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SBOC REVIEW

Disparidade racial em estudos clínicos que levaram à aprovação de medicamentos oncológicos ente 2008 e 2018

Resumo do artigo:
É um estudo de base de dados que teve como objetivo avaliar a variável raça em estudos clínicos que embasaram as aprovações de medicamentos oncológicos pelo FDA entre julho de 2008 e junho de 2018. Para se obter a lista de tais drogas, os autores acessaram os arquivos da entidade reguladora americana, e então buscaram os estudos clínicos usando a ferramenta de pesquisa PubMed (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/) e o site americano de registro de protocolos de estudos clínicos ClinicalTrials.gov (https://clinicaltrials.gov/). Esse estudo teve dois objetivos principais: (1) Determinar qual foi a proporção de estudos clínicos que documentaram a variável raça. (2) Avaliar qual foi proporção de cada uma das raças nos respectivos estudos clínicos. Objetivos secundários incluíram a ocorrência de análises de subgrupo por raça e a documentação da representatividade de cada uma das raças nos estudos clínicos avaliados em relação à distribuição racial da população dos EUA. De forma apropriada, o presente estudo usou principalmente métodos de estatística descritiva, e, quando pertinente, teste do qui-quadrado e teste exato de Fischer.

No período avaliado no estudo, ocorreram 204 aprovações de uso de medicamentos oncológicos pelo FDA. As aprovações foram baseadas em 232 estudos clínicos, compreendendo 108 drogas (com uma ou mais indicações cada). Chama a atenção que, de acordo com o estudo atual, a maior parte das aprovações não foi baseada em estudos randomizados (72,1%). Dos 230 estudos clínicos (visto que 2 estudos foram excluídos da análise por não estarem disponíveis), 36,9% não mencionavam sequer uma raça, e apenas 7,8% dos estudos clínicos reportaram as 4 raças mais comumente descritas na análise (branca, asiática, negra e hispânica). A possibilidade de descrição também não foi uniforme: aquela presente mais frequentemente como opção em cada um dos estudos foi a branca (em 62,6% dos 230 estudos), e a que apareceu menos frequentemente foi a hispânica (em apenas 10,0% dos estudos).

Considerando-se apenas os 145 estudos que reportaram pelo menos uma das raças, negros e hispânicos tiveram representatividade abaixo do esperado em relação à distribuição dessas raças na população norte-americana (negros: 22% do esperado; hispânicos: 44% do esperado). Os asiáticos tiveram uma participação bem acima do esperado (438%), enquanto a raça branca teve representação coerente com a ocorrência na população dos EUA (98% do esperado). No estudo atual ainda é ressaltado que essas distorções ocorreram a despeito da existência de recomendações do FDA quanto à adequada coleta e descrição de raça e etnia, e apesar das orientações de outra entidade norte-americana, o NIH, que determina representação racial proporcional.

Em relação ao outro objetivo secundário, também foi constatado que a análise de subgrupo por raça foi pouco frequente.

 

Disparity of Race Reporting and Representation in Clinical Trials Leading to Cancer Drugs Approvals from 2008 to 2018. Loree JM, Anand S, Dasari A, et al. JAMA Oncol; :e191870. doi: 10.1001/jamaoncol.2019.1870)  
Disparidade racial em estudos clínicos que levaram à aprovação de medicamentos oncológicos ente 2008 e 2018.

Comentários do editor:
Uma das críticas pertinentes à metodologia desta pesquisa, que inclusive é ressaltada pelos próprios autores, é que a maioria dos estudos avaliados foi feito com populações de diversos países, sendo que foram utilizados dados populacionais americanos para se fazer correlações. Entretanto, esses mesmos estudos foram utilizados para aprovações de indicações de tratamentos oncológicos nos EUA.

Em relação ao Brasil, a categorização dos sujeitos de pesquisa por etnias ou raças pode representar um desafio ainda maior devido à miscigenação do nosso povo. Nesse cenário, alguns poderiam levantar a questão: Por que reportar raça?

A população de um estudo clínico se propõe a representar o conjunto da população alvo, visto que, em última análise, o objetivo principal é predizer o que ocorreria se a intervenção fosse administrada em toda a população alvo. Num cenário ideal, todas as características da população deveriam estar proporcionalmente representadas. Resultados diferentes podem ocorrer com a variação de características que já têm conhecida influência sobre o desfecho. Por exemplo, a prevalência de mutações ativadoras do EGFR em casos de câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) nos estudos de inibidores de tirosino-quinases (iTK) dessa via de ativação tumoral. Entretanto, desfechos diferentes também podem ocorrer devido à influência de fatores de relevância previamente desconhecida (como, no passado, já foi desconhecida a variação da prevalência de mutações ativadoras do EGFR conforme a raça). Se a categorização meramente por raça não é unicamente determinante de um desfecho, visto que muitas vezes ela vai refletir outros fatores (biológicos e sociais), a mesma pode servir para gerar hipóteses e guiar a prática clínica, conforme exemplificado no caso dos iTK anti-EGFR em pessoas com CPNPC.


Editor:
Dr. João Paulo V. Medrado Santos

Membro da SBOC; Médico Oncologista – Liga Bahiana Contra o Câncer, Hospital Aristides Maltez, Salvador – BA; professor do Internato de Medicina (Oncologia Clínica) da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), Salvador – BA; Senior Teaching Assistant do curso de pesquisa clínica Principles and Practice of Clinical Research (PPCR), da Harvard School of Public Health, Harvard University, EUA.


Revisora:
Dra. Adriana Hepner
Membro da SBOC; Oncologista Clínica pelo Hospital Sírio Libanês; Médica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Atualmente, participa como fellow clínica do Programa de Oncologia Cutânea do Melanoma Institute Australia, em Sydney.