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SBOC REVIEW

Fatores preditores de resistência a quimioterapia monodroga em neoplasia trofoblástica gestacional estadios FIGO 5 ou 6: um estudo multicêntrico, retrospectivo, de coorte

Resumo do artigo:

Esse estudo retrospectivo, de coorte, multicêntrico (três centros de referência no Brasil, Reino Unido e EUA) que avaliou o tratamento de pacientes com neoplasia trofoblástica gestacional (NTG) de baixo risco (≤6), FIGO 5 ou 6 (FIGO 2000).

Historicamente, as pacientes de risco baixo recebem monoquimioterapia em 1ª linha (metotrexato ou, quando disponível, actinomicina D), porém há controvérsias a respeito do tratamento das pacientes consideradas de risco baixo, mas FIGO 5 ou 6. Estudos prévios mostram que apenas 1/3 dessas pacientes atingem remissão completa com esquema de agente único. Por isso, há quem defenda o uso de poliquimioterapia (EMA-CO) já em primeira linha, o que pode resultar em excesso de tratamento para algumas pacientes.

Este estudo buscou classificar as pacientes FIGO 5 ou 6 em respondedoras a mono ou a poliquimioterapia, ao identificar critérios preditores de resistência a monoquimioterapia, e, assim, tentar restringir o uso de esquemas mais tóxicos.

O desfecho primário do estudo era avaliar a incidência de resistência (bHCG platô ou ascensão após 1-2 ciclos) após 1ª ou 2ª linha sequencial de monoquimioterapia, buscando-se identificar as variáveis associadas à resistência, através de análises de regressão logísticas.

Foram coletados dados de prontuários médicos de pacientes de risco baixo tratadas de 1964 a 2018, sendo encontradas 431 pacientes com estádios FIGO 5 ou 6, com seguimento por pelo menos 2 anos.

No total, 60% das pacientes atingiram remissão completa com monoquimioterapia, seja em 1ª ou 2ª linha sequencial, e 40% apresentaram resistência, necessitando em algum momento de resgate com esquemas combinados. Esse resultado positivo (60% de remissão completa) diverge de outras séries já publicadas (33%). Uma das explicações seria o uso da monoquimioterapia sequencial nesse estudo. Além disso, cerca de 25% das pacientes brasileiras necessitaram de alguma cirurgia de resgate após quimio-resistência, com 20% sendo submetidas a histerectomia, o que, consequentemente, gera infertilidade.

As variáveis associadas a resistência foram: presença de metástases, histopatológico de coriocarcinoma e valores de bHCG (os valores variavam conforme o valor preditivo positivo para os subgrupos coriocarcinoma ou doença metastática).

O estudo dividiu as pacientes em 4 grupos: (1) sem coriocarcinoma e sem doença metastática; (2) coriocarcinoma mas sem metástase; (3) sem coriocarcinoma mas doença metastática; (4) coriocarcinoma e metástase.

As pacientes do grupo 4 (coriocarcinoma e metástase) automaticamente são de alto risco para quimio-resistência e merecem ganhar poliquimioterapia. Os grupos com apenas 1 fator de risco (coriocarcinoma ou metástase) foram reagrupados em um só.

Ao final, avaliou-se três grupos: A) ausência de fatores de risco (grupo 0); B) apenas 1 fator de risco (grupo 1); C) coriocarcinoma e metástase. A partir daí, estabeleceu valores mínimos de bHCG (≥410.000 para grupo 0 e ≥150.000 para o grupo 1) para quimio-resistência e benefício com esquemas combinados. Criou-se um algoritmo de classificação e para tomada de conduta: grupo A (sem metástase e sem coriocarcinoma) e bHCG ≥410.000 ganha poliquimioterapia, bHCG <410.000 ganha quimioterapia agente único; grupo B (metástase OU coriocarcinoma) e bHCG ≥150.000 ganha esquema combinado, <150.000 apenas agente isolado; e grupo C (metástase E coriocarcinoma) automaticamente recebe poliquimioterapia.

O estudo conclui, portanto, que esquemas combinados só devem ser oferecidos para pacientes com coriocarcinoma e doença metastática (independentemente do valor de bHCG), ou para as pacientes que preencham os novos critérios do algoritmo proposto.

 

Braga A, Paiva G, Ghorani E, Freitas F, Velarde LGC, Kaur B, Unsworth N, Lozano-Kuehne J, Dos Santos Esteves APV, Rezende Filho J, Amim J Jr, Aguiar X, Sarwar N, Elias KM, Horowitz NS, Berkowitz RS, Seckl MJ. Predictors for single-agent resistance in FIGO score 5 or 6 gestational trophoblastic neoplasia: a multicentre, retrospective, cohort study. Lancet Oncol. 2021 Aug;22(8):1188-1198. doi: 10.1016/S1470-2045(21)00262-X.
Fatores preditores de resistência a quimioterapia monodroga em neoplasia trofoblástica gestacional estadios FIGO 5 ou 6: um estudo multicêntrico, retrospectivo, de coorte.

 

Comentário da avaliadora científica:

A NTG é uma doença rara, sendo difícil realizar estudos prospectivos para definir o melhor tratamento.

Este estudo representa a maior coorte de pacientes com NTG de riscos 5 ou 6, e buscou refinar a estratificação e tratamento. Embora ainda sejam categorizadas como baixo risco de quimio-resistência, trata-se de um grupo heterogêneo onde o tratamento é controverso. Esse estudo inova ao propor um algoritmo de estratificação, visando limitar o uso de esquemas combinados e mais tóxicos.

Trata-se de estudo retrospectivo com predomínio de mulheres de melhor prognóstico (72% EC I, 3% EC II, 25% EC III pelos critérios FIGO, 55% FIGO 5; 28% metastático, 17% coriocarcinoma e apenas 7% coriocarcinoma metastático), que pode justificar a taxa de remissão completa com monoquimioterapia, maior do que a descrita em literatura. Além disso, há diferenças geográficas de risco e de acesso às medicações (como a actinomicina D no Brasil, substituída pela carboplatina) que podem comprometer a eficácia do tratamento.

É necessário cautela ao extrapolar os resultados para a prática clínica. O algoritmo pode ajudar na tomada de decisões e poupar tratamentos excessivos e tóxicos em alguns casos, mas ainda temos que individualizar a escolha.

 

Avaliadora científica:

Dra. Maria Júlia Ferreira Vasconcelos de Ávila
Oncologia clínica pelo Instituto do Câncer de Estado de São Paulo
Oncologista clínica da Rede D’or (Hospital DFSTAR Brasília) e Hospital de Base do Distrito Federal