SBOC REVIEW
Durvalumabe perioperatório com quimioterapia neoadjuvante em câncer de bexiga operável [▶ Comentário em vídeo]
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Resumo do artigo:
O câncer urotelial músculo-invasivo (MIBC) é uma doença com altas taxas de recorrência após o tratamento padrão, quimioterapia (QT) neoadjuvante à base de cisplatina, seguido de cistectomia radical. Durvalumabe, um inibidor do checkpoint imune (ICI) PD-L1, já havia melhorado desfechos em outros cenários do câncer urotelial e demonstrado eficácia e segurança no contexto perioperatório de MIBC associado à quimioterapia neoadjuvante em estudo de fase II.
Nesse contexto, foi realizado um ensaio clínico multicêntrico, aberto, randomizado, de fase III para testar o emprego perioperatório de durvalumabe combinado a quimioterapia neoadjuvante à base de cisplatina em pacientes com MIBC em proposta cirúrgica curativa. Pacientes com estadio cT2-T4aN0-1M0 elegíveis à cisplatina foram randomizados na proporção de 1:1 para receber no D1 durvalumabe 1500 mg associado a gencitabina 1000 mg/m² e cisplatina 70 mg/m² e no D8 gencitabina 1000 mg/m², a cada 3 semanas por 4 ciclos, seguido de cistectomia radical e durvalumabe adjuvante na dose de 1500 mg a cada 4 semanas por 8 ciclos. O grupo controle recebia apenas gencitabina e cisplatina nas mesmas doses previamente à cistectomia radical. Pacientes com clearance de creatinina entre 40 e 60 mL/min/1,73 m² recebiam a cisplatina em split dose, 35 mg/m² no D1 e D8 a cada 3 semanas.
Os desfechos coprimários eram resposta patológica completa (pCR) e sobrevida livre de eventos (SLE), de acordo com um comitê de revisão independente ou por comitê de patologia cego. Eventos que impactavam na SLE foram definidos por progressão que impossibilitava a cistectomia radical, recorrência de doença após a cirurgia, morte por qualquer causa ou tempo até a data programada para cistectomia naqueles pacientes que ainda não haviam sido operados no momento da análise. Desfechos secundários incluíam sobrevida global (SG) e segurança.
Foram incluídos ao todo 1.063 pacientes, distribuídos de forma balanceada entre os dois grupos. 60% deles tinham tumor > T2N0, 5% N1, 25% não tinham histórico de tabagismo e 15% tinham carcinoma urotelial com alguma diferenciação histológica. No grupo experimental, 78,7% conseguiram concluir todo o tratamento neoadjuvante e 88,0% foram submetidos a cistectomia radical, contra 74,0% e 83,2% respectivamente no grupo controle.
Após a primeira análise pré-planejada não mostrar diferença com significância estatística em pCR, reanálise com inclusão de mais amostras demonstrou um benefício absoluto de aproximadamente 10% neste desfecho primário para o grupo que recebeu durvalumabe, desta vez com significância estatística: pCR 37,3% vs 27,5% (RR 1,34; IC 95%, 1,13-1,60). A análise de SLE demonstrou uma mediana não atingida no braço experimental contra 46,1 meses no braço controle (HR 0,68; IC 95%, 0,56-0,82; P<0,0001). O estudo também foi positivo para seu principal desfecho secundário, SG de 82,2% no grupo durvalumabe contra 75,2% no grupo comparação (HR 0,75; IC 95%, 0,59-0,93; P=0,0106). Os benefícios foram consistentes em todos os subgrupos e independentes da expressão de PD-L1. Sobre a segurança, a incorporação de durvalumabe demonstrou perfil de toxicidade aceitável e bem manejável, resultando em valores similares em eventos adversos (EA) G3 e G4 entre os seus braços, 40,6% no grupo durvalumabe e 40,9% no grupo controle. De forma semelhante, EA relacionados ao tratamento que levaram ao óbito ocorreram em 0,6% dos pacientes em ambos os grupos.
Comentário do avaliador científico:
O papel dos ICI está bem estabelecido no cenário de primeira linha em carcinoma urotelial, com avelumabe após QT, nivolumabe associado a QT e pembrolizumabe com enfortumabe vedotina. Temos acompanhado agora sua incorporação no cenário curativo de MIBC através de estudos de fase III, como o que testou nivolumabe adjuvante em pacientes de alto risco.
Uma meta-análise de estudos iniciais havia demonstrado que ICI isolado neoadjuvante levava a taxas de pCR de 24,0% em monoterapia e 32,1% com dupla inibição de checkpoints. Quando ICI era combinado à QT neoadjuvante as taxas de pCR chegavam a 42,6%, sugerindo ser a melhor abordagem para alcançar ausência de doença residual, comumente relacionada a melhores desfechos clínicos.
O estudo NIAGARA mostrou que durvalumabe perioperatório associado à terapia padrão com QT neoadjuvante aumentou não somente as taxas de pCR como melhorou com significância estatística a SLE e a SG em comparação à QT neoadjuvante isolada. Esses achados potencialmente já mudam a prática clínica a partir da sua aprovação pelas entidades regulatórias.
Entretanto, ainda não sabemos o benefício de manter durvalumabe nos pacientes que atingem pCR ou o valor dessa estratégia frente àquela de usar nivolumabe adjuvante.
Citação:
Rubin EJ, Yeku OO, Morrissey S. NEJM at ESMO – Perioperative Durvalumab with Neoadjuvant Chemotherapy in Operable Bladder Cancer. N Engl J Med. Published online September 15, 2024. doi:10.1056/NEJMe2411490.
Avaliador científico:
Dr. Renan Fontes de Carvalho
Oncologista Clínico na San Giovanni Oncologia – Aracajú/SE
Residência em Oncologia Clínica pelo ICESP – São Paulo/SP
Título de Especialista em Oncologia Clínica pela SBOC/AMB
Instagram: renancarvalho.onco
Cidade de atuação: Aracaju/SE
Análise realizada em colaboração com o oncologista sênior Dr. David Queiroz Borges Muniz.