SBOC REVIEW
Exercício físico após diagnóstico de câncer de mama é associado a menor risco de recorrência à distância
Resumo:
A influência do exercício físico sobre a recidiva do câncer de mama, apesar de menos estudada, é de alto interesse clínico por pelo menos duas razões. Primeiro, sua avaliação auxilia em melhor estabelecer a causa subjacente da morte, especialmente em pacientes idosos com múltiplas comorbidades, reduzindo o potencial de classificação incorreta. Segundo, intervenções no estilo de vida (que têm toxicidade mínima) podem ser realizadas simultaneamente com terapia adjuvante convencional e têm potencial para melhorar ainda mais os resultados.
Esse estudo investigou como o exercício físico após o diagnóstico de câncer de mama primário influencia a recorrência da doença e a mortalidade. Foi realizado um estudo prospectivo multicêntrico, no qual se analisou dados de 10.359 pacientes com câncer de mama primário (estádios I-III) em 26 centros na França, entre 2012 e 2018, com seguimento até outubro de 2021, provenientes do estudo CANcer TOxicities (CANTO). Pacientes com dados incompletos sobre exercício no início do estudo foram excluídas. A exposição ao exercício foi avaliada por meio de um Questionário Global de Atividade Física-16, demonstrando a exposição ao exercício em equivalentes metabólicos padronizados por horas por semana (MET-h/semana).
O estudo mostrou uma relação não linear entre exercício e o intervalo livre de recorrência à distância (DRFI): um aumento no exercício de ≥ 5 MET-h/semana foi associado a uma redução linear inversa nos eventos de DRFI até aproximadamente 25 MET-h/semana; acima desse limiar, não houve benefício adicional. Comparado com <5 MET-h/semana, o hazard ratio (HR) ajustado para DRFI foi de 0,82 (IC 95%, 0,61 a 1,00) para ≥ 5 MET-h/semana. A análise por subtipo mostrou que os subtipos receptores hormonais negativos (RH–) e HER2– (HR, 0,59 [IC 95%, 0,38 a 0,92]) e receptores hormonais negativos (RH) / HER2+ (HR, 0,37 [IC 95%, 0,14 a 0,96]) foram mais responsivos ao exercício. Para o subtipo RH–/HER2–, houve uma diferença absoluta de 5% na taxa de DRFI em favor daqueles que praticavam ≥ 5 MET-h/semana. O benefício do exercício foi especialmente observado na população pré-menopausa. No entanto, não foi encontrada uma associação significativa entre exercício e DRFI no subtipo RH+/HER2+. Além disso, não houve associação significativa entre aumento ou diminuição nos níveis de exercício após o diagnóstico de câncer de mama e risco de eventos de DRFI. Isso sugere que o nível de exercício no momento do diagnóstico pode ser mais crucial do que as mudanças subsequentes nos níveis de atividade.
Em termos de discussão, o estudo sugere que existe uma faixa terapêutica ótima para o benefício do exercício na redução do risco de recorrência de câncer de mama, variando conforme o subtipo tumoral e o status menopausal das pacientes. Esses achados são importantes para orientar recomendações clínicas sobre exercício durante o tratamento curativo do câncer de mama.
Comentário do avaliador científico:
O conceito de que a prática de exercícios no momento do diagnóstico ou a mudança na prática de exercícios após o diagnóstico de câncer de mama primário pode influenciar os resultados da doença é de considerável interesse. A maioria dos trabalhos científicos nesse cenário se concentra na relação entre exercício e mortalidade. Meta-análises mostram uma redução no risco de mortalidade por todas as causas e mortalidade específica por câncer de mama entre aqueles que relatam níveis mais elevados de exercício, tanto antes quanto após o diagnóstico. Portanto, estratégias complementares, particularmente intervenções no estilo de vida, que tenham baixa toxicidade e benefícios no controle dos sintomas (por exemplo, melhorias na qualidade de vida e na função física), podem ser administradas de forma concomitante e/ou sequencial com a terapia adjuvante convencional (bloqueio hormonal) e têm o potencial de melhorar ainda mais os resultados, sendo de alto interesse clínico.
Além disso, a maioria dos trabalhos anteriores examinou a relação entre exercício e resultados da doença sob a suposição de que o câncer de mama é uma doença única ou, no máximo, avaliando o impacto diferencial do exercício com base no status dos receptores hormonais; contudo, se certos subtipos de tumor são mais ou menos responsivos não recebeu atenção de forma relevante.
Os resultados sugerem que recomendações clínicas podem considerar a promoção de exercícios moderados a vigorosos (acima de 5 MET-h/semana) para pacientes com câncer de mama, especialmente em subgrupos específicos como RH– e pacientes pré-menopáusicas. Contudo, os autores reconhecem limitações, como o uso de medidas de exercício autorrelatadas, que podem ter variações e imprecisões. Além disso, o seguimento relativamente curto pode não capturar todos os eventos de recorrência, especialmente para cânceres de mama RH+/HER2– a longo prazo. Assim, são necessários estudos prospectivos adicionais para validar esses achados em outras populações e para explorar os mecanismos biológicos subjacentes ao benefício do exercício em diferentes subtipos de câncer de mama.
Em suma, o estudo contribui significativamente para o entendimento de como o exercício pode influenciar os resultados de recorrência do câncer de mama, destacando a importância de doses específicas de exercício e a variação nos benefícios conforme os subtipos tumorais e o status menopausal das pacientes.
Citação: Soldato D, Michiels S, Havas J, Di Meglio A, Pagliuca M, Franzoi MA, et al. Dose/Exposure Relationship of Exercise and Distant Recurrence in Primary Breast Cancer. J Clin Oncol. 2024 Jun 5:JCO2301959. doi: 10.1200/JCO.23.01959.
Avaliador científico:
Dra. Érika Andrade
Oncologista Clínica no Grupo AMO/DASA – Salvador/BA
Residência médica em Oncologia Clínica pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) / USP – São Paulo/SP
Membro Titular da SBOC
Mestranda em Patologia Humana pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Instagram: @erikaandrade.oncologista
Cidade de atuação: Salvador/Bahia