SBOC REVIEW
Especial ASCO 2024 – Tumores do Sistema Nervoso Central
Resultados de sobrevida associados à PCV em primeira linha ou temozolomida (TMZ) em combinação com radioterapia em oligodendrogliomas grau 3, IDH mutante, 1p/19q codeletados.
Kacimi et al. Survival outcomes associated with first-line PCV or temozolomide in combination with radiotherapy in IDH-mutant 1p/19q-codeleted grade 3 oligodendroglioma.
Trata-se de estudo observacional da coorte prospectiva “Prise en charge des Oligodendrogliomes Anaplasiques – POLA”, na França. Foram incluídos pacientes com diagnóstico de oligodendroglioma grau 3, IDH mutante e 1p/19q codeletados, diagnosticados por revisão de patologia central. Os pacientes eram tratados em primeira linha com radioterapia seguida de PCV (procarbazina, lomustina e vincristina) ou temozolomida. Para análise de sobrevida global (SG) e sobrevida livre de progressão (SLP) foram realizadas análises univariadas e multivariadas, com acompanhamento médio de 78,4 meses.
Dos 305 pacientes incluídos, 67,9% foram tratados com PCV/RT e 32,1% com TMZ/RT. A SG mediana foi maior no grupo PCV/RT (não atingida) em comparação com o grupo TMZ/RT (140 meses). A análise univariada mostrou diferença significativa em favor de PCV/RT em SG de 5 anos (PCV/RT: 89%; TMZ/RT: 75%) e 10 anos (PCV/RT: 72%; TMZ/RT: 60%), confirmada no modelo multivariado ajustado para variáveis como idade, tipo de cirurgia, gênero, performance status e deleção homozigótica de CDKN2A. Concluiu-se que PCV/RT apresentou melhores resultados de SG em comparação com TMZ/RT em pacientes com oligodendrogliomas grau 3, recém-diagnosticados, sugerindo que o perfil de segurança superior do TMZ pode resultar em eficácia inferior nessa população.
O estudo ainda discute a maior quimiossensibilidade tumoral a tratamentos com associação de drogas em relação à agentes isolados, além de ressaltarem que a TMZ tende a induzir um perfil de hiper mutação tumoral, associada a pior prognóstico na recidiva. É de extrema importância a realização de estudos prospectivos e randomizados para consolidação desses dados.
N2M2/NOA-20: Ensaio clínico guarda-chuva de fase I/IIa de terapias molecularmente direcionadas combinadas com radioterapia em pacientes com glioblastoma recém-diagnosticado sem hipermetilação do promotor MGMT.
Wick et al. N2M2/NOA-20: Phase I/IIa umbrella trial of molecularly matched targeted therapies plus radiotherapy in patients with newly diagnosed glioblastoma without MGMT promoter hypermethylation.
Glioblastoma é a neoplasia mais agressiva do sistema nervoso central. A metilação do promotor MGMT confere melhor prognóstico a esses pacientes através da maior sensibilidade ao tratamento com agentes alquilantes, como a temozolomida (TMZ). Nesse contexto, esse estudo buscou avaliar a segurança, viabilidade e eficácia da substituição de TMZ em primeira linha por terapias alvo-dirigidas em pacientes com diagnóstico de glioblastoma, MGMT não-metilados, em adição a radioterapia padrão, iniciada em até 42 dias do pós-operatório.
O diagnóstico molecular e bioinformática eram realizados em até 28 dias após a cirurgia. Pacientes foram estratificados para tratamento em 5 subgrupos, conforme alteração molecular:
– Fusão de ALK -> alectinibe
– p53 selvagem e amplificação ou superexpressão de MDM2 -> idasanutlin
– Ativação de SHH -> vismodegibe
– Amplificação de CDK4/CDK6 ou codeleção CDKN2A -> palbociclibe
– Fosforilação de mTOR -> tensirolimus
– Os pacientes sem alterações alvo foram randomizados para APG101 (asunercepte) vs atezolizumabe vs temozolomida.
O objetivo primário do estudo fase 1 foi encontrar dose ideal e/ou validar a dose dos medicamentos. Na fase IIa, sobrevida livre de progressão em 6 meses (SLP-6) foi utilizada como desfecho para avaliação de eficácia com análise interina para futilidade (H0: p=0,231).
De maio de 2018 a julho de 2022, 301 pacientes foram incluídos e 228 indivíduos efetivamente tratados em 13 locais na Alemanha. Os subgrupos alectinibe e vismodegibe foram encerrados, já que nenhum paciente com correspondência molecular foi recrutado; o subgrupo de idasanutlina foi encerrado antes da dose ideal em nove pacientes, a critério da empresa fornecedora do medicamento. O subgrupo de TMZ mostrou SLP-6 de 18,52% (10/54 pacientes) (p=0,831) e sobrevida global (SG) mediana de 12,1 meses. Asunercepte: SLP-6 de 15,4% (4/26) (p=0,8825) e SG de 12,8 meses. Atezolizumabe: SLP-6 de 21,4% (9/42) (p=0,660) e SG de 11,7 meses. Palbociclibe com pacientes demonstrando amplificação de CDK4 ou codeleção de CDKN2A/B: SLP-6 de 24,4% (10/41) (p=0,4823) e SG de 12,6 meses. Tensirolimus com pacientes demonstrando ativação de mTOR: SLP-6 de 39,1% (18/46) (p=0,0109) e SG de 15,4 meses. A melhor resposta obtida nessa fase foi “doença estável”.
A taxa de toxicidade limitante do regime (TLR) é de 34,8%, ligeiramente acima da taxa pré-definida inaceitável para TLRs de 30%. A maioria dos TLRs teve gravidade grau 3, e um TLR teve gravidade grau 4. Nenhum TLR resultou em morte.
Embora tenha permitido uma avaliação molecular elaborada integrada à decisão terapêutica no tratamento inicial de glioblastomas MGMT não-metilados, a análise do estudo N2M2 poderia ter sido mais extensa, incluindo alvos como BRAF e inibidores NTRK.
Tensirolimus demonstrou atividade em pacientes com tumores que possuem a via mTOR ativada, embora ainda sem valor prognóstico; asunercepte e atezolizumabe não demonstraram atividade em pacientes não selecionados molecularmente; palbociclibe também não agregou benefício aos pacientes tratados.
Esse estudo mostrou potencial para integração de testagem molecular e terapias-alvo no tratamento de primeira linha para glioblastomas.
Alliance A071401: Ensaio clínico de fase II de abemaciclibe em pacientes com meningiomas grau 2/3 que possuem alterações somáticas nas vias NF2 ou CDK.
Brastianos, P. et al. Alliance A071401: Phase II trial of abemaciclib in patients with grade 2/3 meningiomas harboring somatic NF2 or CDK pathway alterations.
Após progressão a cirurgia e/ou radioterapia, os tratamentos sistêmicos para meningiomas são limitados. Estudos recentes buscaram avaliar alterações genéticas clinicamente acionáveis nesses tumores; a perda de NF2 e CDKN2A/B são comuns em meningiomas de graus mais elevados, sendo recentemente incorporadas nos guidelines da OMS para meningiomas grau 3, e promovem progressão tumoral em modelos pré-clínicos.
Esse estudo avaliou pacientes com tumores de grau 2/3 e mutações NF2 ou alterações na via de ciclinas (CDK), que foram tratados com abemaciclibe 200 mg via oral duas vezes ao dia até progressão da doença. Dois desfechos primários foram utilizados: sobrevida livre de progressão em 6 meses (SLP-6) e taxa de resposta (TR) pelos critérios de Macdonald; o estudo seria considerado positivo se qualquer um dos desfechos fosse alcançado. De 83 pacientes triados enquanto o braço de abemaciclibe estava aberto entre 15 de setembro de 2021 e 3 de outubro de 2022, 36 pacientes elegíveis receberam tratamento. O número médio de ciclos de tratamento administrados foi de 7 e o acompanhamento mediano desde o início do tratamento foi de 11 meses. Os primeiros 24 pacientes que preencheram os critérios de elegibilidade e iniciaram o tratamento foram considerados avaliáveis para a análise do desfecho primário. Dos 24 pacientes avaliados, 58% eram do sexo feminino e a idade mediana foi de 62 anos.
A taxa de SLP-6 observada foi de 54% (13/24 pacientes, intervalo de confiança de 95% 33-75%), assim, o estudo atingiu o desfecho de SLP-6. Não foram observadas respostas objetivas. Dos 36 pacientes que iniciaram o tratamento, oito apresentaram eventos adversos grau 3 e dois de grau 4, pelo menos possivelmente relacionados ao tratamento. As toxicidades de grau 3 incluíram anemia (2), neutropenia (2), leucopenia (1), visão turva (1), diarreia (2), fadiga (2), elevação de ALT (1), desidratação (1), hipercalemia (1), hiponatremia (1), tontura (1), lesão renal aguda (1) e evento tromboembólico (1). As toxicidades de grau 4 incluíram elevação de ALT (1), elevação de AST (1) e vômitos (1).
Em resumo, abemaciclibe foi bem tolerado e resultou em aumento na SLP-6. O desfecho geral do estudo foi alcançado. Dessa forma, mais estudos com abemaciclibe devem ser realizados para consolidação de possível melhora no tratamento sistêmico de meningiomas de grau 2/3 recidivados.
Tucatinibe-trastuzumabe-capecitabina para o tratamento de metástases leptomeníngeas em câncer de mama HER2+: Resultados do estudo de fase 2 TBCRC049.
O’Brien, BJ et al. Tucatinib-trastuzumab-capecitabine for treatment of leptomeningeal metastasis in HER2+ breast cancer: TBCRC049 phase 2 study results.
Pacientes com metástases leptomeníngeas (ML) tem prognóstico reservado e poucas opções terapêuticas. Tucatinibe é um inibidor potente e altamente seletivo da tirosina quinase direcionado ao HER2. A combinação de tucatinibe-trastuzumabe-capecitabina é aprovada para pacientes com câncer de mama HER2+ metastático, com ou sem metástases cerebrais, que receberam ≥ 1 regime anterior baseado em HER2 no contexto metastático.
O TBCRC049 (NCT03501979) é um estudo de fase 2 ide iniciativa do investigador que avalia a combinação de tucatinibe-trastuzumabe-capecitabina em adultos com câncer de mama HER2+ e ML recém-diagnosticadas. Os pacientes elegíveis tinham um status de desempenho de Karnofsky > 50 e ML não tratadas (definidas como citologia positiva do LCR e/ou evidência radiográfica de ML mais sinais/sintomas clínicos). Em ciclos de 21 dias, os pacientes receberam tucatinibe via oral, capecitabina via oral e trastuzumabe via intravenosa. O desfecho primário foi sobrevida global. A resposta objetiva de ML foi avaliada usando a combinação de imagem do neuroeixo, exame clínico neurológico e citologia do LCR, derivado do RANO-LM. Exame clínico incorporou a ferramenta de pontuação NANO e a avaliação de sintomas foi realizada utilizando MDASI-BT. Até 4 déficits neurológicos-alvo avaliados pelo provedor foram monitorados. Resultados relatados pelos pacientes (RRP) foram avaliados usando as ferramentas LASA e MDASI-BT.
O recrutamento foi planejado para 30 participantes, mas foi encerrado em 17 pacientes após a aprovação da FDA para tucatinibe (abril de 2020). Todos os pacientes (idade média 53 anos) tinham evidência de ML em ressonância magnética, 15 (88%) eram sintomáticos e 8 (47%) tinham citologia anormal do LCR. Na interrupção dos dados (20/07/2021), 5 (38%) de 13 pacientes elegíveis para avaliação alcançaram resposta objetiva de ML de acordo com os critérios compostos na primeira avaliação de resposta, e todos os 13 (100%) alcançaram benefício clínico (DE, RP ou RC). Notavelmente, 7 (58%) de 12 pacientes avaliáveis com déficits neurológicos-alvo no início do estudo apresentaram melhora dos déficits. Todos os 17 pacientes completaram ≥ 75% dos questionários de RRP – LASA e MDASI-BT – nos momentos pré-especificados. A melhoria média na pontuação LASA foi de 13,5, indicando melhora na qualidade de vida, e a melhoria média na pontuação MDASI-BT foi de 32, indicando redução da carga de sintomas.
Esta é a primeira evidência prospectiva de benefício clinicamente significativo, incluindo resposta objetiva, melhora dos sintomas e qualidade de vida, além de aumento de sobrevida, com tratamento sistêmico para ML de câncer de mama HER2+. Esses dados apoiam a tendência para o uso de terapia sistêmica como abordagem inicial em metástases no SNC.
Inibidores de tirosina quinase com e sem radioterapia cerebral inicial para metástases cerebrais em câncer de pulmão não pequenas células com mutações drivers (TURBO-NSCLC).
Miao, E. et al. Tyrosine kinase inhibitors with and without upfront CNS radiation for brain metastases in oncogene-driven non-small cell lung cancer (TURBO-NSCLC).
Inibidores de tirosina quinase (TKI) de nova geração para o tratamento de câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) com mutações EGFR e rearranjos ALK têm demonstrado boa atividade em sistema nervoso central (SNC), com taxas de resposta objetiva superiores em comparação aos TKIs de primeira geração. Em resposta a esses dados, diretrizes reconheceram a estratégia do uso de TKIs com penetração em SNC com ou sem radiocirurgia estereotáxica (SRS) inicial para o tratamento de pacientes selecionados com metástases cerebrais (MC). Historicamente, a radioterapia cerebral tem sido o padrão de tratamento, e há dados limitados orientando o manejo inicial de pacientes apenas com TKIs. Além disso, resultados de uma grande série multicêntrica relataram sobrevida global (SG) inferior com a omissão de SRS em pacientes com CPNPC com mutação em EGFR tratados com TKIs de primeira geração.
Desta forma, este estudo multicêntrico e retrospectivo analisou dados de pacientes com CPNPC com mutações em EGFR e ALK com MC, inicialmente tratados com TKIs com penetração em SNC, e com ou sem SRS inicial. O tempo até a progressão em SNC (PD), PD local no SNC e SG foram analisados, com ajuste multivariado (MVA) em modelos de riscos proporcionais para fatores como idade, sexo, performance, mutação, metástases extracranianas, terapias prévias, sintomas neurológicos e número e tamanho da MC.
317 pacientes foram incluídos no estudo (200 TKI apenas e 117 TKI+SRS). 250 (79%) e 61 (19%) pacientes receberam osimertinibe e alectinibe, respectivamente. Pacientes que receberam TKI+SRS foram mais propensos a ter MC ≥1 cm (p<0,001) e sintomas neurológicos (p<0,001) antes do início do tratamento. O acompanhamento mediano desde o tratamento da MC foi de 23 meses e 26 meses nos grupos TKI e TKI+SRS, respectivamente. A mediana de SG foi semelhante entre os grupos TKI e TKI+SRS (41 meses [IC 95%: 35-NA vs 40 meses [IC 95%: 40-NA], respectivamente; p=0,5). Na MVA, TKI+SRS foi associado a melhoria significativa no tempo até PD no SNC (HR 0,63; IC 95%, 0,42-0,96; p=0,033). O controle local do SNC apresentou melhora significativa com TKI+SRS (HR 0,30; IC 95%, 0,16-0,55; p<0,001), enquanto não foram observadas diferenças significativas no controle de novas lesões em SNC. Análises de subgrupos demonstraram maiores benefícios de controle do SNC com TKI+SRS em pacientes com MC ≥1 cm.
Este é o maior estudo multicêntrico comparando estratégias de TKIs com penetração em SNC com ou sem SRS inicial em pacientes virgens de TKI com CPNPC com mutações drivers. A adição de SRS melhorou o tempo até PD no SNC e o controle local do SNC, mas não a SG. Pacientes com MC ≥1 cm podem se beneficiar mais da integração inicial de SRS.
Avaliador científico:
Dra. Raíssa Pierri Carvalho
Residência médica na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP – Botucatu/SP
Oncologista Clínica na Beneficência Portuguesa de São Paulo – São Paulo/SP
Instagram: @raissapierri
Cidade de atuação: São Paulo/SP