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SBOC REVIEW

Estressores em múltiplos níveis e imunidade sistêmica e tumoral em mulheres negras e brancas com câncer de mama

Resumo do artigo:

Este estudo publicado na JAMA Network Open, de caráter transversal e observacional, conduzido em Baltimore, Maryland, buscou investigar a relação entre fatores estressores e imunidade tumoral em mulheres negras e brancas com câncer de mama, trazendo resultados bastante provocativos.

Foram incluídas 121 mulheres com câncer de mama, entre 28 e 90 anos, das quais 56 eram negras, representando 46,3% da população estudada. As amostras incluíram 48 tumores mamários, 41 tecidos adjacentes não tumorais e 117 amostras de sangue. O foco da investigação girou em torno de determinantes relacionados aos níveis de estresse relatados pelas pacientes, correlacionadas com indicadores de imunidade sistêmica, microambiente tumoral e características biológicas tumorais. As variáveis analisadas foram os níveis de estresse descritos pelas pacientes, o suporte social do qual dispunham no enfrentamento do câncer de mama, discriminação racial e condição de vulnerabilidade social, como residir em localidades carentes.

Os resultados mostram que os níveis de estresse percebido e suporte social recebido foram comparáveis entre mulheres negras e brancas, enquanto as mulheres negras residiam em bairros com maior privação socioeconômica. Maior suporte social percebido foi associado às mudanças imunológicas mais favoráveis, como por exemplo, aumento de IL-5 sérica [β, 0.06 (IC 95%, 0,02-0,10); p = 0,003] e células natural killer ativadas no tecido mamário não canceroso de mulheres negras [β, 0.11 (IC 95%, 0,04-0,17) p= 0,002]. Níveis mais altos de estresse percebido, exposição à discriminação e privação social referente à moradia em áreas desprivilegiadas foram associados a maiores indicadores de inflamação sistêmica, perfis celulares imunes prejudiciais e características biológicas tumorais mais agressivas. As análises estratificadas por raça revelaram características imunológicas distintas em mulheres negras associadas ao estresse, incluindo atividade de quimiotaxia (β, 0,28 [IC 95%, 0,001-0,56]; P = 0,049) e supressão imunológica (β, 0,37 [IC 95%, −0,002 a 0,75]; P = 0,05) no nível sistêmico, além de aumento de células mieloides associadas ao tumor (monócitos e macrófagos M1 e M2) no nível tecidual.

No microambiente tumoral, o estresse foi associado com menor quantidade de células T helper foliculares, redução da atividade das células natural killers e aumento de macrófagos M2 imunossupressores, fatores estes que em conjunto favorecem menor atividade imune no combate às células do câncer. Os perfis celulares imunes mais deletérios foram observados entre as mulheres negras. Residir em comunidades vulneráveis economicamente também refletiu em padrões de inflamação elevados, como demonstrado por dosagens aumentadas de proteína C reativa e interleucina-6, além da identificação de padrões de modificações epigenéticas e maior atividade neutrofílica, o que é compatível com o esperado, considerando que residir em áreas de vulnerabilidade social por si só configura fator estressor multifatorial. Quando compilados, estes dados sugerem que estresse prolongado em mulheres com câncer de mama pode levar a um ambiente tumoral inflamatório, suprimindo a resposta imune antitumoral e favorecendo a progressão do câncer, além de inferir que a discriminação racial e situação de vulnerabilidade social exercem por si só efeitos semelhantes ao estresse crônico, o que configura fator agravante no cenário do câncer de mama no que diz respeito à população negra.

 

Comentário da avaliadora científica:

No que diz respeito à relação entre estresse e câncer, os achados deste estudo são compatíveis com estudos realizados anteriormente. No entanto, estes dados apresentados vão além ao sugerir que a discriminação racial sofrida pela população negra exerce efeito semelhante ao do estresse em relação à inflamação e imunossupressão, trazendo a reflexão sobre a situação de extrema vulnerabilidade das mulheres negras quando o assunto é o enfrentamento do câncer de mama. Ou seja, o simples fato de pertencer à população negra torna a luta contra o câncer de mama mais difícil, o que choca pelo fato de que, até para adoecer, ser negra configura desfavorecimento.

É preciso considerar que este foi um estudo transversal, observacional, conduzido em um único centro urbano, portanto não podendo determinar relação da causa-efeito, porém vale ressaltar que já existem muitos outros estudos publicados na literatura com dados concisos que demonstram a disparidade racial e social como fatores detrimentais no contexto não só do câncer de mama, como de muitos outros. Precisamos nos unir como sociedade consciente para compreender que esta luta é real e pertence a todos nós.

 

Citação: Harris AR, Pichardo CM, Franklin J, Liu H, Wooten W, Panigrahi G, et al. Multilevel Stressors and Systemic and Tumor Immunity in Black and White Women With Breast Cancer. JAMA Netw Open. 2025 Feb 3;8(2):e2459754. doi: 10.1001/jamanetworkopen.2024.59754

 

Avaliadora científica:

Dra. Karla Fabiane Siebra de Oliveira Maia

Oncologista clínica pelo Hospital Sírio-Libanês – São Paulo/SP

Oncologista clínica no Hospital Regional do Baixo Amazonas do Pará e na Clínica Oncomaster – Santarém/PA.

Instagram: @karlafmaia

Cidade de atuação: Santarém/PA