SBOC REVIEW

Resumo do artigo:

O carcinoma de células escamosas de orofaringe associado ao HPV é considerado uma entidade distinta dos tumores de cabeça e pescoço HPV negativos. A doença atinge adultos mais jovens e comumente apresenta melhor prognóstico e taxas de cura superiores.

Nesse sentido diversas estratégias estão em andamento para determinar a melhor maneira de desintensificar o tratamento desses pacientes com objetivo de redução de toxicidade sem interferência na efetividade dos resultados. Embora as abordagens que substituíram a cisplatina por cetuximabe ou omitiram a quimioterapia não tenham sido bem-sucedidas, a Cirurgia Robótica Transoral (CTO) com desintensificação da terapia adjuvante tem se mostrado promissora.

No artigo em discussão, Ferris et al relatam os resultados do ECOG-ACRIN 3311 (E3311), um estudo randomizado fase II de CTO e radioterapia de intensidade modulada (IMRT) de baixa dose em câncer de orofaringe localmente avançado ressecável p16+. Os pacientes elegíveis apresentavam tumores cT1-2 e cN1-2b, portanto, estágio III-IVa pela 7ª edição da AJCC.

O estudo foi desenhado em duas etapas consistindo de CTO (etapa 1) seguido por terapia adjuvante determinada pelo risco patológico (etapa 2). Após a cirurgia os pacientes eram classificados e alocados em: risco baixo ou braço A (sem características patológicas adversas); risco intermediário ou braço B e C (margens cirúrgicas < 3 mm, 2-4 linfonodos patológicos, extensão extranodal ≤ 1 mm [ENE], e invasão perineural ou angiolinfática); risco alto ou braço D (margem positiva, ≥ 5 linfonodos patológicos, ENE > 1 mm). Após a classificação patológica os pacientes de risco intermediário foram randomizados para radioterapia com dose reduzida de 50 Gy (braço B) ou dose padrão de 60 Gy (braço C).

Os objetivos principais eram determinar a viabilidade de um estudo de CTO multi-institucional e avaliar a eficácia oncológica pela taxa de sobrevida livre de progressão (SLP) em 2 anos para pacientes de risco intermediário que receberam CTO seguido de radioterapia de baixa dose. Dados de qualidade de vida e deglutição foram também coletados.

E3311 incluiu 519 pacientes; 495 foram submetidos à CTO e 445 foram alocados ou randomizados para um dos braços. Os pacientes elegíveis e tratados foram designados da seguinte forma: 11% no braço A (baixo risco, n = 38), 58% nos braços de risco intermediário B (50 Gy, n = 100) ou C (60 Gy, n = 108), e 31% no braço D (alto risco, n = 113). Com acompanhamento médio de 35,2 meses a análise final constituiu 359 pacientes. A SLP em 2 anos foi 96,9% (IC 90%, 91,9 a 100) para o braço A (observação), 94,9 % (IC 90% 91,3 a 98,6]) para o braço B (50 Gy), 96,0% (IC 90% 92,8 a 99,3) para o braço C (60 Gy) e 90,7% (IC 90% 86,2 a 95,4) para o braço D (66 Gy e cisplatina semanal).

Na etapa da CTO os eventos adversos (EA) grau 3 mais comuns foram disfagia (6%) e hemorragia oral (3%). Na segunda etapa os principais EA grau 3 foram mucosite oral (5% no braço B, 11% no braço C e 19% no braço D) e disfagia (3% no braço B, 5% no braço C e 16% no braço D). Embora tenha sido observado um declínio na qualidade de vida e nos escores de deglutição durante o tratamento, estes se recuperaram para a linha de base nos braços A-C com pontuações ligeiramente mais baixas no braço D.

Os autores concluem que CTO primária e radioterapia de intensidade modulada de baixa dose resultam em excelente desfecho oncológico e resultados funcionais favoráveis em pacientes com câncer de orofaringe HPV positivo de risco intermediário.

 

Ferris RL, Flamand Y, Weinstein GS, et al. Phase II Randomized Trial of Transoral Surgery and Low-Dose Intensity Modulated Radiation Therapy in Resectable p161 Locally Advanced Oropharynx Cancer: An ECOG-ACRIN Cancer Research Group Trial (E3311). J Clin Oncol. 2022 Jan 10;40(2):138-149. doi:10.1200/JCO.21.01752. Epub 2021 Oct 26.
Ensaio clínico randomizado fase II de cirurgia transoral e radioterapia de intensidade modulada de baixa dose em câncer de orofaringe localmente avançado ressecável p16+: Um estudo de ECOG-ACRIN Cancer Research Group (E3311)

 

Comentário da avaliadora científica:

No estudo E3311, a SLP em 2 anos ultrapassou 90% em todos os braços, resultados que foram mantidos em três anos. Entretanto, considerar a estratégia de CTO seguida de IMRT adjuvante de baixa dose como novo padrão nesse cenário ainda é equivocado.

Esses resultados despertam o grande desafio em realizar uma adequada avaliação de risco nesse subgrupo de pacientes. Evidenciam ainda a insensibilidade das modalidades de estadiamento atuais para prever com segurança esse grupo de risco favorável.

O ENE foi a indicação mais frequente para alocação no braço D, demonstrando a dificuldade em identificar essa característica nos exames de imagem, sendo apenas determinada após avaliação patológica.

Dito isso, a abordagem inicial que fornece os melhores desfechos oncológicas e resultados funcionais ainda é um dilema. Com altas taxas de sobrevida para esses pacientes de prognóstico favorável, independente da modalidade inicial, os paradigmas de tratamento vão depender da capacidade em demonstrar resultados funcionais superiores.

Este estudo demonstrou a viabilidade em realizar um estudo de CTO multi-institucional e os resultados fornecem uma estratégia promissora e sólida para seguir com estudo de fase III com braço de IMRT adjuvante de baixa dose.

 

Avaliadora científica:

Dra. Fernanda Frozoni Antonácio
Residência de Oncologia Clínica pelo ICESP
Oncologista Clínica no ICESP e no Hospital Sírio-Libanês – SP