SBOC REVIEW
Especial ASCO 2024 – Tumores de Cabeça e Pescoço
Uso adjuvante de camrelizumabe (anti-PD-1) em paciente com carcinoma de nasofaringe localmente avançado de alto riso – estudo DIPPER: ensaio clínico randomizado multicêntrico de fase 3, aberto
Jun Ma et al. Adjuvant PD-1 blockade with camrelizumab in high-risk locoregionally advanced nasopharyngeal carcinoma (DIPPER): A multicenter, open-label, phase 3, randomized controlled trial. DOI:10.1200/JCO.2024.42.17_suppl.LBA6000
DIPPER é um estudo chinês de fase 3, com pacientes portadores de carcinoma de nasofaringe localmente avançado de alto risco (T4N1M0 ou T1-T4N2-3M0) que receberam quimioterapia de indução com cisplatina + gencitabina seguido de quimiorradioterapia concomitante (QRT – neste caso, cisplatina 100 mg/m² a cada 21 dias por 2 ciclos + IMRT 69,96Gy/33 frações).
Com uma randomização 1:1 os pacientes foram alocados para adjuvância com camrelizumabe 200 mg EV D1 a cada 3 semanas por 12 ciclos ou placebo. O endpoint primário foi sobrevida livre de eventos (SLE) e endpoints secundários incluíram sobrevida global (SG), sobrevida livre de recorrência locorregional (SLRLC), sobrevida livre de metástases à distância (SLMD), toxicidade e qualidade de vida (EORTC-C30).
Com um total de 450 pacientes e follow-up mediano de 37 meses, o uso de imunoterapia adjuvante gerou uma SLE em 3 anos de 86,9%, enquanto no braço comparador o valor foi de 77,4% (HR 0,61; IC 95%, 0,38 – 0,96; p = 0,03), com apenas 3,9% de eventos imunomediados graus 3-4 reportados.
Para os desfechos secundários, a SLRLC gerou um ganho de 5,8% em favor da imunoterapia (HR 0,53; IC 95%, 0,28 – 0,99; p = 0,046), enquanto a SLMD teve um ganho de 7,9% em 3 anos em favor do camrelizumabe (HR 0,54; IC 95% 0,30 – 0,97; p = 0,037).
Entretanto, ainda não se observaram benefícios em SG (HR 0,80; IC 95%, 0,35 – 1,82; p = 0,587). Durante o tratamento não houve piora da qualidade de vida dos pacientes em tratamento com imunoterapia adjuvante.
Precisamos aguardar o amadurecimento dos dados de sobrevida global com um follow-up maior, mas o uso de camrelizumabe parece promissor em pacientes com tumor de nasofaringe localmente avançados de alto risco.
Uso de tislelizumabe versus placebo combinado com quimioterapia de indução seguido de quimiorradioterapia concomitante e tislelizumabe adjuvante versus placebo em pacientes com carcinoma de nasofaringe localmente avançado: análise interina de um ensaio clínico randomizado multicêntrico de fase 3, duplo-cego, controlado por placebo.
Hai-Qiang Mai et al. Tislelizumab versus placebo combined with induction chemotherapy followed by concurrent chemoradiotherapy and adjuvant tislelizumab or placebo for locoregionally advanced nasopharyngeal carcinoma: Interim analysis of a multicenter, randomized, placebo-controlled, double-blind, phase 3 trial. DOI:10.1200/JCO.2024.42.16_suppl.6001
O estudo BEACON foi um estudo chinês de fase 3 utilizando o agente anti-PD-1 tislelizumabe combinado tanto com a quimioterapia de indução (cisplatina + gemcitabina a cada 21 dias por 3 ciclos), quanto no cenário adjuvante ao término da quimiorradioterapia concomitante (QRT – neste caso, cisplatina 100 mg/m² a cada 21 dias por 2 ciclos), por 8 ciclos.
Foram selecionados pacientes com carcinoma de nasofaringe localmente avançado de alto risco, estádios III-IVa, com exceção daqueles com doença T3N0 e T3N1 com linfonodos retrofaríngeos comprometidos. A randomização foi de 1:1 para receber o anti-PD-1 na dose de 200 mg versus placebo a cada 21 dias por um total de 11 ciclos.
Endpoints coprimários foram a taxa de resposta completa (TRC) após a terapia de indução e sobrevida livre de progressão (SLP); para o primeiro desfecho, a análise interina foi planejada para ser feita 4 semanas ao término da terapia de indução. Com um total de 450 pacientes, cerca de 94% em cada braço completou os 3 ciclos de terapia de indução. Houve um ganho de 13,8% na taxa de resposta completa no braço da imunoterapia em comparação ao braço controle (30,5% vs 16.7%; p = 0.0006); tal benefício se manteve independentemente da estratificação dos participantes com base no estádio [III (33,8% vs 20,7%); IVa (28.7% vs 14.5%)], gênero [masculino (28,3 % vs. 15,7%); feminino (38% vs. 19,7%)] ou ECOG [0 (28,8% vs. 16,2%); 1 (40,6% vs. 19,4%)]. A taxa de reposta objetiva foi 93,3% para o tislelizumabe e 90,7% para o braço do placebo. Não houve diferenças significativas quanto ao perfil de toxicidade entre os braços – eventos ≥ grau 3 foram reportados em 40,6% dos pacientes que receberam imunoterapia e em 39,3% dos pacientes que receberam placebo.
Embora o estudo tenha sido positivo para o primeiro endpoint primário e gerado maiores taxas de resposta completa após a terapia de indução, ainda não há dados publicados sobre eficácia a longo prazo, assim como perfil de segurança. Portanto, ainda não há mudanças na prática clínica com este fármaco para pacientes com carcinoma de nasofaringe localmente avançado.
Follow-up a longo prazo do ECOG-ACRIN E3311, um estudo de fase II de pacientes com carcinoma de orofaringe HPV-relacionado (HPV+) submetidos a cirurgia transoral seguido de terapia adjuvante com base no resultado anatomopatológico.
Burtness et al. Long-term follow up of E3311, a phase II trial of transoral surgery (TOS) followed by pathology-based adjuvant treatment in HPV-associated (HPV+) oropharynx cancer (OPC): A trial of the ECOG-ACRIN Cancer Research Group. DOI: 10.1200/JCO.2024.42.16_suppl.6009
O estudo de fase 2 E3311 teve como objetivo avaliar os efeitos da desintensificação do tratamento adjuvante em pacientes com carcinoma de orofaringe HPV+ submetidos a cirurgia transoral e esvaziamento cervical; aqueles pacientes com risco intermediário (margens exíguas, EEN < 1 mm, 2-4 linfonodos comprometidos, IAL presente e/ou IPN positiva) eram randomizados entre radioterapia na dose padrão (IMRT 66Gy/30fx) vs dose reduzida (IMRT 50Gy/25fx), enquanto pacientes de baixo risco (pT1-T2N0-1, margens livres) não eram submetidos à terapia adjuvante e pacientes de alto risco (margens positivas, EEN > 1 mm e/ou ≥ 5 linfonodos comprometidos) eram tratados com quimiorradioterapia concomitante (cisplatina 40 mg/m² semanal + IMRT 66Gy/33fx).
O endpoint primário foi a sobrevida livre de progressão (SLP) em 2 anos para pacientes com risco intermediário. Endpoints adicionais incluíram SLP a longo prazo, sobrevida global (SG), taxa de recorrência locorregional (TRLC), desfechos de qualidade de vida e funcionalidade.
Com um total de 359 participantes, os dados apresentados aqui estão mais maduros descritos após um follow-up mediano de 52,4 meses. A SLP em 54 meses foi de 90,6% (IC 90%, 87,2 – 93,1%) e a SG em 54 meses foi de 95,3% (IC 90%, 93,0 – 96,9%). Estratificando a SLP com base no risco, para pacientes de baixo risco a SLP foi de 93,2% (IC 90%, 79,6% – 97,8%), aqueles com risco intermediário e dose reduzida de radioterapia 94,9% (IC 90%, 89,7% – 97,5%), aqueles com risco intermediário e dose padrão de radioterapia 90,2% (IC 90%, 82,7% – 94,6%) e para pacientes de alto risco 85,5% (IC 90%, 77,5% – 90,8%); não houve diferença de sobrevida entre os grupos de risco intermediário (p = 0,57).
Já na estratificação da SG, a SG foi de 97,1% (IC 90%, 85,7% – 99,4%) (baixo risco), 97,9% (IC 90%, 93,5% – 99,3%) (risco intermediário com radioterapia em menor dose), 95,1% (IC 90%, 90,1% – 97,6%) (risco intermediário com radioterapia na dose padrão) e 92,5% (IC 90%, 86,9% – 95,7%) (alto risco); não houve diferença de sobrevida entre os grupos de risco intermediário (p = 0,37). Os desfechos não foram diferentes se estratificados com base em topografia de sítio primário ou por tabagismo.
Portanto, com bases nesses dados, a desintensificação da radioterapia adjuvante para a dose de 50Gy em pacientes de risco intermediário não aumenta as taxas de recidiva nessa população. Chama atenção a baixa taxa de recorrência nos pacientes de baixo risco e todos os pacientes que recorreram eram N1. Omitir radioterapia nestes casos com linfonodo positivo aumenta o risco de recorrência. Importante ressaltar o baixo número de pacientes no braço de doença de baixo risco (n=38); dessa forma, ainda há que caracterizar melhor esses pacientes a fim de determinar o melhor tratamento.
Uso combinado de terapia HB-200 (baseada em arenavírus) com pembrolizumabe como terapia de primeira linha em pacientes com tumores de cabeça e pescoço HPV16-positivos recorrentes/metastáticos
Ho et al. HB-200 arenavirus-based immunotherapy plus pembrolizumab as first-line treatment of patients with recurrent/metastatic HPV16-positive head and neck cancer: Updated results. DOI:10.1200/JCO.2024.42.16_suppl.6005
Trata-se de um estudo de fase 1/2 e de braço único com pacientes com câncer de cabeça e pescoço (CCP) HPV16+ recorrentes/metastáticos, PD-L1 positivos (CPS ≥ 1) submetidos a terapia de primeira linha com HB-200 EV a cada 3 semanas por 5 doses (depois a cada 6 semanas) em combinação com pembrolizumabe (200 mg EV a cada 3 semanas ou 400 mg EV a cada 6 semanas), até progressão ou toxicidade inaceitável. HB-200 engloba 2 vetores de arenavírus atenuados que expressam a proteína de fusão E7E6 de uma versão não oncogênica do HPV16 e assim induz respostas específicas dos linfócitos TCD8 para os epítopos E6 e E7. O endpoint primário foi taxa de resposta objetiva. Endpoints secundários incluíram sobrevida livre de progressão (SLP), sobrevida global (SG), taxa de controle de doença e duração de reposta.
Dentro de uma mediana de follow-up de 5,6 meses, 42 pacientes foram tratados. Idade média foi de 66 anos (55 – 77), maioria homens (98%), caucasianos (88%) e virgens de quaisquer tratamentos com imunoterapia (95%); 33% tinham carga tabágica ≥ 10 anos/maço e 50% tinham CPS ≥ 20. A terapia combinada foi bem tolerada com apenas 14% apresentando eventos adversos ≥ grau 3 e 5% de descontinuação de tratamento. A taxa de resposta objetiva foi de 43% (incluindo 3 respostas completas) a taxa de controle de doença chegou a 71%. Entre pacientes com CPS ≥ 20, a taxa de resposta objetiva chegou a 59% (entrando aqui os 3 pacientes que atingiram resposta completa), enquanto a taxa de controle de doença chegou a 88%.
Este ano, pelo menos 7 trabalhos com vacina para o HPV em combinação com imunoterapia no CCP metastático/recorrente foram apresentados. Os dados de taxa de resposta são animadores, e o benefício parece ser mais robusto naqueles pacientes com CPS ≥ 20. Entretanto, ainda há imaturidade em dados de SLP e SG.
Avaliador científico:
Dr. Gilson Gabriel Viana Veloso
Especialização em oncologia clínica pela Santa Casa de Belo Horizonte – Belo Horizonte/MG
Mestre em Ciências da Saúde pelas Faculdades de Ciências Médicas de Belo Horizonte
Oncologista clínico no Grupo Oncoclínicas e Santa Casa de Belo Horizonte
Coordenador da residência médica em Oncologia da Santa Casa de Belo Horizonte.
Instagram: @gilsonveloso.oncologia e @gilsongabriel
Cidade de atuação: Belo Horizonte/MG