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SBOC REVIEW

Combinação de quimioterapia com imunoterapia no tratamento de carcinoma urotelial irressecável ou metastático

Resumo do artigo: 

A quimioterapia à base de cisplatina tornou-se o tratamento padrão de primeira linha para o carcinoma urotelial metastático na década de 1980, com uma taxa de remissão a longo prazo possível apenas em cerca de 10% dos pacientes, com uma média de cerca de 15 meses, e permanecia, até hoje, como a terapêutica de escolha. Embora a tolerabilidade tenha melhorado, não foram relatadas melhorias substanciais na eficácia, que gira em torno de 40%. Além disso, cerca de 50% dos pacientes com carcinoma urotelial metastático são inelegíveis para o tratamento com cisplatina devido ao mau desempenho funcional, comorbidades ou insuficiência renal. Esses pacientes geralmente recebem regimes inferiores à base de carboplatina.

Os agentes anti-PD-(L)1 são as primeiras novas terapias sistêmicas para carcinoma urotelial metastático, tanto para tratamento de primeira linha de pacientes inelegíveis para cisplatina quanto para pacientes com progressão da doença apesar da quimioterapia baseada em platina.

Regimes que combinam quimioterapia à base de platina e inibidores de PD-L1 e PD-1 são atraentes por vários motivos. A quimioterapia à base de platina pode induzir efeitos imunomoduladores, aumentando assim o bloqueio concomitante de PD-L1 e PD-1. Esta combinação também pode ser benéfica devido à ausência de resistência cruzada clínica entre estas classes terapêuticas, porque uma minoria de pacientes recebe tratamento além da primeira linha de terapia. O anticorpo anti-PD1 nivolumabe já está aprovado em 2ª linha para carcinoma urotelial metastático e no cenário adjuvante quando há doença residual após neoadjuvância.

Até a publicação do estudo CheckMate 901, nenhuma droga nova acrescentada ao doublet de platina tinha aumentado a sobrevida dos pacientes com carcinoma urotelial irressecável ou metastático além da quimioterapia a base de platina no cenário de 1ª linha. Portanto, este é o primeiro estudo positivo para combinação de quimioterapia com imunoterapia em 1ª linha.

Os resultados gerais amplamente negativos do KEYNOTE-361 (combinação com pembrolizumabe) e IMvigor130 (combinação com atezolizumabe) contrastam fortemente com os resultados do JAVELIN Bladder 100 (avelumabe de manutenção).

Neste cenário, insere-se o CheckMate 901 na tentativa de elucidar qual a melhor estratégia: imunoterapia concomitante à quimioterapia ou sequencial?

Trata-se de um estudo de fase 3, aberto, randomizado, internacional (30 países) e multicêntrico (135), apresentado na ESMO/2023 e publicado simultaneamente no NEJM, que comparou quimioterapia (gemcitabina 1000 mg/m² D1 e D8 + cisplatina 70 mg/m² no D2 a cada 3 semanas) associada à imunoterapia (nivolumabe 360 mg a cada 3 semanas), por até 6 ciclos, seguido, no braço da imunoterapia, de nivolumabe 480 mg a cada 4 semanas por até 2 anos ou progressão de doença ou toxicidade limitante ou retirada do consentimento, em pacientes com carcinoma urotelial irressecável ou metastático (aproximadamente 80% dos pacientes) não tratado.

Os objetivos primários do estudo eram a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão.

Entre 30 de Janeiro de 2018 e 28 de setembro de 2022, o estudo randomizou 608 pacientes no total, com 304 em cada braço. Para ser incluído no estudo, era necessário ser elegível a platina, ter mais de 18 anos e boa performance (ECOG ≤1).

Na primeira parte do estudo (que comparou QT/IO x QT), alguns tratamentos prévios eram permitidos, entre eles: quimioterapia intravesical há mais de 4 semanas, radioterapia, quimioterapia adjuvante ou neoadjuvante há mais de 12 meses. Os dois braços do estudo eram bem balanceados quanto as características demográficas e clínicas. A mediana de idade dos participantes foi de 65 anos e a maioria era do sexo masculino, branco e europeu. O sítio primário mais comum era bexiga, compatível com as estatísticas existentes, além da histologia predominante ser carcinoma urotelial de células transicionais. Cerca de 60% dos pacientes tinham o PD-L1 < 1% e cerca de 78% não tinham metástases hepáticas.

No braço da combinação de quimioterapia com imunoterapia, 74% dos pacientes conseguiram concluir o tratamento inicial de 6 ciclos. Já no braço da quimioterapia isolada, apenas 54,5% conseguiram finalizar.

Houve necessidade de substituição da cisplatina por carboplatina em pelo menos uma dose em 16,1% (49 de 304) dos pacientes no grupo da combinação. E no grupo da quimioterapia, aconteceu a substituição em 14,9% dos pacientes (43 dos 288 tratados). A progressão de doença foi a causa mais comum de descontinuação do tratamento em ambos os grupos (6,6% x 17,4%).

A duração mediana de seguimento dos pacientes foi de 33,6 meses. A sobrevida global foi maior no braço da combinação de quimioterapia com imunoterapia (HR de 0,78, IC 95% – 0,63 a 0,96, p= 0,02). A sobrevida global mediana foi de 21,7 meses (IC 95% – 18,6 a 26,4) para o braço da combinação versus 18,9 meses com apenas quimioterapia (IC 95% – 14,7 a 22,4). Estratificando por ano, a sobrevida global em 12 meses foi de 70,2% x 62,7%; e, em 24 meses, foi de 46,9 x 40,7%, favorecendo o braço da combinação. A sobrevida livre de doença também foi maior no braço QT/IO, sendo o HR de 0,72 (IC de 95% – 0,59 a 0,88; p = 0,001). Estratificando por tempo, a sobrevida livre de progressão mediana aos 12 meses foi de 34,2% x 21,8%; e, aos 24 meses, foi de 23,5% x 9,6%. A taxa de resposta objetiva foi de 57,6% no braço da combinação QT/IO e de 43,1% com apenas quimioterapia. Houve resposta completa em 21,7% no braço com imunoterapia, enquanto no braço com quimioterapia isolada foi de 11,8%. A duração média da resposta completa foi de 37,1 meses x 13,2 meses. Os eventos adversos de qualquer causa ocorreram em proporção semelhante entre os dois grupos (99,7% x 98,6%). Já os eventos adversos de grau 3 foram de 76,6% x 67,7%.

Em suma, na população estudada com carcinoma urotelial irressecável ou metastático, os dois objetivos primários do estudo – sobrevida global e sobrevida livre de progressão – foram atingidos pelo grupo da combinação entre imunoterapia e quimioterapia, mesmo que a sobrevida global do grupo só com quimioterapia tenha sido maior que nos outros estudos de tratamento de carcinoma urotelial. O grupo da imunoterapia foi melhor nos desfechos primários, independente do status do PD-L1.

 

Comentário do avaliador científico:

Durante décadas, a quimioterapia à base de cisplatina foi o padrão de tratamento de primeira linha para pacientes elegíveis com câncer urotelial avançado. Nenhum novo agente melhorou a sobrevida global quando adicionado concomitantemente à quimioterapia. O avelumabe (anti-PDL1) foi aprovado num cenário de manutenção para esta população de pacientes.

Nivolumabe + gencitabina/cisplatina demonstrou melhorias estatística e clínica significativas na sobrevida global e livre de progressão versus gencitabina/cisplatina isoladamente como tratamento de 1ª linha para carcinoma urotelial irressecável ou metastático.

Em pacientes com carcinoma urotelial metastático, frequentemente observamos baixa durabilidade das respostas apenas com quimioterapia no tratamento de primeira linha. Este benefício de sobrevida observado com nivolumabe em combinação com quimioterapia à base de cisplatina representa uma conquista importante que pode fornecer esperança para pacientes com câncer urotelial como a primeira combinação de quimio-imunoterapia concomitante a demonstrar tal melhora em comparação com as combinações padrão de tratamento à base de cisplatina. As implicações destes dados têm o potencial de mudar a prática e transformar a forma como os pacientes elegíveis para cisplatina são tratados.

Uma análise que se faz necessária é sobre custo-efetividade destas combinações cada vez mais comuns na oncologia. Por não termos um biomarcador que determine o paciente que realmente vai se beneficiar desta combinação, fica a dúvida para quem devemos oferecer, visto que o valor a ser arcado é altíssimo, aumentando ainda mais o abismo entre a oncologia praticada no sistema privado e no sistema público.

 

Avaliador Científico:

Dra. Camila Miranda de Sousa

Oncologista clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)/HCFMUSP).

Oncologista assistente no Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo/SP.