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SBOC REVIEW

É seguro omitir a radioterapia em pacientes idosas com câncer de mama inicial?

Resumo do artigo:

A incidência de câncer de mama em pacientes idosas segue em ascensão, sendo que 26% dos diagnósticos de neoplasia de mama nos EUA são em mulheres de 65 a 74 anos. A sub-representação de pacientes idosas nos estudos clínicos leva à extrapolação de resultados, desfavorecendo a individualização do tratamento.

Pacientes com doença de baixo risco são aquelas que derivam menor benefício da radioterapia (RT) adjuvante. Questiona-se se esse benefício é importante o suficiente para submeter esse grupo de pacientes a potenciais complicações relacionadas à RT. O estudo PRIME II, publicado inicialmente em 2015, tenta elucidar essa questão.

É um estudo de fase 3, randomizado, realizado entre 2003-2009, que recrutou 1.326 mulheres para receber ou não RT adjuvante sobre a mama. Foram incluídas pacientes ≥ 65 anos, submetidas à cirurgia conservadora de mama e estadiamento patológico da axila (desde biópsia de linfonodo sentinela a esvaziamento axilar). Os tumores eram T1-T2 de até 3 cm, N0, M0, RH+, margens livres (≥1 mm) e o tratamento envolveu hormonioterapia (HT) adjuvante, sendo permitido o uso de HT neoadjuvante.

É interessante pontuar que nesse estudo a expressão do receptor de estrogênio (RE) foi estratificada entre alta ou baixa, sendo alta expressão definida como ≥ 50%, +++, fortemente positivo, classificação de Allred 7 – 8 ou ≥ 20 fmol/mg de proteína. Apenas 10% das pacientes apresentavam baixa expressão de RE.

No grupo da RT, as pacientes foram submetidas a 40-50 Gy ao longo de 3-5 semanas, sendo permitida dose de reforço de 10-15 Gy. Pelo protocolo do estudo, o tamoxifeno foi a HT de escolha.

O desfecho primário foi recidiva local do câncer de mama. Os desfechos secundários incluíam recidiva regional (axila ou linfonodos supraclaviculares ipsilaterais), neoplasia invasiva em mama contralateral, metástase à distância, sobrevida livre de doença e sobrevida global. Quanto à metodologia, como inicialmente não foi definido o erro tipo α para os desfechos secundários, não foi possível relatar a significância estatística desses resultados.

Publicado no NEJM em fevereiro de 2023, a atualização após 10 anos de acompanhamento demonstra aumento na incidência de recidiva local no grupo não exposto à RT, de 9,5% (IC 95% 6,8 – 12,3), comparado a 0,9% (IC 95% 0,1 – 1,7) no grupo submetido à RT, com hazard ratio de 10,4 (IC 95%, 4,1 – 26,1; p<0.001). Não houve diferença significativa quanto à recidiva regional ou câncer de mama contralateral. A sobrevida global foi de 80,8% (IC 95% 77,2 – 84,3) e 80,7% (IC 95% 76,9 – 84,3) nos grupos sem e com RT, respectivamente, porém sem cálculo de significância estatística para esse desfecho.

Quanto à análise de subgrupos, a incidência de recorrência local, estratificada pelo status de RE, foi menor naquelas pacientes com alta expressão do RE comparada à população geral do estudo. 60-70% das pacientes completaram 5 anos de uso da HT, porém não foram coletados dados relacionados à adesão ao longo desse período.

Por fim, após 10 anos de acompanhamento do estudo PRIME II, a conclusão do autor sugere segurança para se omitir a RT adjuvante nas pacientes ≥ 65 anos com neoplasia de mama de até 3 cm, grau histológico 1 ou 2, com alta expressão do RE, tratadas com cirurgia conservadora de mama e avaliação patológica da axila e que serão submetidas a 5 anos de HT adjuvante. O autor traz, ainda, outros estudos com resultados semelhantes, como o CALGB 9343, e segue em conformidade com as diretrizes da Sociedade Europeia de Mastologia (EUSOMA).

Comentário do avaliador científico:

São bem-vindos estudos que versam sobre pacientes idosos, uma vez que costumam ter menor representação na pesquisa clínica. Porém, alguns cuidados devem ser tomados na interpretação desse estudo.

As características das pacientes selecionadas eram semelhantes entre os grupos. No entanto, houve subrepresentação de pacientes com tumor T2 < 3 cm (apenas 12%) ou presença de invasão linfovascular, inclusive com resultados não significativos no follow-up de 5 anos.

Dada a época em que foi realizado o estudo, não houve avaliação do HER2, sendo possível que tivessem sido incluídas pacientes HER2+, ou seja, pacientes de mais alto risco.

Importante notar que a HT de escolha foi tamoxifeno, apesar de serem mulheres na pós-menopausa, e não foram coletadas informações quanto à adesão à HT adjuvante, tópicos esses que poderiam ter impacto nos desfechos.

Apesar do aumento da recidiva local no grupo sem RT, a conclusão final do estudo é dita como positivacom base nos desfechos secundários. Metodologicamente não foi possível determinar a significânciaestatística dos resultados encontrados nos desfechos secundários. Portanto, a rigor esse é um estudonegativo, possuindo baixo impacto para a mudança da prática clínica nesse cenário.

Citação: Kunkler IH, Williams LJ, Jack WJL, Cameron DA, Dixon JM. Breast-Conserving Surgery with or without Irradiation in Early Breast Cancer. N Engl J Med. 2023 Feb 16;388(7):585–94.

 

Avaliador científico:

Dra. Giselle de Souza Carvalho

Oncologista clínica pelo Instituto Nacional de Câncer – INCA

Atual Fellow em Pesquisa Clínica e Mestranda em Oncologia pelo INCA

Oncologista clínica do Américas Oncologia RJ dedicada a tumores de mama, ginecológicos e de pele