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SBOC REVIEW

Descalonamento da quimiorradioterapia no carcinoma de nasofaringe: benefício semelhante com menor toxicidade?

Resumo do artigo:

Aproximadamente 70% dos casos de carcinoma de nasofaringe são diagnosticados em estádios avançados, sendo a quimioterapia de indução seguida de quimiorradioterapia concomitante (QI-QRTC) a abordagem mais recomendada nesse cenário.

Entretanto, essa estratégia eleva a ocorrência de eventos adversos agudos e reduz a tolerância à quimioterapia concomitante à radioterapia. Nos últimos anos, vários estudos indicaram que a quimioterapia de indução (QI) seguida radioterapia isolada (QI-RT) pode produzir alta eficácia e baixos efeitos tóxicos, utilizando diferentes regimes de QI e associada à radioterapia com intensidade modulada (IMRT), a qual vem se tornando mais amplamente acessível.

Esse estudo de fase 3, aberto e de não-inferioridade, incluiu participantes chineses com diagnóstico histopatológico de carcinoma de nasofaringe nos estádios III ao IVB (7ª edição AJCC) entre 2015 e 2018, sem tratamento prévio. Eles receberam quimioterapia de indução por 3 ciclos (docetaxel 60 mg/m2 D1, cisplatina 60 mg/m2 D1 e 5-fluoruracil 600 mg/m2 contínuo D1-5 a cada 21 dias), sendo submetidos, a seguir, à radioterapia isolada (IMRT por 6-7 semanas) ou à radioterapia combinada à quimioterapia (cisplatina 30 mg/m2/semana).

O objeto principal do estudo foi demonstrar a não-inferioridade do braço de quimioterapia de indução seguida de QI-RT em relação à QI-QRTC em termos de sobrevida livre de progressão em 3 anos (SLP3a), com uma margem de não-inferioridade estabelecida em 10%. Foram avaliados também desfechos secundários, como sobrevida global, sobrevida livre de falha locorregional, sobrevida livre de metástases à distância, taxa de resposta e perfil de toxicidade.

Incluíram no estudo um total de 383 pacientes, dos quais 193 receberam QI-RT (50,4%) e 190 (49,6%) foram submetidos à QI-QRTC, com duração mediana de seguimento de 76 meses. A SLP3a foi de 76,2% para QI-RT e 76,8% para QI-QRTC, com HR 0,92 (IC 95%, 0,65-1,32; p = 0,66) e diferença de 0,6% (IC 95%, -7,9%-9,1%; p 0,01). Na análise por protocolo a SLP3a foi de 76,6% para QI-RT e 75,7% para QI-QRTC, com HR 0,89 (IC 95%, 0,62-1,28; p = 0,52) e diferença de 0,9% (IC 95%, -9,6%-7,8%; p 0,01). Quanto aos desfechos secundários em 3 anos, não houve diferenças significativas entre os dois grupos, tanto na análise por intenção de tratar quanto por protocolo. A análise multivariada não identificou a quimioterapia concomitante como um fator prognóstico independente.

Eventos adversos grau 3 a 4 ocorreram em 54% do grupo QI-RT e em 73% do grupo QI-QRTC, sendo os mais comuns a neutropenia (38% em ambos braços), leucopenia (36% no QI-QRTC vs 21% no QI-RT) e vômitos (19% vs 11%, respectivamente). As taxas de toxicidades tardias foram semelhantes entre os braços. As taxas de adesão à quimioterapia de indução, de realização de todos os ciclos e de finalização da radioterapia foram semelhantes entre os grupos. Cerca de 85% do grupo QI-QRTC receberam, ao mínimo, 5 ciclos de quimioterapia concomitante.

Por fim, o descalonamento terapêutico com omissão da quimioterapia concomitante à radioterapia após a quimioterapia de indução demonstrou não-inferioridade em comparação ao tratamento padrão recomendado, com relativa menor incidência de eventos adversos agudos graus 3-4, tornando-se uma alternativa no carcinoma de nasofaringe locorregionalmente avançado.

 

Comentário do avaliador científico:

Recentemente, em comparação à quimiorradioterapia, a IMRT isolada mostrou-se segura e não-inferior quanto à sobrevida livre de falha, favorecendo a desintensificação terapêutica do carcinoma de nasofaringe de baixo risco e a investigação da omissão da quimioterapia concomitante na doença locorregionalmente avançada após a quimioterapia de indução.

Em termos de evidência, esquemas de indução doublet e baseados em gencitabina parecem equilibrar melhor eficácia e segurança, e a cisplatina semanal concomitante à radioterapia ainda carece de robustez para substituir o protocolo clássico de cisplatina a cada 3 semanas.

Na análise multivariada desse estudo, a resposta à quimioterapia de indução foi fator prognóstico independente, indicando a importância da seleção dos pacientes com maior potencial benefício na retirada da quimioterapia concomitante. Diversos estudos vêm investigando o papel prognóstico e de estratificação terapêutica do DNA plasmático do vírus Epstein-Barr (EBV) nesse cenário.

É relevante destacar que esse estudo foi conduzido em região endêmica para carcinoma de nasofaringe, com elevada associação com EBV, portanto, devendo haver cautela ao generalizar seus resultados para áreas não endêmicas.

 

Citação: Dai J, Zhang B, Su Y, et al. Induction Chemotherapy Followed by Radiotherapy vs Chemoradiotherapy in Nasopharyngeal Carcinoma: A Randomized Clinical Trial. JAMA Oncol. Published online February 8, 2024. doi: 10.1001/jamaoncol.2023.6552.

 

Avaliador científico:

Dr. Gustavo Trautman Stock

Oncologista Clínico pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)

Oncologista Clínico no Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC)

Pós-graduado em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP)