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SBOC REVIEW

Especial ASCO 2023 – Sarcomas

Resumo do artigo:

O IGS-STS 1001 foi um estudo colaborativo europeu que comparou a quimioterapia (QT) padrão com QT guiada por histologia na neoadjuvância de pacientes com sarcomas de partes moles (SPM) de alto risco (extremidades/tronco ressecaveis, >5cm, profundo, alto grau). Os resultados previamente publicados demonstraram que não houve benefício adicional da estratégia guiada por histologia. Os dados recém-apresentados referem-se a uma análise do estudo acerca da aplicabilidade de radioterapia (RT) de forma concomitante (cc) à QT pré-operatória.

No braço da QT padrão (epirrubicina + ifosfamida por 3 ciclos), pacientes foram alocados, conforme decisão clínica, para receber: (1) RT pré-operatória (PRE) na dose de 44-50Gy em fracionamento convencional de 2Gy/dia 5 dias por semana, iniciando-se após o primeiro ciclo de QT, com cirurgia 4-6 semanas após OU (2) RT pós-operatória (POS) na dose de 60-66Gy no mesmo fracionamento.

Dos 548 pacientes incluídos no ISG-STS 1001, 287 participaram da presente análise, 146 no PRE, 141 no POS. Das características baseline, o tamanho mediano dos tumores no grupo PRE foi 120cm (83 – 164) enquanto no grupo POS, 102cm (80-130).

Quanto aos tratamentos, > 95% receberam cirurgia conservadora em ambos os grupos. A incidência de margens R1 (PRE 16,4%/POS 16,3%) ou R2 (0/1,4%) foi similar. Não foram relatadas diferenças no compliance às estratégias de RT, com mediana de dose final recebida de acordo com o esperado (50/60 Gy). Não houve diferença estatisticamente significativa na incidência de toxicidades hematológicas. Em relação às toxicidades agudas, eventos adversos (EA) cutâneos foram significativamente mais incidentes no PRE (75,2%/98,9%, p < 0,001). As complicações locais pós-operatórias deiscência (9/3,6%) e seroma (10,4%/2,8%) foram mais comuns no grupo PRE, mas não houve maior necessidade de segunda intervenção ou re-hospitalização.

A taxa de resposta (TR) radiológica por RECIST (após QT isolada ou QT+RT) foi superior no grupo PRE 20,3% vs 9,8% POS (p = 0,023). Houve PD após/durante neoadjuvância em 10,5% dos pacientes no PRE (2 deles por doença à distância) e 6,8% no POS (sem relevância estatística).

Análise da mudança dimensional do tumor demonstrou que considerável proporção de “doença estável” por RECIST representavam reduções menores que 30% do diâmetro tumoral. Ainda, a apresentadora chamou atenção para caso em que houve PD por RECIST, mas o aspecto pela ressonância magnética sugeria reposta.

Conclui-se que a neoadjuvância com QT e RT cc foi segura, com modesto, porém estatisticamente significante, ganho em TR. Assim, quando se optar por RT pré-operatória, a QT poderia ser adicionada com segurança, com vistas a preservação de membro, qualidade de margens e execução cirúrgica.

Embora essa estratégia já tenha sido previamente avaliada em SPM, nos primeiros estudos publicados no início dos anos 2000, as toxicidades agudas e tardias relacionadas aos esquemas de QT ou complicações locais suplantaram ao largo a magnitude do benefício em controle local. Estudos subsequentes, como o ISG-STS 0101, citado pela apresentadora Dra. Palassini e de sua autoria, demonstraram um perfil de toxicidade melhor da associação da RT a QT neoadjuvante contemporânea (antraciclina + ifosfamida). Nesse trabalho, notou-se que o valor prognóstico negativo (em recorrência local) da presença de margens microscópicas positivas não se estendia ao grupo que recebia QT + RT cc neoadjuvante, sugerindo benefício da intervenção.

Essa análise planejada do 1001 apresentados nesta ASCO vieram a corroborar os resultados anteriores do grupo espanhol. Porém, é digno de nota que no 1001 assim como no 0101, a alocação de pacientes para estratégia QT+RT cc não foi por randomização, e sim a critério dos investigadores. Possivelmente, favoreceu-se assim a inclusão de pacientes em que maior TR era almejada, mas a localização do primário permitia se correr o (maior) risco de complicação local.

Vale comentar também que, quanto ao eventual objetivo de reduzir o tempo até a cirurgia (e não apenas potencializar TR), há alternativa como a RT hipofracionada, que acumula dados de segurança e atividade provenientes de estudos de fase II até o momento.

Diante da heterogeneidade dos SPM e diferentes opções na doença de alto risco, reforça-se a importância da decisão multidisciplinar ao se planejar tratamentos (neo) adjuvantes.

Título: Estudo de fase 2 com AL102 para tratamento de tumores desmoides

Citação: Gounder MM. et al. RINGSIDE phase 2/3 trial of AL102 for treatment of desmoid tumors (DT): Phase 2 results. J Clin Oncol 41, 2023 (suppl 16; abstr 11515).

 

#11502: ImmunoSarc2: A Spanish Sarcoma Group (GEIS) phase Ib trial of doxorubicin and dacarbazine plus nivolumab in first line treatment of advanced leiomyosarcoma

#1503: A multicenter phase II study of cabozantinib + nivolumab for patients (pts) with advanced angiosarcoma (AS) previously treated with a taxane (Alliance A091902)

#11506: A phase III randomized trial of neo-adjuvant chemotherapy in high-risk soft tissue sarcoma (ISG-STS 1001): Feasibility and activity of concurrent chemotherapy and radiation therapy.

#11515: RINGSIDE phase 2/3 trial of AL102 for treatment of desmoid tumors (DT): Phase 2 results.

 

Título: Immunosarc2: combinação de quimioterapia a imunoterapia para leiomiossarcoma avançado.

Citação: Broto et al. ImmunoSarc2: A Spanish Sarcoma Group (GEIS) phase Ib trial of doxorubicin and dacarbazine plus nivolumab in first line treatment of advanced leiomyosarcoma. J Clin Oncol 41, 2023 (suppl 16; abstr 11502).

 

Resumo e comentário:

IMMUNOSARC2 é um estudo de fase 1/2 capitaneado pelo grupo espanhol e conduzido em 8 centros europeus que avalia a combinação de imunoterapia (IT) a quimioterapia (QT) em diferentes histologias de sarcomas de partes moles (SPM). Os resultados da fase 1b – coorte 7b, que incluiu pacientes com leiomiossarcoma (LMS) avançado não previamente tratados e teve como intervenção a associação de nivolumabe a doxorrubicina e dacarbazina (poliquimioterapia de primeira linha com bons resultados em série retrospectiva de grande monta nessa histologia), foram apresentados.

Sabe-se que as antraciclinas têm potencial – peculiar dentre os agentes citotóxicos – de levar à morte celular imunogênica (ICD), um tipo de morte apoptótica capaz de desencadear resposta imune adaptativa, racional pré-clínico para a combinação estudada. Na ICD, aumenta-se a expressão de moléculas como calreticulina e HMGB1 pelas células imunológicas.

Neste estudo, na ausência de toxicidades dose-limitantes na população de segurança (n = 20), a dose recomendada para a fase 2 (RP2D) foi doxorrubicina 75mg/m2 D1 e dacarbazina 400mg/m2 D1 e D2 associada a nivolumabe 360mg D2, com suporte de fator estimulante de colônia de granulócitos após, em ciclos de 21 dias. Após 6 destes, o nivolumabe seguiria q21d como manutenção por 1 ano. Na população de eficácia (16), a maioria possuía doença metastática (56%), com intervalo livre de metástases mediano de menos de 1 mês a partir do diagnóstico (intervalo 0,7 – 8,7) – perfilando assim grupo de pior prognóstico.

Após follow-up de 8 meses, 9 dos 16 pacientes tiveram resposta parcial (ORR 56,2%), 6 mantiveram doença estável e somente 1 evoluiu com progressão de doença (porém continuava sob tratamento por benefício clínico). Não houve progressão radiológica durante a fase de combo. A expressão de HMGB1 se elevou em aferições séricas, se correlacionando estatisticamente com sobrevida livre de progressão mais longa (sugerindo ativação de ICD).

Dentre os diferentes trabalhos apresentados nesta ASCO 2023 que avaliaram a combinação de IT a QT em SPM (#11500, #11501), todos convergindo quanto à segurança da combinação, o estudo de Broto et al. se destacou adicionalmente pelos dados de eficácia preliminares animadores em um grupo de pacientes com LMS de prognóstico reservado.

Apesar das incertezas frente à amostra pequena e a natureza da análise, o padrão de resposta (precoce, sendo a falha no período de manutenção) e a evidência de um biomarcador relacionado à ICD suportam a hipótese de haver de fato efeitos da IT nos resultados obtidos. Seja pela almejada sinergia ou pela simples adição, a resposta sobre haver benefício com o acréscimo da IT caberá aos estudos de eficácia em curso ou por vir.

Título: Cabozantinibe e nivolumabe para angiossarcoma previamente exposto a taxano.

Citação: Grilley-Olson, JE et al. J Clin Oncol 41, 2023 (suppl 16; abstr 11503). A multicenter phase II study of cabozantinib + nivolumab for patients (pts) with advanced angiosarcoma (AS) previously treated with a taxane (Alliance A091902).

Resumo e comentário:

Os angiossarcomas (AS) são neoplasias vasculares agressivas, de sítio primário variável (predomínio cutâneo) e alto potencial metastatizante. Embora não haja padrão por estudos controlados, a terapia sistêmica de 1a linha com paclitaxel semanal é bem aceita, devido a taxa de resposta e perfil de toxicidade. Apesar da superexpressão de VEGF nesses tumores, agentes antiangiogênicos em monoterapia não lograram bons resultados em 2a linha. Em relação à imunoterapia (IT), alguns relatos e séries de casos dão conta de resposta a inibidores de checkpoint imunológico, particularmente no subgrupo de lesões primárias cutâneas de cabeça e pescoço, que geralmente apresentam assinatura genômica de dano UV.

O estudo Allliance A091902 foi um estudo de fase II conduzido em centros dos EUA que buscou avaliar se o bloqueio concomitante de VEGF e do eixo PD-1/PD-L1 seria efetivo por efeito sinergístico em AS de diferentes subtipos.

Foram incluídos pacientes com AS avançado (irressecável ou metastático) já expostos previamente a taxano, sem história de evento vascular, HAS não controlada ou sob anticoagulação. O objetivo primário foi taxa de resposta objetiva (TRO) por RECIST 1.1; objetivos secundários foram sobrevida livre de progressão (SLP) em 6 meses, sobrevida global (SG), toxicidades e PROs. Para análise estatística, foi utilizado o método de Simon em 2 passos (sendo necessária mais de 1 resposta nos primeiros 9 pacientes e mais de 4 repostas nos primeiros 18 pacientes) a fim de detectar um aumento da TRO de 10 para 35%, com poder de 91,4%. O erro alfa considerado foi de 0.095. O protocolo consistiu de nivolumabe 480mg EV a cada 28 dias e cabozantinibe 40mg/dia até progressão, toxicidade limitante ou 2 anos de tratamento.

Dos 22 pacientes incluídos, a mediana de idade foi de 67 anos (32 – 92). O sítio primário era cutâneo de face/couro cabeludo em 59% (13) e mama em 18% (4). Cinco pacientes (23%) haviam sido expostos também a antracicilina.

A TRO foi de 59%, sendo 9% respostas completas (2) e 50% de respostas parciais (11), e houve 14% (3) de doença estável – configurando uma taxa de benefício clínico global de 73%. No subgrupo cutâneo de face/couro cabeludo, TRO foi de 54% (7 de 13); nos demais, 67% (6 de 9). A SLP mediana foi de 9,6 meses (95% CI; 5,4-NR), enquanto a SG mediana ainda não atingida (95% CI; 14,4-NR). As toxicidades foram as esperadas para a combinação (principalmente hipertensão arterial), nenhuma motivando descontinuação.

Os autores concluíram que o combo tem significativa atividade antitumoral em pacientes com AS tratados previamente com taxano, com uma TRO que excedeu o benefício inicialmente estimado e PFS que foi o dobro de controles históricos – parâmetros objetivos superiores ao de qualquer terapia previamente avaliada em segunda linha nesse grupo.

Como crítica, não houve discriminação da proporção de pacientes metastáticos, nem quais tumores poderiam ser considerados induzidos por radiação (especificamente nos casos de primária mama), em que se prevê biologia distinta.

Digno de nota, outro estudo apresentado nesta ASCO (#11517) avaliou a combinação de antiangiogênico a um inibidor de checkpoint imunológico – pembrolizumabe e lenvatinibe – em sarcomas de partes moles em geral em segunda linha ou posterior. A coorte C do respectivo estudo, composta por 8 pacientes com sarcomas vasculares, teve resultados menos exuberantes e segue com recrutamento aberto.

Embora dados mais maduros sejam aguardados, frente à dificuldade de executar estudos randomizados nesse subtipo raro de sarcoma, os dados desta fase 2, além de demonstrar segurança, alçam a combinação de nivolumabe e cabozantinibe a uma opção promissora para a prática clínica.

Título: Aplicabilidade da quimioterapia concomitante a radioterapia na neoadjuvância de sarcomas de partes moles de alto risco.

Citação: Palassini E et al. A phase III randomized trial of neo-adjuvant chemotherapy in high-risk soft tissue sarcoma (ISG-STS 1001): Feasibility and activity of concurrent chemotherapy and radiation therapy. J Clin Oncol 41, 2023 (suppl 16; abstr 11506).

 

Resumo e comentário:

O AL102 é um inibidor seletivo de gama-secretase (GSI) – a atividade da classe na via Notch provê racional para aplicação em tumores demoides (TD), com evidência clínica já demonstrada previamente em estudo de fase 3 com o nirogacestat.

RINGSIDE, para avaliação do AL102, foi um estudo aberto composto por fase 2 (parte A) com seleção de dose e uma extensão open-label para pacientes que concluíram rollover; e fase 3 (parte B), atualmente recrutando.

Na fase 2, pacientes foram randomizados para receber uma de 3 diferentes doses de AL102: 1,2mg uma vez ao dia, 4mg 2 vezes ao dia intermitente ou 2mg 2 vezes ao dia intermitente (2 dias sim, 5 dias não). O desfecho primário foi segurança e o secundário, redução do volume tumoral. Foram incluídos 42 pacientes com 18+ anos com TD refratário/recorrente ou nunca tratado, mensurável por ressonancia magnética (RM) e em progressão carcaterizada por aumento da soma das maiores dimensões do tumor maior ou igual a 10% do tumor nos últimos 18 meses ou dor relacionado ao tumor requerendo medicação analgésica não opioide.

Idade mediana foi 39,9 anos, 73,8% mulheres, 69% já haviam recebido outra terapia sistêmica.

No follow-up mediano de 10,5 meses, foi observado um padrão consistente de resposta mais profunda, mais rápida e mantida com a dose de 1,2 mg uma vez ao dia. A respectiva taxa de resposta foi de 50% (6/12), e a de controle de doença, 100%. A mediana de redução do volume tumoral foi de -51/9%.

Conforme o gráfico em cachoeira, a redução do sinal em T2 na RM acompanhou essa redução na maioria dos casos. Ambos os parâmetros demonstraram resposta mais precocemente e em maior profundidade que o RECIST. A mediana do tempo para resposta foi 6,7 mesess, sendo a mais precoce registrada com 3,8 meses. A maioria dos EA foi grau 1 ou 2, principalmente diarreia, ressecamento de pele, náuseas, fadiga e alopecia. A taxa de descontinuação por EA foi 14% (todas nos primeiros 3 meses). Em relação à disfunção ovariana esperada para a classe, a taxa foi de 33% na dose de 1,2mg (43% em todas as doses).

Se traçarmos um paralelo com o desenvolvimento do nirogacestat (dados da fase 2 publicados em 2017 com TR 27%), os resultados do AL102 em fase 2 são animadores, especialmente sabendo-se que em TD muitas repostas podem ser tardias. Dados da fase 3 em curso, incluindo PROs (desfechos reportados pelos pacientes), são aguardados. Os dados de segurança do RINGSIDE agregam-se aos do DEFI para melhor caracterização dessa classe (GSI) que certamente integrará o arsenal de tratamentos sistêmicos para TD.

Ao lado desse trabalho promissor, dados importantes para a prática clínica acerca de controle de dor (#11564) e modificação do hipersinal em T2 (#11514) no DEFI e um estudo observacional multicêtrico acerca do impacto da gravidez na evolução dos TD (#11503) foram pôsteres selecionados para discussão nesta ASCO.

 

Avaliador científico:

Dra. Alice Nayane Rosa Morais

Residência Médica em Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP/HC-FMUSP)

Oncologista Clínica do ICESP/HC-FMUSP e do Grupo COE Oncologia e Doenças Autoimunes, São José dos Campos/SP

Membro do Grupo Brasileiro de Sarcomas (GBS)