos 261 pacientes com ambos os grupos bem balanceados predominando doença N2 em 81% e com EEC em 85%. Destaca-se que a dose cumulativa de CDDP foi de 239 mg/m2 no regime semanal versus 280 mg/m2 no a cada 3 semanas sendo que 75% dos pacientes do braço semanal receberam dose cumulativa de CDDP acima de 200 mg/m2. Com tempo mediano de seguimento de 2,2 anos, o grupo semanal foi não-inferior ao a cada 3 semanas, com um HR = 0,69 (IC 99,1%, 0,37 – 1,27; p = 0,0027). A SG em 2 e 3 anos foi respectivamente 77 e 72% para o semanal e 74 e 59% para a cada 3 semanas. A análise pré-planejada de subgrupos demonstrou a mesma tendência. Houve menos recorrências, principalmente à distância, no grupo semanal com HR = 0,71 (IC 95%, 0,48 – 1,06). O HR para SLR local = 0,73 (IC 95%, 0,47 – 1,13). Ocorreram 2 mortes no grupo de tratamento semanal, mas o número total e de mortes câncer específica foi menor para este braço.
Do ponto de vista da segurança, o ensaio seguiu para fase III após ter preenchido os critérios estatísticos conforme avaliado por comitê independente. A entrega e conclusão dos tratamentos foi suficiente e de acordo com o planejado em ambos os braços. Os eventos adversos (EA) maior ou igual a grau 3 ocorreram em 80 v 81% e grau 4 em 19 v 8% (p= 0,02) nos grupos a cada 3 semanas e semanal, respectivamente. De interesse, os seguintes EA foram mais frequentes no braço a cada 3 semanas comparado ao semanal: infecções (40 v 30%); injúria renal (17 v 7%); perda auditiva (17 v 7%); tinnitus (25 v 5%). Neutropenia maior ou igual a grau 3 foi também mais frequente no braço a cada 3 semanas v semanal (49 v 35%). Já a trombocitopenia de qualquer grau ocorreu menos comumente no grupo a cada 3 semanas v semanal (66 v 84%).
Por fim, este estudo prospectivo e multicêntrico, de fase II/III, demonstrou que a QRT com CDDP 40 mg/m2 semanal foi não-inferior a CDDP 100 mg/m2 a cada 3 semanas, com um perfil de toxicidade favorável, no tratamento pós-operatório do CEC CP LA de alto risco.
Kiyota N, Tahara M, Mizusawa J, et al. Weekly cisplatin plus radiation for postoperative head and neck cancer (JCOG 1008): a multicenter, noninferiority, phase II/III randomized controlled trial. J Clin Oncol. Published online March 1, 2022. https://doi.org/10.1200/JCO.21.01293.
Cisplatina semanal com radioterapia pós-operatória para câncer de cabeça e pescoço (JCOG 1008): um ensaio clínico multicêntrico, de não-inferioridade, randomizado de fase II/III.
Comentário do avaliador científico:
É importante destacar que este é o primeiro ensaio clínico randomizado e multicêntrico de fase II/III a demonstrar que a QRT adjuvante com CDDP 40 mg/m2 semanal é não-inferior à CDDP 100 mg/m2 a cada 3 semanas para CEC CP LA ressecado, de alto risco.
Baseado em dois ensaios randomizados pivotais, o tratamento pós-operatório padrão é a QRT com CDDP 100 mg/m2 a cada 3 semanas. Estima-se que o seu benefício absoluto sobre a radioterapia isolada em termos de SG seja de 10% absoluto. Entretanto, apenas 60% dos pacientes o completam devido à elevada toxicidade. Por outro lado, a QRT com CDDP semanal tem sido amplamente utilizada em CEC CP LA e estudos indicaram sua equivalência a CDDP a cada 3 semanas em relação aos desfechos oncológicos e maior segurança sem, no entanto, haver uma comparação direta prospectiva.
O melhor desfecho da CDDP semanal pode ser explicado pela maior dose intensidade comparado a cada 3 semanas (40 mg/m2/semana v 33 mg/m2/semana). Em termos de segurança, é importante ressaltar que o regime de CDDP semanal apresentou menor toxicidade grau 4 e, no geral, menos EAs. Entretanto, um cuidado necessário é com a toxicidade hematológica.
Como um todo, propõe-se que o perfil mais seguro da QRT com CDDP semanal pode suplantar a possivelmente adversa margem de não-inferioridade. Em conclusão, a QRT adjuvante com CDDP 40mg/m2 semanal é eficaz e segura no tratamento de pacientes com CEC CP LA, de alto risco.
Avaliador científico:
Dr. Rodrigo Saddi
Residência Médica em Oncologia Clínica pelo AC Camargo Cancer Center
Oncologista clínico do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo