SBOC REVIEW
Especial ESMO 2024 – Tumores de Cabeça e Pescoço
Quimioterapia neoadjuvante para preservação de órgão em carcinoma sinonasal não escamoso ressecável (NPNSCC) – Análise de preservação de órgão
Saba et al. Phase II randomized trial of neo-adjuvant chemotherapy followed by surgery and post-operative radiation versus surgery and post-operative radiation for organ preservation of T3 and T4a (and selected T4b) nasal and paranasal sinus squamous cell carcinoma (NPNSCC): A trial of the ECOG-ACRIN Cancer Research Group (EA3163)
O tratamento padrão para carcinoma sinonasal não escamoso (NPNSCC) T3 e T4a envolve cirurgia, frequentemente com ressecção de estruturas como a órbita e a base do crânio. A quimioterapia neoadjuvante com o objetivo de preservação de órgão ainda não havia sido testada em um estudo randomizado. O estudo EA3163 investigou se a quimioterapia pré-operatória poderia aumentar a taxa de preservação de órgão ou melhorar a sobrevida global (SG).
Pacientes com NPNSCC T3, T4a e T4b ressecável, que necessitavam de ressecção orbitária ou da base do crânio, foram randomizados para receber cirurgia seguida de radioterapia (PORT) de 60 Gy ou o mesmo tratamento precedido por quimioterapia neoadjuvante com docetaxel (75 mg/m²) e cisplatina (75 mg/m²) por 3 ciclos. A avaliação da preservação de órgão (órbita e base do crânio) foi realizada antes, após a quimioterapia e durante a cirurgia. Os objetivos coprimários foram a taxa de preservação de órgão e a SG. O estudo planejava recrutar 82 pacientes, mas foi encerrado em novembro de 2023 devido à baixa adesão, com 29 pacientes inscritos.
Entre os 22 pacientes avaliáveis, a taxa geral de preservação de órbita/base de crânio foi de 32% (7/22), sendo de 15% no braço padrão (2/13; IC 95%, 1,9% – 45,4%) e 56% no braço experimental (5/9; IC 95%, 21,2% – 86,3%), com tendência de significância (p=0,07). A taxa de preservação orbitária foi de 55% no total, sendo 46% no braço padrão (6/13; IC 95%, 19,2% – 74,9%) e 67% no braço experimental (6/9; IC 95%, 29,9% – 92,5%). Já a taxa de preservação da base do crânio foi de 55% no geral, sendo 38% no braço padrão (5/13; IC 95%, 13,9% – 68,4%) e 78% no braço experimental (7/9; IC 95%, 40,0% – 97,2%).
Os resultados sugerem uma melhora na preservação estrutural com quimioterapia neoadjuvante à base de platina em pacientes com NPNSCC ressecável que requerem ressecção orbitária ou da base do crânio. A mediana de sobrevida global ainda não foi alcançada e os dados ainda não foram apresentados.
Este é o primeiro estudo prospectivo, multicêntrico e randomizado realizado neste contexto. A população do estudo é homogênea, composta por pacientes que, antes da randomização, enfrentariam a necessidade de sacrificar a órbita ou a base do crânio. A estratificação foi feita com base no estadiamento da doença e no tipo de acometimento (órbita versus base do crânio), e os resultados estão em concordância com dados retrospectivos já existentes. No entanto, a principal limitação do estudo foi seu encerramento precoce devido ao baixo recrutamento. Ainda assim, o estudo contribui significativamente para o entendimento da importância da quimioterapia neoadjuvante na preservação de órgãos. No entanto, permanece incerto se a resposta à quimioterapia de indução deve orientar as próximas etapas do tratamento, como a escolha entre cirurgia e radioterapia com ou sem quimioterapia.
Estudo de fase II com trastuzumabe deruxtecan em câncer de glândula salivar HER2-positivo recorrente/metastático: Resultados do estudo MYTHOS
Kinoshita et al. Phase II study of trastuzumab deruxtecan in patients with HER2-positive recurrent/metastatic salivary gland cancer: Results from the MYTHOS trial
O estudo MYTHOS é o primeiro de fase II a investigar o trastuzumabe deruxtecan (T-DXd), um conjugado anticorpo-droga (ADC) direcionado ao HER2, em pacientes com câncer de glândula salivar (SGC) HER2-positivo. Em abril de 2024, a FDA expandiu a aprovação desse ADC para tumores sólidos HER2-positivos (IHQ 3+). O estudo MYTHOS avaliou pacientes com câncer de glândula salivar HER2-positivo (IHQ 3+ ou IHQ 2+/ISH+).
Foram incluídos 19 pacientes com câncer de glândula salivar recorrente/metastático HER2-positivo confirmados por IHQ. Eles receberam T-DXd na dose de 5,4 mg/kg a cada 3 semanas. O desfecho primário foi a taxa de resposta objetiva (TRO) conforme critérios RECIST v1.1, avaliada por revisão central independente (BIRC). Desfechos secundários incluíram controle da doença (DCR), sobrevida livre de progressão (SLP), sobrevida global (SG) e segurança. O estudo estabeleceu uma TRO mínima de 25% com expectativa de 65%, baseado em poder estatístico de 90%.
A TRO alcançada foi de 68,4% (13/19; IC 95%, 43,4-87,4), e o DCR foi de 100% (19/19; IC 95%, 82,4-100). A mediana de SLP foi de 15,9 meses (IC 95%, 5,8-NE) e, no seguimento mediano de 15 meses, nenhum paciente havia falecido. A duração de resposta mediana foi de 14,3 meses. Dentre os eventos adversos de grau 3/4 mais comuns (>10%), destacou-se neutropenia (31,6%), linfopenia (15,8%) e anemia (15,8%). Sete pacientes (36,8%) desenvolveram pneumonite relacionada ao fármaco, sendo seis casos de grau 1/2 e um de grau 3. Cinco pacientes (26,3%) descontinuaram o tratamento devido a esses eventos adversos, todos associados à ILD. Não houve mortes relacionadas ao medicamento.
Os resultados indicam que o T-DXd apresentou eficácia promissora e toxicidades manejáveis. Surgindo como uma potencial opção de tratamento para pacientes com câncer de glândula salivar HER2-positivo recorrente/metastático. No entanto, os dados são de população inteiramente oriental e com um baixo número de pacientes. Está em andamento o recrutamento de uma segunda coorte do mesmo estudo analisando o papel de T-Dxd em SGC HER2-low. Os dados de SG e SLP são aguardados para esse estudo.
Estudo randomizado de fase II para avaliar a eficácia e segurança da terapia de privação androgênica (ADT) versus quimioterapia (QT) em pacientes com câncer de glândula salivar recorrente e/ou metastático expressando receptor androgênico (AR)
Locati et al. A randomised phase II study to evaluate the efficacy and safety of androgen deprivation therapy (ADT) vs chemotherapy (CT) in patients with recurrent and/or metastatic, androgen receptor (AR) expressing, salivary gland cancers
Este estudo randomizado de fase II, liderado pela EORTC, comparou a eficácia e segurança da terapia de privação androgênica (ADT) com a quimioterapia (QT) em pacientes com cânceres de glândula salivar recorrentes e/ou metastáticos expressando receptor androgênico (AR). Pacientes com carcinoma de ducto salivar (SDC) e adenocarcinoma (ADC) expressando AR (coorte A) foram randomizados para receber QT (combinando cisplatina ou carboplatina com paclitaxel) ou ADT (bicalutamida + triptorrelina). Uma segunda coorte de braço único (B) foi tratada exclusivamente com ADT.
Na coorte A, a sobrevida livre de progressão (SLP) foi de 4 meses no grupo ADT e 6,5 meses no grupo QT, sem evidência de superioridade ou inferioridade da ADT em relação à QT. A taxa de resposta global (TRG) foi de 23% no grupo ADT, comparado a 35% no grupo QT. Em termos de sobrevida global, o hazard ratio foi de 1,91, indicando que não houve benefício significativo com ADT. Os eventos adversos grau 3-5 foram semelhantes em ambos os grupos (15%), porém a ADT foi associada a menos eventos adversos no geral (67% versus 96% no grupo QT).
Na coorte B, composta por pacientes previamente tratados, a SLP foi de 3,5 meses e a TRG foi de 19%, incluindo uma resposta completa. A sobrevida global mediana foi de 20,2 meses, mostrando que a ADT pode proporcionar benefício em pacientes selecionados, mesmo após tratamento prévio.
Apesar de a ADT não ter se mostrado superior à QT, a sensibilidade à ADT foi observada de forma independente da sequência de tratamento e da amplificação de HER2. Esses achados sugerem que a ADT, em combinação com QT e/ou inibidores de HER2, pode ser uma estratégia promissora para estudos futuros em pacientes com cânceres de glândula salivar expressando AR.
Pacientes com câncer diferenciado de tireoide refratário ao radioiodo (RAI-R DTC) tratados com lenvatinibe em monoterapia: padrões de tratamento e desfechos clínicos no mundo real
Locati et al. Radioiodine-refractory differentiated thyroid cancer(RAI-R DTC) patients treated with lenvatinibmonotherapy: Real-world treatment patterns andclinical outcomes in Europe and Canada
Lenvatinibe foi aprovado para o tratamento de pacientes com câncer diferenciado de tireoide refratário ao radioiodo (RAI-R DTC) na Europa em 2015 e no Canadá em 2016. O objetivo principal deste estudo foi avaliar a efetividade clínica no mundo real em pacientes com RAI-R DTC tratados com lenvatinibe em monoterapia de primeira linha.
Foi realizada uma revisão retrospectiva de pacientes. A coorte incluiu pacientes com RAI-R DTC que iniciaram o tratamento com lenvatinibe entre 2015 (Europa) ou 2016 (Canadá) e 2022. Os dados foram extraídos dos prontuários eletrônicos dos pacientes pelos médicos prescritores e registrados em um formulário eletrônico de relatório de caso. Os desfechos clínicos avaliados incluíram a melhor resposta geral relatada pelo médico, sobrevida livre de progressão (SLP) e sobrevida global (SG).
Entre os 337 pacientes incluídos, 45,1% eram do sexo feminino e 94,7% eram brancos/caucasianos. A mediana de idade dos pacientes ao iniciar o tratamento com lenvatinibe foi de 60,0 anos; 21,1% tinham status de performance ECOG ≥ 2, 60,2% tinham doença em estágio III ou IV, e 48,1% apresentavam metástases pulmonares. 60% iniciaram com 24 mg a terapia e 40% com dose reduzida. Durante o período de acompanhamento disponível (mediana [IQR] de 17,9 meses [13,7 – 22,0]), 32,3% dos pacientes interromperam o tratamento com lenvatinibe. A melhor resposta geral ao tratamento foi completa em 21,1% dos pacientes, parcial em 53,7%, com uma taxa de resposta geral de 74,8%. A mediana de SLP foi de 41,7 meses (IC 95%, 29,0-NR) e a mediana de SG não foi alcançada. As taxas estimadas de SG foram de 92,2% (IC 95%, 88,8-94,7) em 12 meses e 83,1% (IC 95%, 78,3-86,9) em 24 meses.
Os dados desse estudo incluíram pacientes em primeira linha, ECOG-PS ≥ 2, uma proporção menor de pacientes iniciou a terapia com a dose de 24 mg, se aproximando de dados anteriores de estudos retrospectivos e do estudo SELECT que aprovou o lenvatinibe nessa população.
Avaliador científico:
Dr. Cassio Murilo Trovo Hidalgo Filho
Residência Médica em Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – São Paulo/SP
Oncologista Clínico assistente no Hospital Sírio-Libanês – São Paulo/SP
Doutorando em Oncologia na Universidade de São Paulo (USP-SP)
Instagram: @cmtrovohidalgo
Cidade de atuação: São Paulo/SP