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SBOC REVIEW

ESMO 2021 – Tumores Ginecológicos

A ESMO 2021 trouxe importantes mudanças para a prática clínica daqueles que se dedicam ao tratamento dos tumores ginecológicos. Veja abaixo a seleção dos três principais trabalhos apresentados.

LBA2_PR: O estudo duplo-cego randomizado de fase III incluiu pacientes com carcinoma de colo do útero metastático, persistente ou recidivado que não haviam recebido tratamento prévio (exceto quimioirradiação ou radioterapia) e teve por objetivo comparar a eficácia do tratamento de primeira linha com cisplatina/ carboplatina e paclitaxel (EV a cada 3 semanas) combinado a pembrolizumabe (200 mg EV a cada 3 semanas) ou a placebo. O uso de bevacizumabe era opcional.

Os desfechos primários do estudo eram sobrevida global (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP), os quais foram avaliados sequencialmente em três populações: pacientes com tumores PD-L1 positivos com CPS ≥ 1, população geral e pacientes com CPS ≥ 10.

As 617 pacientes incluídas no estudo apresentavam mediana de idade de 50 anos. Cerca de 2/3 portavam tumores de histologia escamosa e mais de 88% apresentavam PD-L1 positivo (CPS ≥ 1). Aproximadamente 63% das pacientes receberam bevacizumabe.

Na população com CPS ≥ 1, a SLP mediana foi de 10,4 meses no grupo pembrolizumabe versus 8,2 meses no grupo controle (RR 0,62; p<0,001). Resultados semelhantes foram vistos na população geral (10,4 vs. 8,2 meses; RR 0,65; p<0,001) e com CPS ≥ 10 (10,4 vs. 8,1 meses; RR 0,58; P<0.001). Nos três grupos, a SG em 24 meses foi 53,0% vs. 41,7% (RR 0,64; P<0,001), 50,4% vs. 40,4% (RR 0,67; P<0,001) e 54,4% vs. 44,6% (RR 0,61; P = 0,001), respectivamente. Tais benefícios ocorreram independentemente do uso de bevacizumabe. Eventos adversos sérios e imunomediados foram mais comuns no grupo tratado com pembrolizumabe, porém foram manejáveis.

O tratamento atual dos carcinomas do colo do útero avançado consiste num tratamento triplo com cisplatina, paclitaxel e bevacizumabe, fundamentado pelo estudo GOG-240, que demonstrou benefício em SG de 3,7 meses (17,0 vs. 13,3 meses; RR 0,71) com a adição do antiangiogênico ao então tratamento padrão. O estudo KEYNOTE-826 foi bem desenhado e demonstrou ganho robusto em SG nas três populações analisadas. Na população geral, este ganho foi estimado em 7,9 meses (24,4 vs. 16,5 meses).

Tais resultados implicam na incorporação de pembrolizumabe ao tratamento de primeira linha, corroborando a tendência ao uso mais precoce de agentes imunoterápicos para o tratamento de diversos tipos de câncer.

LBA33: Este foi o primeiro estudo randomizado a avaliar a eficácia e tolerabilidade do retratamento com inibidores de PARP (iPARP) em pacientes com carcinomas de ovário recidivados, platino-sensíveis. O estudo incluiu 220 pacientes com carcinomas de ovário não-mucinosos, recidivados, platino-sensíveis, que haviam recebido um curso prévio de terapia de manutenção com iPARP e que haviam apresentado resposta ao tratamento mais recente com platinas.

As participantes foram alocadas em duas coortes: uma de pacientes com mutações em BRCA1/2 (BRCAm; n=112) e a outra com pacientes não mutadas (não-BRCAm; n=108). Em cada uma das coortes, as participantes foram randomizadas na proporção 2:1 para tratamento com olaparibe (O) 300 mg VO 2x/dia até progressão, ou placebo (P). A dose de olaparibe poderia ser ajustada para 250mg VO 2x/dia nas pacientes com histórico de intolerância ao tratamento.

O tratamento prévio de manutenção com iPARP consistia no uso por ≥ 18 meses na primeira linha ou ≥ 12 meses a partir da segunda linha em pacientes BRCAm e por ≥ 12 meses na primeira linha ou ≥ 6 meses a partir da segunda linha em pacientes não-BRCAm. O desfecho primário do estudo era sobrevida livre de progressão (SLP).

Cerca de 90% das participantes em ambas as coortes haviam recebido ≥ 3 linhas prévias de tratamento. Na coorte BRCAm, a maioria das pacientes havia recebido tratamento prévio com olaparibe [93% (O) e 89% (P)]. Na coorte não-BRCAm, o tratamento prévio mais comum havia sido niraparibe [64% (O) e 58% (P)].

O estudo demonstrou ganho em SLP com o uso de olaparibe tanto na população BRCAm (mediana 4,3 vs. 2,8 meses; RR 0,57; P=0,022) quanto na população não-BRCAm (mediana 5,3 vs. 2,8 meses; RR 0,43; P=0,002). As taxas de SLP em 12 meses foram de 19% vs. 0% na população BRCAm e 14% vs. 0% na população não-BRCAm. Em análise exploratória, as diferenças na SLP na população não-BRCAm se mantiveram nos subgrupos de pacientes com deficiência de recombinação homóloga (HRD) [5,3 vs. 2,8 meses; RR 0,52; IC 95% 0,26 – 1,10] e não-HRD [5,4 vs. 2,8; RR 0,49; IC 95% 0,21 – 1,23]. A frequência e severidade dos eventos adversos ocorreram dentro do que se esperava com o uso da droga e não foram registrados casos de síndrome mielodisplásica ou pneumonite.

Tendo em vista a crescente indicação de terapia de manutenção com iPARPs após a quimioterapia de primeira linha com platina e taxano, os resultados deste estudo são tranquilizadores quanto à segurança da reexposição aos iPARP e mostram ainda um benefício clínico não desprezível desta estratégia de tratamento. É ainda necessário entender se pacientes que tiveram progressão de doença na vigência do tratamento com iPARP derivaram o mesmo benefício das que suspenderam o uso destas drogas devido a toxicidades ou por terem completado o curso de tratamento.

VP4_2021: O estudo EMPOWER-Cervical 1 havia sido apresentado na sessão plenária virtual da ESMO em maio/2021 e foi debatido no congresso atual. Tendo em vista sua relevância e a forte participação de centros de pesquisa do Brasil, optamos por inseri-lo nesta seleção.

Este foi um estudo randomizado de fase III que incluiu 608 pacientes com carcinomas de colo do útero recorrentes ou metastáticos, resistentes à terapia baseada em platinas, as quais foram randomizadas para tratamento de segunda linha ou posterior com cemiplimabe 350 mg EV, a cada 3 semanas, ou quimioterapia a critério do investigador (pemetrexede, gencitabina, irinotecano, topotecano ou vinorelbine). Cemiplimabe é um anticorpo monoclonal IgG4 de alta afinidade para o receptor de PD-1. Tratamento prévio com agentes anti-PD-1/ PD-L1 não era permitido. Os critérios de estratificação foram histologia tumoral, região geográfica, uso prévio de bevacizumabe e performance status.

O desfecho primário do estudo era sobrevida global (SG), avaliada primeiramente na população com carcinomas escamosos e, em sequência, na população geral. Os desfechos secundários incluíam sobrevida livre de progressão (SLP), taxa de resposta global (TRG), duração de resposta (DdR), segurança e qualidade de vida (QdV).

As pacientes do estudo tinham mediana de idade de 51,1 anos e 94,4% delas apresentavam doença metastática. Havia tumores de histologia escamosa em 77,8% dos casos. Uso prévio de bevacizumabe ocorreu em 48,7% dos casos.

Os resultados demonstraram benefício em SG na população com carcinomas de células escamosas (11,1 vs. 8,8 meses; RR = 0,73; p=0,00306), na população geral (12,0 vs. 8,5 meses; RR = 0,69; p=0,00011) e com adenocarcinomas (13,3 vs. 7,0; RR = 0,56; p<0,005). Tal benefício ocorreu em todos os subgrupos pré-especificados, inclusive em pacientes que haviam recebido bevacizumabe. A SLP mediana foi numericamente semelhante entre os grupos na população geral (2,8 vs. 2,9 meses; RR 0,75; p=0,00048) e com carcinomas escamosos (2,8 vs. 2,9 meses; HR 0,71; P = 0,00026), porém a significância estatística se deu pela separação das curvas após quatro meses de seguimento. Houve melhora qualidade de vida nas pacientes tratadas com cemiplimabe.

Estes resultados mostram um ganho inédito em sobrevida com o tratamento de segunda linha dos carcinomas cervicais avançados, independentemente de histologia (cervical/ escamosa), do status de PD-L1 e do uso prévio de antiangiogênico e implicam em um novo padrão de tratamento. Além da disponibilidade de mais uma droga no armamentário contra a doença, é notório o fato de haver melhora da qualidade de vida das pacientes com este tratamento em relação à quimioterapia.

 

Referências:

LBA2_PR - Nicoletta Colombo et al. Pembrolizumab plus chemotherapy versus placebo plus chemotherapy for persistent, recurrent, or metastatic cervical cancer: randomized, double-blind, phase 3 KEYNOTE-826 study.

LBA33 - Eric Pujade-Lauraine et al. Maintenance olaparib rechallenge in patients (pts) with ovarian carcinoma (OC) previously treated with a PARP inhibitor (PARPi): Phase IIIb OReO/ENGOT Ov-38 trial.

VP4_2021 - Krishnansu Tewari et al. EMPOWER-Cervical 1/GOG-3016/ENGOT-cx9: Interim analysis of phase III trial of cemiplimab vs. investigator’s choice (IC) chemotherapy (chemo) in recurrent/metastatic (R/M) cervical carcinoma.

 

Avaliadora científica:

Dra. Karime Kalil Machado
Oncologista clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo
Ex-research fellow do Kelly Gynecologic Oncology Service – Johns Hopkins University
Candidata a MPH – Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health