SBOC REVIEW
Efeito das estratégias de redução de contato social nos desfechos da epidemia de COVID-19 em Wuhan, China. Um estudo de modelo matemático
Resumo do artigo:
A COVID-19 emergiu na cidade de Wuhan no início de dezembro de 2019. Desde então, governos têm tomado medidas sem precedentes para o combate da doença. A triagem de passageiros foi rapidamente substituída pela restrição de voos da cidade em 2 de janeiro de 2020. As medidas de distanciamento social tiveram início também em Wuhan e envolveram o fechamento de escolas, postos de trabalho e diversas orientações para se evitar aglomerações. Para avaliar o papel dessas medidas no controle da epidemia, esse estudo fez uma série de análises de modelos matemáticos.
Foram considerados três cenários:
1) Nenhuma intervenção, ausência de férias escolares e ausência de feriado do Ano Novo Lunar.
2) Nenhuma intervenção, férias escolares de inverno (de 15/01 a 10/02) e feriado do Ano Novo Lunar (de 25/01 a 10/02).
3) Medidas de isolamento social intensa com fechamento de escolas e apenas 10% da força de trabalho (trabalhadores da área da saúde, policiais e órgãos governamentais essenciais). Nesse último cenário, as medidas se encerrariam no começo de março ou abril e seriam escalonadas. As escolas permaneceriam fechadas enquanto que 25% da força de trabalho retornaria nas primeiras duas semanas, 50% nas semanas três e quatro e 100% após as quatros primeiras semanas com a concomitante abertura das escolas.
O estudo mostra que as medidas de isolamento sociais são capazes de reduzir o pico da incidência e também atrasar o pico da incidência em relação a não adoção de nenhuma medida de isolamento social. O impacto varia com a faixa etária, sendo maior nas crianças e idosos e menor nos adultos. No cenário 1, em que nenhuma intervenção é adotada, o pico de casos novos ocorre em março de 2020. No cenário 2, em que nenhuma intervenção é adotada, mas se considera o período de férias escolares e o feriado do Ano Novo Lunar, o pico de incidência é um pouco menor e ocorre entre abril e maio de 2020. Já no cenário 3, em que são colocadas em prática as medidas de isolamento social, o pico de casos novos é consideravelmente menor e ocorre sensivelmente mais tarde, entre agosto e outubro de 2020. O momento em que o pico ocorre também depende do momento em que as medidas de isolamento são interrompidas e as atividades normais retomadas. O cenário mais efetivo em atrasar o pico de incidência de casos novos foi a adoção de medidas de isolamento com encerramento em abril de 2020. Nesse cenário, o pico da doença ocorreria entre outubro e novembro de 2020. A medida de isolamento social com retorno programado para abril de 2020 foi capaz de reduzir o número médio de infecções em 92% em meados de 2020 e 24% no final de 2020.
The effect of control strategies to reduce social mixing on outcomes of the COVID-19 epidemic in Wuhan, China: a modelling study. Prem et al. Lancet Public Health 2020; published online March 25. https://doi.org/10.1016/ S2468-2667(20)30073-6.
Efeito das estratégias de redução de contato social nos desfechos da epidemia de COVID-19 em Wuhan, China. Um estudo de modelo matemático.
Comentário do avaliador científico:
- Estudo bastante interessante mostrando o impacto de medidas de isolamento social no controle da infecção. Uma das grandes preocupações da COVID-19 é sua capacidade de sobrecarregar os sistemas de saúde com uma incidência rápida de pacientes necessitando internações hospitalares, internações em leitos de UTI e uso de ventilação mecânica. Tal sobrecarga pode levar a um colapso do sistema de saúde com impactos não só na capacidade de tratar os pacientes infectados como também na sua capacidade de tratar doentes acometidos por outras doenças, como as cardiovasculares, pulmonares, oncológicas, etc.
- O modelo é capaz de mostrar que as medidas de restrição social que se iniciaram no final de janeiro foram capazes de reduzir o pico de incidência e também atrasar o pico. Quando as medidas são relaxadas em março, o pico surge em agosto de 2020; e quando as medidas são relaxadas em abril, esse pico ocorre em outubro. Se nenhuma medida de restrição social é tomada, o pico de incidência é maior e ocorre em março de 2020. Esse ganho de tempo pode ser muito útil para o sistema de saúde expandir sua capacidade de reação e aumentar seus recursos escassos, evitando o colapso.
Avaliador científico e editor:
Dr. Daniel da Motta Girardi
Filiações: Oncologista clínico do Hospital Sírio-Libanês Brasília e do Hospital de Base do Distrito Federal. Advanced fellow no programa de tumores geniturinários do National Cancer Institute, Bethesda, Estados Unidos da América.
