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SBOC REVIEW

Efeito da infiltração peritumoral de anestésico local antes da cirurgia na sobrevida no câncer de mama inicial

Citação: Badwe RA, Parmar V, Nair N, Joshi S, Hawaldar R, Pawar S, Kadayaprath G, Borthakur BB, Rao Thammineedi S, Pandya S, Balasubramanian S, Chitale PV, Neve R, Harris C, Srivastava A, Siddique S, Vanmali VJ, Dewade A, Gaikwad V, Gupta S. Effect of Peritumoral Infiltration of Local Anesthetic Before Surgery on Survival in Early Breast Cancer. J Clin Oncol. 2023 Apr 6:JCO2201966. doi: 10.1200/JCO.22.01966.

Resumo do artigo:
Estudos pré-clínicos e clínicos apontam para o fato de que a manipulação cirúrgica dos tumores de mama pode criar um microambiente propício para disseminação de células tumorais e formação de metástases. A hipóxia causada pelo procedimento cirúrgico leva a abertura dos canais de sódio voltagem dependente, favorecendo a disseminação tumoral. Apesar do racional biológico presente nesse cenário, ainda faltam evidências prospectivas que endossem a hipótese.

A lidocaína é um anestésico local que tem como mecanismo base de ação o bloqueio do impulso nervoso por se ligar aos canais de sódio voltagem dependente, fechando-os e assim impedindo o influxo de sódio na célula.
O presente estudo visa responder a questão em aberto de modo prospectivo. Trata-se de um estudo multicêntrico indiano (11 centros), aberto, que randomizou mulheres com tumores de mama operáveis para testar o impacto da infiltração peritumoral pré-cirúrgica de lidocaína na sobrevida.

O desfecho primário do estudo era a sobrevida livre de doença (SLD), enquanto o desfecho secundário foi a sobrevida global (SG).

As mulheres com câncer de mama inicial, que tinham planejamento de tratamento cirúrgico upfront (sem neoadjuvância) foram randomizadas para receber injeção peritumoral de lidocaína a 0,5%, 7 a 10 minutos antes da cirurgia (braço intervenção) ou cirurgia sem lidocaína (braço controle). As pacientes foram estratificadas quanto ao status menopausal, tamanho do tumor e centro de randomização. As participantes receberam tratamento adjuvante pós-operatório padrão.

1.583 mulheres foram randomizadas, 796 para receberem injeção peritumoral de lidocaína (braço intervenção) e 804 para não receberem (braço controle). As características foram equilibradas entre os dois grupos, com idade mediana de 51 anos, maioria dos tumores com tamanho de 2-5 cm e 45% de acometimento linfonodal, em ambos os grupos. O tratamento adjuvante padrão foi inferior ao oferecido como padrão mundial (somente 35% das pacientes HER2 positivo receberam terapia anti-HER, por exemplo), porém essa discrepância foi equilibrada entre os dois grupos.

Em um follow up médio de 68 meses, 255 eventos SLD (109 no braço intervenção e 146 no braço controle) e 189 mortes (79 no braço intervenção e 110 no braço controle). As taxas de SLD em 5 anos foram de 86,6% e 82,6% (HR 0,74; IC de 95%, 0,58 a 0,95; P = 0,017) e as taxas de OS de 5 anos foram de 90,1% e 86,4% (HR 0,71; IC 95%, 0,53 a 0,94; P = 0,019), respectivamente no braço intervenção e no braço controle.

A analise de subgrupos demonstrou benefício consistente para a infiltração peritumoral pré-cirúrgica de lidocaína, mantendo-se independentemente do status da menopausa, tamanho do tumor, acometimento linfonodal, positividade para receptor de hormônio e HER2.

A incidência cumulativa de 5 anos de recorrência locorregional foi de 3,4% e 4,5% (HR 0,68; IC de 95%, 0,41 a 1,11), e as taxas de recorrência à distância foram de 8,5% e 11,6% (HR 0,73; IC 95%, 0,53 a 0,99), respectivamente no braço intervenção e no braço controle. Não foram reportados eventos adversos ocasionados pela injeção de lidocaína peritumoral.

O estudo conclui que a injeção peritumoral de lidocaína antes da cirurgia de câncer de mama aumenta significativamente a SLD e a SG, postulando que a intervenção modifica o microambiente e favorece a prevenção de metástases no câncer de mama inicial.

Comentário do avaliador científico:
O câncer de mama é uma doença muito frequente mundialmente, com estimativas de mais de 2,3 milhões de novos casos por ano em todo mundo.

Existe racional biológico e evidência pré-clínica/retrospectiva de que a hipóxia aguda induzida pelo procedimento cirúrgico pode criar um microambiente tumoral propício a formação de metástases, em especial por ativação dos canais de sódio voltagem dependentes, que podem ser bloqueados com o uso de anestésicos locais, como a lidocaína. O presente estudo gera a primeira evidência prospectiva randomizada de benefício em sobrevida livre de doença e sobrevida global para a injeção peritumoral de lidocaína pré-cirurgia no câncer de mama inicial.

O estudo tem como forças contar com um grande número de pacientes incluídas, ter desenho multicêntrico e benefício consistente entre os subgrupos. Um outro ponto que devemos destacar é a facilidade e o baixo custo de implementação da intervenção, além de não terem sido reportados eventos adversos relacionados ao tratamento.

Apesar de ser um estudo de um único país, englobando diferentes cenários em câncer de mama (luminal, HER2, triplo negativo) em um mesmo estudo e tratamento padrão algo diferente do padrão mundial, os dados de ganho de SLD e SG, somados a facilidade de implementação e baixo custo, favorecem a adoção da estratégia. Estudos multinacionais, com pacientes mais selecionadas podem trazer maiores informações sobre subgrupos com maior benefício da estratégia.

Avaliador científico:
Dr. Abraão Ferreira Lopes Dornellas
Residência Médica em Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)
Oncologista Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein – SP