SBOC REVIEW
ENGOT-en11/GOG-3053/KEYNOTE-B21: um estudo randomizado, duplo-cego, de fase III de pembrolizumabe ou placebo mais quimioterapia adjuvante com ou sem radioterapia em pacientes com câncer endometrial de alto risco recém-diagnosticado
Resumo:
O câncer de endométrio vem ganhando destaque nas últimas décadas por sua maior incidência e mortalidade. Para pacientes recém-diagnosticadas, a indicação cirúrgica inicial inclui histerectomia com salpingo-ooforectomia bilateral e avaliação dos linfonodos. A escolha da terapia adjuvante é indicada conforme a classificação de risco de recorrência da doença. Pacientes com doença em estágio I/II de histologia não endometrioide ou doença p53 aberrante, estágio III/IVA, independentemente do tipo histológico ou status p53 geralmente são tratadas com quimioterapia sistêmica, radioterapia com ou sem cisplatina e braquiterapia. Apesar da adjuvância instituída, a estimativa de sobrevida livre de recorrência em 5 anos em pacientes de alto risco encontra-se entre 59% e 65%.
A eficácia e segurança do uso de pembrolizumabe associado à quimioterapia no câncer de endométrio avançado ou recidivado já foi comprovada no estudo fase III NRG-018, apresentando benefício tanto na coorte pMMR quanto na dMMR, sendo essa última coorte ainda mais favorecida com o tratamento.
O estudo de fase III ENGOT-en11/GOG-3053/KEYNOTE-B21 avaliou adjuvância com uso de pembrolizumabe versus placebo associado a quimioterapia baseada em carboplatina e paclitaxel em pacientes com câncer de endométrio de alto risco, incluindo doença endometriose em estágio I/II, III A/B e IIIC1 submetidas a cirurgia com intenção curativa, sem doença residual grave, não submetidas a tratamento sistêmico.
Ao todo, 1.095 pacientes foram randomizadas para o grupo pembrolizumabe (n = 545); placebo (n = 550). 66% tinham doença em estágio III/IV, 54% tinham histologia endometrioide, 26% tinham dMMR. As pacientes foram alocadas para pembrolizumabe 200 mg ou placebo a cada 3 semanas por seis ciclos adicionados a carboplatina (AUC 5 ou 6m g/mL/min) + paclitaxel (175 mg/m2) seguido por pembrolizumabe 400 mg ou placebo a cada 6 semanas por seis ciclos. A radioterapia ficou a critério do investigador, cerca de 27% das pacientes não receberam radioterapia adjuvante.
Os desfechos primários foram sobrevida livre de doença (DFS) e sobrevida global (OS). A maioria das pacientes tinha doença em estágio III (74,7%), histologia endometrioide (75,4%), TMB elevada (87,9%) e PD-L1-positivo (91,5%). Duração mediana do acompanhamento foi de 24,6 meses.
Para o desfecho primário de DFS, eventos de recorrência local ou a distância, ou morte, ocorreram em 22% pacientes no grupo pembrolizumabe e 22% pacientes no grupo placebo. Sendo a mediana não alcançada em nenhum dos grupos de tratamento: HR 1,02 (IC 95%, 0,79-1,32; P=0,570). Para o desfecho primário de OS, os dados não estavam maduros nesta análise provisória.
No subgrupo dMMR, a DFS mediana não foi alcançada em nenhum dos grupos de tratamento; o HR favoreceu o grupo pembrolizumabe (HR 0,31; IC 95%, 0,14-0,69). No subgrupo pMMR, a DFS mediana não foi atingida em nenhum dos grupos de tratamento e a HR para DFS não diferiu entre os grupos de tratamento (HR 1,20; IC 95% 0,91-1,57).
Eventos adversos de grau >3 ocorreram em 71% e 63% pacientes dos grupos pembrolizumabe e placebo, respectivamente. Nenhum evento adverso de grau 5 relacionado ao tratamento ocorreu.
O estudo ENGOT-en11/GOG-3053/KEYNOTE-B21 não atingiu seu desfecho primário de DFS, quando a recorrência foi avaliada radiograficamente pelo investigador ou por confirmação histopatológica, porém, em análises pré-especificadas, o HR para DFS favoreceu o grupo pembrolizumabe no subgrupo dMMR, enquanto nenhum benefício foi observado para DFS no subgrupo pMMR.
Comentário do avaliador científico:
Sabe-se que o uso de anti-PD-1/ anti-PD-L1 em combinação com quimioterapia com carboplatina e paclitaxel já é hoje uma opção de tratamento padrão para pacientes com câncer de endométrio estádio III/IV irressecáveis/metastáticos ou recorrentes, principalmente para as pacientes com padrão dMMR.
O objetivo do estudo do KEYNOTE-B21 foi avaliar o benefício do tratamento acima citado na adjuvância de pacientes com lesão já ressecada, sem doença residual visível, porém nenhuma diferença foi observada entre os grupos de tratamento na população ITT, contrastando com o cenário de câncer endometrial avançado, metastático ou recorrente de primeira linha, em que há presença de tumor macroscópico. Sugere-se que níveis mais elevados de antígeno tumoral endometrial são necessários para que o pembrolizumabe potencialize uma resposta imune mais eficaz pelas células T disponíveis, que é acentuada no contexto de um fenótipo moderadamente imunogênico (ou seja, doença pMMR), mas não necessária quando os tumores são mais imunogênicos (ou seja, doença dMMR).
Na análise de subgrupos em pacientes dMMR, a adição de pembrolizumabe + carboplatina e paclitaxel adjuvante (com ou sem radioterapia associada) sugeriu uma melhora para a DFS, que foi clinicamente relevante com um HR de 0,31. O benefício do tratamento nessa população deve-se provavelmente a diversas características biológicas dos tumores dMMR, como expressão de PD-L1, TILs, TMB, elevada carga de neoantígenos, tornando esses tumores mais sensíveis à imunoterapia em comparação com os tumores pMMR, independentemente do nível de carga tumoral.
Apesar de não ter demonstrado benefício significativamente estatístico em seu desfecho primário, o estudo KEYNOTE-B21 abre espaço para o potencial efeito do uso de anti-PD-1/ anti-PD-L1 em uma abordagem mais precoce do câncer de endométrio. Vale salientar, porém, que se trata de uma análise de subgrupo, apresentando, dessa forma, menor poder estatístico e uma maior dificuldade para a aplicabilidade na prática clínica. Sendo assim, aguardamos maiores resultados de estudos nessa subpopulação.
Citação: Van Gorp T, Cibula D, Lv W, et al; and ENGOT-en11/GOG-3053/KEYNOTE-B21 investigators. ENGOT-en11/GOG-3053/KEYNOTE-B21: a randomised, double-blind, phase III study of pembrolizumab or placebo plus adjuvant chemotherapy with or without radiotherapy in patients with newly diagnosed, high-risk endometrial cancer. Ann Oncol. 2024 Nov;35(11):968-980. doi: 10.1016/j.annonc.2024.08.2242.
Avaliador Científico:
Dra. Ana Cristina Silva Bomfim
Oncologista Clínica pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia – Hospital Santa Izabel – Salvador/BA
Oncologista Clínica no UNACON do Hospital Geral de Palmas – Palmas/TO
Instagram: @crisbomfim
Cidade de atuação: Palmas/TO