SBOC REVIEW
Estudo fase 1/2,braço único, da combinação de Niraparibe com Pembrolizumabe em pacientes com câncer de ovário recorrente em cenário platina-resistente.
Resumo do artigo:
Neoplasia maligna de ovário é a oitava causa de morte por câncer no mundo com taxas de sobrevida em 5 anos variando de 30 a 50%. Apesar de inicialmente a maioria dos pacientes possuírem sensibilidade aos esquemas quimioterápicos baseados em platina, na maioria das vezes a doença se tornará platina - resistente/refratária ou as pacientes apresentarão alguma contraindicação ao uso da droga (como reação alérgica ou toxicidade limitante) exigindo outras estratégias de tratamento.
O arsenal terapêutico do câncer de ovário (CO) recentemente teve expansão com uso de inibidores da poli(adenosina-difosfato-ribose) polimerase (PARP). A inibição das PARP1/2 em células que já possuem mecanismos de reparo de DNA deficientes, como aquelas com mutação do BRCA ou deficiência da recombinação homologa (DRH), causa uma instabilidade genômica e por conseguinte morte celular. Pacientes sem mutação em BRCA também se beneficiam dos inibidores da PARP como Niraparibe por um mecanismo de ação ainda não completamente compreendido.
Devido à função imunomodulatoria do Nirapraribe, foi proposto um potencial mecanismo sinérgico com anti-PD1/anti-PDL1. Este mecanismo baseia-se na observação de que o Niraparibe aumenta a atividade do gene estimulador de interferon e das vias do interferon, culminando em maior infiltração de células imunes no microambiente tumoral, bem como gera o up-regulation da expressão de PDL-1.
Em vista desse racional, o estudo TOPACIO/KEYNOTE 162 avaliou a hipótese que Niraparibe combinado com Pembrolizumabe seria seguro e eficaz em pacientes com CO em cenário platino – resistente. Trata-se de um estudo de fase 1/2, multicêntrico (34 centros nos EUA), aberto e de braço único. 14 pacientes foram incluídas no estudo de fase 1 (9 com neoplasia de ovário e 5 com neoplasia de mama triplo negativo) e 53 no estudo de fase 2 (somente pacientes com CO). Os dados dos estudos de fase 1 e 2 na coorte de ovário foram apresentados conjuntamente nesta publicação. 17 (27%) pacientes apresentavam doença refratária a platina.
O objetivo primário do estudo de fase 2 era estimar a atividade clínica da combinação de Niraparibe (200mg via oral 1 vez ao dia continuamente) e Pembrolizumabe (200mg endovenoso a cada 21 dias) em termos de taxa de resposta objetiva (TRO) acessada pelos investigadores utilizando o RECIST 1.1. Os objetivos secundários foram duração da resposta, taxa de controle de doença, sobrevida livre de progressão (SLP) e sobrevida global (SG). Análise exploratória incluiu correlação de resposta com status do BRCA do tumor, deficiência da recombinação homóloga (DRH) e a expressão de PDL1.
A TRO foi de 18% (90% CI, 11%-28%),3 pacientes apresentaram resposta completa (RC) , a taxa de controle de doença foi de 65% (90% CI, 54%-75%) e com uma mediana de seguimento de 12.4 meses, a mediana de duração de resposta não foi atingida nas pacientes que apresentaram RC ou RP (variando entre 4.2 meses a ≥ 14.5 meses). As taxas de resposta nas pacientes com mutação do BRCA versus pacientes não-mutadas foram muito semelhantes, 18 % e 19%,respectivamente. Não houve diferença na taxa de resposta (TR) quanto à DRH ou ao uso prévio de Bevacizumabe. Em relação ao status do PDL1, a TR foi de 21% (10-36) no grupo PDL1 positivo versus 10% (2-27) no grupo PDL1 negativo. A SLP foi de 3.4 meses (95% CI, 2.1 – 5.1 meses). Dados ainda imaturos quanto à SG. Os efeitos adversos mais comuns de qualquer grau (n=53) foram fadiga (28[53%]), náusea (22[42%]), anemia (19[36%]) e constipação (19[36%]). Não houve relato nesse estudo de síndrome mielodisplasica ou leucemia mieloide aguda. Eventos adversos imuno-relacionados ocorreram em 10 pacientes (19%) porém ≥ G3 somente em 3 pacientes (6%).
Single-arm Phases 1 and 2 Trial of Niraparib in Combination with Pembrolizumab in Patients with Recurrent Platinum-Resistant Ovarian Carcinoma. Konstantinopoulos PA, Waggoner S, Vidal GA, et al. JAMA Oncol.Published online June 13, 2019. doi:10.1001/jamaoncol.2019.1048
Estudo fase 1/2,braço único, da combinação de Niraparibe com Pembrolizumabe em pacientes com câncer de ovário recorrente em cenário platina-resistente.
Comentários do editor:
- Os estudos com inibidores da PARP (iPARP) em monoterapia no cenário platino-resistente foram realizados principalmente no subgrupo de pacientes com mutação em BRCA com taxas de resposta variando entre 25 a 30%, já no grupo platino-refratário os dados são mais desanimadores (0-14%) e temos poucos estudos da eficácia desses agentes em pacientes sem a mutação do BRCA com TRO em torno de 5%.
- O estudo denominado QUADRA analisou a atividade do Niraparibe monoterapia para tratamento de pacientes com câncer de ovário como quarta ou subsequente linha de tratamento sendo a TRO nas pacientes no cenário platino - resistente/refratário e sem DRH de 3%. Em apresentação oral da ASCO 2019 foram demonstrados os resultados do estudo CLIO que comparou no cenário platino-resistente independente do status do BRCA, o uso de Olaparibe versus quiomioterapia (à escolha do investigador). Apesar de críticas em relação ao desbalanço entre os braços, com maior porcentagem de pacientes com mutação do BRCA no braço do Olaparibe, a TRO das pacientes sem mutação do BRCA foi de 13% no braço do Olaparibe versus 6% no braço da quimioterapia. Ainda neste estudo, não houve diferença de SLP entre os grupos, 2.9m para Olaparibe versus 3.4m para quimioterapia (HR 1.18, 95% CI,0.75-1.87), dados semelhantes aos encontrados no TOPACIO/KEYNOTE 162.
- Quanto ao uso de imunoterapia como agente isolado (Pembrolizumabe ou Avelumabe) , os estudos KEYNOTE 028, KEYNOTE 100 e JAVELIN Solid Tumor fase Ib mostraram taxas de resposta variando entre 4 a 10% em CO no cenário platino-resistente independente da expressão de PDL-1.Em vista das modestas taxas de resposta á imunoterapia, essas drogas estão sendo testadas em combinação com iPARP, quimioterapia e agentes anti-angiogênicos na tentativa de melhores resultados. A combinação entre Niraparibe e Pembrolizumabe parece aumentar as taxas de resposta nos pacientes sem mutação do BRCA (19%) e sem DRH (19%). O benefício da imunoterapia também pode ser visto em períodos prolongados de doença estável: 9 pacientes receberam tratamento por 6 meses e 2 pacientes por mais de 1 ano. Tais dados sugerem que a terapia combinada tem seu valor mesmo nos pacientes que não adquirem resposta pelo RECIST 1.1.Deve-se ressaltar que esses achados são numa população politratada (mediana de 3 linhas de tratamento prévias e 63% já haviam utilizado Bevacizumabe), cenário platino- resistente/refratário, ou seja, com poucas opções de tratamento e com pacientes atingindo benefício clinico a longo prazo o que, de fato difere da nossa terapia padrão atual. Quanto aos eventos adversos, a combinação ainda apresentou um bom perfil de segurança e a incidência de trombocitopenia foi substancialmente menor em relação a outros estudos com Niraparibe o que deve estar associado á redução de dose para 200mg em vista da combinação com Pembrolizumabe.
- Em conclusão, esse estudo levanta a hipótese de que a associação de Niraparibe com Pembrolizumabe pode aumentar a taxa de reposta em pacientes com câncer de ovário em cenário platino -resistente/refratário, especialmente nas pacientes sem a mutação do BRCA e sem deficiência da recombinação homologa (subgrupos com baixas taxas de resposta aos inibidores de PARP em monoterapia). Precisamos de estudos maiores para poder comprovar tal hipótese e necessitamos de melhores biomarcadores para encontrar as pacientes de fato respondedoras, particularmente á imunoterapia em câncer de ovário e não apenas pela expressão de PD1/PDL1.
Editor:
Dr. Marcella Marinelli Salvadori
Especialista em Oncologia Clínica pelo AC Camargo Cancer Center, Oncologista Clínica do AMO em Salvador, BA.
Revisora:
Dra. Adriana Hepner
Membro da SBOC; Oncologista Clínica pelo Hospital Sírio Libanês; Médica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Atualmente, participa como fellow clínica do Programa de Oncologia Cutânea do Melanoma Institute Australia, em Sydney.