SBOC REVIEW
Highlights de Tumores Geniturinários
Board Review Uro – ASCO CHAARTED2: Cabazitaxel combinado à abiraterona versus abiraterona monodroga em pacientes com mCRPC previamente tratados com docetaxel no cenário mCSPC.
Kyriakopoulos et al. Cabazitaxel with abiraterone versus abiraterone alone randomized trial for extensive disease following docetaxel: The CHAARTED2 trial of the ECOG-ACRIN Cancer Research Group (EA8153).
O estudo CHAARTED foi um estudo de fase 3, que demonstrou ganho de sobrevida global para a combinação de docetaxel à ADT em pacientes com câncer de próstata metastático sensível à castração (mCSPC), especialmente para a população de alto volume de doença. Entretanto, quase a totalidade dos pacientes evolui para doença metastática resistente à castração (mCRPC). Neste contexto, o estudo CHAARTED2 levantou a hipótese de que a adição de quimioterapia a abiraterona erradicaria clones resistentes aos ARPI (androgen receptor pathway inhibitors), e, portanto, prolongaria resposta.
Trata-se de um estudo prospectivo de fase 2, randomizado, que incluiu pacientes com mCRPC com tratamento prévio com docetaxel para mCSPC (ao menos 3 ciclos), sem outros tratamentos prévios para mCRPC, e teve como desfecho primário sobrevida livre de progressão, definida como o tempo da randomização até progressão radiográfica, piora sintomática ou descontinuação do tratamento. Ao total, 223 pacientes foram randomizados 1:1 para tratamento com cabazitaxel, por até 6 ciclos, associado a abiraterona/prednisona ou para abiraterona/prednisona monodroga. A idade mediana dos pacientes foi de 63 anos no braço combinado e 66 anos no braço monodroga. A maioria dos pacientes era ECOG 0 (60%), raça branca (80% no braço combinado e 75% no braço monodroga), com score de Gleason 8-10 (cerca de 80%) e a mediana do PSA ng/mL foi de 13 em ambos os braços.
Metade dos pacientes teve progressão para mCRPC em < 12 meses. Aproximadamente 75% dos pacientes tinha alto volume de doença, mas sem doença visceral ao diagnóstico. Após um follow-up mediano de 47 meses, a sobrevida livre de progressão foi superior no braço da combinação de cabazitaxel + abiraterona, com PFS mediana de 14,9 meses versus 9,9 meses no braço monodroga (HR = 0,73; IC 95% 0,59-0,90; p =0,049). O benefício foi mais pronunciado em pacientes < 65 anos (15,6 vs 9,8 meses; p=0,08), ECOG 0 (20,9 vs 10,1 meses; p=0,01), tempo para mCRPC ≤ 12 meses (12,9 vs 5,1 meses; p=0,006) e sem metástases viscerais (18,1 vs 10,1 meses, p=0,01).
Quanto aos desfechos secundários, a queda do PSA em 12 semanas foi superior no braço da combinação (-87% vs -65%; p=0,003), além do menor nadir mediano (1 ng/mL vs 3,7 ng/mL; p=0,002). O tempo para progressão de PSA também foi superior no grupo da combinação: 10m vs 6,1 meses (HR 0,60; p=0,002). Não houve diferença em sobrevida global, entretanto, o estudo não tinha poder suficiente para esta análise. Além disso, o braço da combinação apresentou mais toxicidades, particularmente os eventos adversos hematológicos relacionados à quimioterapia.
À luz dos dados atuais, que confirmaram a associação de terapia dupla com ARPI + ADT ou terapia tripla (ARPI + docetaxel + ADT) são um novo padrão de tratamento, a aplicabilidade do esquema do estudo CHAARTED2 fica limitada.
HERCULES (LACOG 0218) trial: um estudo de fase II da adição de pembrolizumabe a quimioterapia baseada em platina em primeira linha de câncer de pênis avançado.
Maluf et al. A phase II trial of pembrolizumab plus platinum-based chemotherapy as first-line systemic therapy in advanced penile cancer: HERCULES (LACOG 0218) trial.
O carcinoma escamoso de pênis é uma neoplasia rara, porém mais incidente em países em desenvolvimento. Nas últimas décadas não houve avanços significativos no tratamento no CEC de pênis avançado. A quimioterapia baseada em platina é o padrão de tratamento atual, entretanto, apresenta eficácia limitada (doublet com ORR em torno de 20-30% e PFS 3 meses; triplet ORR 38-45%, com mais toxicidade e descontinuação do tratamento). A eficácia dos inibidores de checkpoint imune foi demonstrada em vários tipos de tumores, inclusive os associados ao HPV, como CEC de colo uterino e de cabeça e pescoço.
O estudo HERCULES foi um estudo de fase 2, braço único, que incluiu 37 pacientes de 11 centros brasileiros, com diagnóstico de CEC de pênis localmente avançados ou metastáticos, sem terapia sistêmica prévia para doença avançada, ou expostos a quimioterapia (neo) adjuvante há mais de 12 meses, ECOG 0 ou 1. Estes pacientes foram tratados com quimioterapia baseada em platina (carboplatina ou cisplatina + 5-FU) em combinação com pembrolizumabe, por 6 ciclos, seguido de pembrolizumabe de manutenção por até 34 ciclos.
O objetivo primário do estudo foi taxa de resposta (ORR) na avaliação do investigador. A idade mediana dos pacientes foi de 56 anos, a maioria dos pacientes era de raça negra ou afro-americana (59,5%) e com doença metastática (64,9%). Na análise de eficácia, foram incluídos 34 pacientes. A taxa de resposta foi de 39,4%, sendo que 1 paciente teve resposta completa, 36,4% dos pacientes tiveram resposta parcial e, 21,2%, doença estável. Qualquer redução tumoral foi vista em 75,8% dos pacientes. Após um follow-up mediano de 24 meses, a duração mediana de resposta foi de 5,9 meses (IC 95%, 4,4 – 9 meses), o tempo mediano para resposta de 1,4 meses (IC 95%, 1,3 – 1,8 meses). A PFS mediana foi de 5,4 meses (IC 95%, 2,7-7,2) e a OS mediana de 9,6 meses (IC 95% 6,4-13,2).
Uma análise exploratória de biomarcadores demonstrou maior resposta nos pacientes TMB-High versus low (75% vs 36,4%), HPV positivo versus negativo (55,6% vs 35%) e com expressão de PD-L1 <1% (66,7% vs 31,8% em ≥1%). As alterações genômicas mais frequentemente encontradas no NGS somático foram: TP53 (57,1%), CDKN2A (51,4%) e TERT (31,4%).
O perfil de segurança foi consistente com a literatura, com 51,3% dos pacientes apresentando eventos adversos grau 3 ou mais, principalmente decorrentes da quimioterapia. Eventos adversos imunomediados ocorreram em 21,6% dos pacientes (grau≥3 em 5,4%). O estudo HERCULES foi o primeiro a demonstrar a eficácia da imunoterapia no tratamento do câncer de pênis, com um perfil de toxicidades manejável.
Alliance A222001: Um estudo randomizado, duplo-cego, de fase 2 de oxibutinina versus placebo no tratamento de fogachos em homens recebendo ADT.
Stish et al. Alliance A222001: A randomized, double-blind, placebo controlled phase II study of oxybutynin versus placebo for the treatment of hot flashes in men receiving androgen deprivation therapy.
Os fogachos são sintomas comumente reportados pelos homens recebendo ADT. A oxibutinina é uma medicação que já demonstrou eficácia para reduzir fogachos em mulheres em um estudo randomizado prévio.
Neste contexto, o Alliance A222001 foi um estudo de fase 2, randomizado, duplo cego, que randomizou 2:1 homens recebendo ADT, com pelo menos 28 episódios de fogachos por semana para oxibutinina em duas doses (2,5 e 5 mg 2x/dia) ou placebo. O uso concomitante de abiraterona era permitido, porém não de outros ARPIs (androgen receptor pathway inhibitors). O desfecho primário foi comparar a eficácia de ambas as doses de oxibutinina no score de fogachos (frequência x severidade) comparado ao placebo. O período do estudo era de 6 semanas. Ao total, 88 pacientes foram recrutados, e 81 foram incluídos na análise final. As características dos pacientes eram balanceadas entre os braços. A média de fogachos foi de 10,1 (DP=5,55) por dia e o escore médio foi de 18,23 (DP=13,4) no momento da inclusão do estudo. Em média, os pacientes no grupo placebo, no grupo de baixa dose de oxibutinina (2,5 mg 2x/dia) e no grupo de alta dose de oxibutinina (5 mg 2x/dia) tiveram reduções de 2,15; 4,77 e 6,89 fogachos/dia, e redução do escore de fogachos em média 4,85; 9,94 e 13,95 pontos, respectivamente. Em comparação com o grupo placebo, os pacientes com dose de 10 mg diários de oxibutinina tiveram maior redução do número de fogachos (p<0,002) e do escore de fogachos (p=0,002). Os pacientes com dose de 5 mg diários tiveram redução do número de fogachos (p=0,02), e uma tendência a redução do escore em comparação ao placebo, porém esta última sem significância estatística (p=0,07). Quase 80% dos pacientes em uso de oxibutinina 10 mg ao dia apresentaram redução de mais de 50% nos fogachos, enquanto no grupo de 5 mg e no placebo foram cerca de 60% e 30%. A diferença na redução >50% das ondas de calor foi estatisticamente significativa favorecendo ambos os grupos de oxibutinina quando comparados ao placebo (p=0,009 e p=0,0031, para 10 mg e 5 mg, respectivamente). Não houve eventos adversos grau ≥ 3 relacionados ao tratamento. O evento adverso grau 2 mais comumente relacionado à oxibutinina foi xerostomia (2/28 pacientes com 10 mg e 3/28 pacientes com 5 mg).
Portanto, a oxibutinina é uma opção terapêutica para fogachos em pacientes em uso de ADT, considerando as limitações do estudo.
Impacto da exposição ao enfortumabe vedotin nos desfechos em pacientes com carcinoma urotelial localmente avançado ou metastático.
Petrylak et al. Impact of exposure on outcomes with enfortumab vedotin in patients with locally advanced or metastatic urothelial cancer
O enfortumabe vedotin (EV) em monoterapia foi aprovado no tratamento de 2ª ou 3ª linha de carcinoma urotelial locamente avançado ou metastático, com base nos estudos EV-201 e EV-301. A droga também demonstrou benefício em sobrevida global quanto combinado a pembrolizumabe em primeira linha, versus quimioterapia baseada em platina. A dose de EV em monoterapia nos estudos foi de 1,25 mg/kg D1, D8, D15 a cada 28 dias. Reduções de dose e interrupções podem ser recomendadas para manejar eventos adversos. Essa foi uma análise post-hoc dos estudos de EV em monoterapia, para avaliar o impacto potencial da dose-intensidade do EV no início do tratamento, bem como das modificações de dose.
Foram incluídos 155 pacientes do estudo EV 101, 125 pacientes do EV-201 e 301 pacientes do EV 301. Múltiplas coletas de sangue para avaliação da farmacocinética (PK) foram realizadas nos primeiros 2 ciclos, e nos ciclos subsequentes, a coleta foi realizada antes da administração da droga. A caracterização da resposta em função da dose e da exposição para avaliação de eficácia, bem como a resposta em função da exposição para os resultados de segurança, incluíram pacientes nos estudos EV-101, EV-201 e EV-301. Para estimar a concentração média do fármaco ao longo do tempo até o evento de interesse (Cavg), utilizou-se um modelo de PK populacional.
Nos 3 estudos, o EV teve um perfil de toxicidades consistente e manejável, sendo a neuropatia periférica a principal razão para redução de dose (7-17%) e descontinuação do tratamento (2-6%). As reduções para 1 mg/kg e 0,75 mg/kg ocorreram em 42% e 13% dos pacientes do EV-201, respectivamente, e em 35% e 11% dos pacientes do EV-301. No EV-301, a maioria dos pacientes manteve a dose de 1,25 mg/kg até o ciclo 7, com posterior redução de dose. O benefício em PFS e OS para EV versus quimioterapia foi visto em todos os quartis de dose-exposição no EV-301, inclusive nas modificações de dose. Os pacientes que necessitaram de redução de dose ou mesmo interrupção, ao retomar o EV mantinham o benefício do tratamento. Um dado importante foi que a exposição inicial maior ao EV nos primeiros 2 ciclos foi associada a uma maior taxa de resposta, e foi consistente com a dose-resposta (0,75 mg/kg: 21,4% {n=14}; 1 mg/kg: 18,5% {n=27} e 1,25 mg/kg: 40-51,1% {n=613}). Menor exposição ao EV também foi associado a menor risco de eventos cutâneos ≥ grau 3, neuropatia periférica ≥ grau 2 e hiperglicemia ≥ grau 3 (p=0,0001).
Portanto, iniciar o tratamento com EV na dose de 1,25 mg/kg e reduzir devido a toxicidades é seguro, mantendo a eficácia do tratamento.
Análises de ctDNA e associação com desfechos em pacientes do estudo PSMAfore.
De Bono et al. Baseline ctDNA analyses and associations with outcomes in taxane-naive patients with mCRPC treated with 177Lu-PSMA-617 versus change of ARPI in PSMAfore
O estudo PSMAfore randomizou pacientes com mCRPC com progressão de doença a um ARPI (androgen receptor pathway inhibitors), virgens de tratamento com taxano, ECOG 0-1, com pelo menos 1 lesão PSMA-positiva no Ga68-PSMA-11 PET/CT a tratamento com 177Lu-PSMA-617 ou switch de ARPI (abiraterona ou enzalutamida). Seus resultados de eficácia, com ganho de sobrevida livre de progressão radiográfica para o radiofármaco, foram apresentados na sessão presidencial da ESMO 2023, e na ASCO 2024 foi apresentada a análise exploratória de biomarcadores.
Coletas de sangue foram realizadas baseline para análise de ctDNA, realizada através de um painel customizado de 585 genes. A fração de ctDNA baseline e sua dinâmica foram avaliadas em todas as amostras passaram por um controle de qualidade. As amostras com fração de ctDNA > 0,5% foram analisadas quanto à associação das alterações baseline e desfechos, que foram rPFS, PSA50 e resposta por RECIST. Das 360 amostras de 468 pacientes, 255 passaram no controle de qualidade e 156 apresentaram fração de ctDNA superior a 1% (mediana de 5,85%; intervalo de 0 a 85). A detecção de alterações de ctDNA foi comparável entre os grupos e com dados publicados. Uma fração de ctDNA maior baseline foi associada a pior rPFS, independente do tratamento recebido (mediana de 2,55m em ctDNA>0,5% e 13,3m em ctDNA ≤ 0,5%). O 177Lu-PSMA-617 prolongou rPFS em comparação com a troca para outro ARPI, a despeito da fração de ctDNA encontrada. Frações menores de ctDNA foram encontradas nos respondedores, em comparação com os não respondedores. Além disso, um clearance precoce do ctDNA foi associado a rPFS mais longa (p=0,00004).
Foram selecionadas 18 características genômicas prevalentes em >10% dos pacientes, entre elas biomarcadores prognósticos já conhecidos, como amplificações em AR, amplificações em MYC e no cromossomo 8q, alterações deletérias em TP53 e alterações na via do PIK3CA. A mediana de rPFS foi menor para pacientes com detecção de alterações nos genes AR (HR 1,954; IC 95%, 1,333–2,865; p < 0,001), TP53 (HR 1,655; IC 95%, 1,13–2,426; p < 0,01) e PTEN (HR 1,62; IC 95%, 1,018–2,578; p < 0,05). A presença de amplificação 8q, amplificação de AR ou alterações deletérias em TP53 foram associadas a menor resposta tumoral com 177Lu-PSMA-617.
Estes dados reafirmam o papel prognóstico desses biomarcadores.
Avaliador científico:
Dra. Aline Bobato Lara Gongora
Residência em Oncologia Clínica pelo Hospital Sírio-Libanês – São Paulo/SP
Doutoranda em ciências da saúde no Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês.
Oncologista clínica no Centro Médico Gastroclínica e no Hospital do Câncer UOPECCAN – Cascavel/PR.
Instagram: @draaline.oncologia
Cidade de atuação: Cascavel/PR