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SBOC REVIEW

Imunoterapia adjuvante no carcinoma hepatocelular ressecado com alto risco de recidiva

Resumo do artigo:

O carcinoma hepatocelular (HCC/CHC) é uma condição clínica de alta morbimortalidade que ainda carece, a despeito do alto risco de recorrência, de tratamento adjuvante. Até então, os inibidores de tirosina quinase (notadamente, o sorafenibe), haviam sido aventados como estratégia adjuvante; entretanto, os dados de eficácia são contraditórios, e o tratamento não é considerado padrão (dados retrospectivos e de pequenas coortes mostram benefício em sobrevida, mas o estudo STORM – prospectivo e randomizado – não foi capaz de provar a eficácia de sorafenibe adjuvante).

O emprego de inibidores de checkpoint imunológicos possui racional teórico de poder reduzir o risco de recorrência precoce por meio da eliminação de doença residual, estimulando o sistema imunológico a reconhecer células neoplásicas e reduzindo a ocorrência de novos tumores. Sendo assim, desenhou-se este ensaio clínico de fase 2, randomizado e aberto, para avaliar a eficácia do anticorpo anti-PD-1 sintilimabe.

Neste estudo, conduzido em 6 hospitais chineses, cerca de 200 pacientes com hepatocarcinoma ressecado sem recorrência dentro de 4-6 semanas após a intervenção cirúrgica foram randomizados para receber sintilimabe ou a serem acompanhados (vigilância ativa). Os pacientes do grupo intervenção receberiam 200 mg de sintilimabe a cada 3 semanas por até 8 ciclos, completando cerca de 6 meses de tratamento adjuvante. O objetivo primário do estudo foi a avaliação da sobrevida livre de recorrência.

Para inclusão, os pacientes deveriam ser portadores de HCC com invasão microvascular (fator de risco para recidiva), estádio A de BCLC (Barcelona Clinic Liver Cancer), apresentar ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group) zero (ou seja, assintomático) e, se presença de cirrose, escore de Child-Pugh A. Por fim, esta população foi representada majoritariamente por homens (mais de 80% em ambos os grupos), jovens (mediana de 53-54 anos), com hepatite B como a principal etiologia da neoplasia (70-75% dos casos) e com tumores únicos em quase 90% dos casos. As principais diferenças entre os grupos são representadas pela incidência de cirrose (12% menos frequente no grupo intervenção) e pelo grau da invasão microvascular (em que há 10% menos pacientes com invasão de alto risco no grupo que recebeu sintilimabe).

Entre os pacientes tratados com sintilimabe, cerca de 80% da coorte completou os 8 ciclos previstos de imunoterapia (os demais pacientes não o fizeram principalmente por recorrência de doença ou pelo surgimento de eventos adversos). Durante o acompanhamento, houve 103 eventos de recorrência ou morte (41 eventos no grupo intervenção e 62 eventos no grupo controle). Com o uso da imunoterapia adjuvante, houve prolongamento da sobrevida livre de recorrência a favor do braço intervenção: a mediana aumentou de 15,5 meses para 27,7 meses, se traduzindo numa redução do risco de recorrência ou morte de 46,6%. A análise de sobrevida global, entretanto, não demonstrou – até o momento da publicação – diferença entre os grupos.

Em relação à segurança, mais de 80% (grupo intervenção) e mais de 40% (grupo controle) dos pacientes apresentaram eventos adversos; as principais toxicidades de graus 3-4 foram aumento de AST/ALT e anemia (menos de 15% dos pacientes apresentaram toxicidades graves). No grupo que recebeu imunoterapia, outras toxicidades como febre e fadiga também foram observadas.
Em suma, este estudo de fase 2 demonstrou que a imunoterapia adjuvante é capaz de prolongar a sobrevida livre de recorrência de pacientes com HCC ressecado.

 

Comentário do avaliador científico:

Em uma doença de alto risco de recorrência como o HCC, é razoável compreender a necessidade de tratamentos adjuvantes, como o que foi avaliado neste estudo de fase 2, em que se observa benefício clínico inequívoco com aumento absoluto de 12 meses de sobrevida livre de recorrência entre os pacientes tratados com imunoterapia.

Entretanto, uma série de questões devem ser ponderadas: (1) apesar de contar com cerca de 200 pacientes, este é um estudo de fase 2 e, portanto, conclusões definitivas sobre a eficácia e a aplicabilidade clínica da intervenção devem ser feitas com cautela; (2) o desenho aberto (open label) pode ser responsável pelo surgimento de viés, em especial numa população pequena, como é este caso; (3) as etiologias mais comuns do hepatocarcinoma na China não necessariamente refletem a epidemiologia do Brasil, o que poderia comprometer a validade externa dos dados de eficácia descritos; (4) os critérios de seleção são bastante restritos, em que apenas pacientes assintomáticos e cirróticos com excelente controle de doença poderiam ser eventuais candidatos à adjuvância; no mundo real, o cenário é muito mais adverso, e certamente menos pacientes poderiam se enquadrar nestes parâmetros; (5) não houve crossover entre os tratamentos após a recorrência, o que pode ser parcialmente compreensível pela necessidade de um tratamento sistêmico mais eficaz do que imunoterapia em monoterapia na eventualidade de recorrência à distância.

É essencial a reflexão, também, do quanto a oferta de inibidor de checkpoint imunológico em monoterapia impacta na decisão de tratamento sistêmico de primeira linha, haja vista que, no Brasil, há 2 aprovações de tratamentos de combinação para pacientes com tumores localmente avançados/metastáticos que incorporam inibidores de checkpoint imunológicos (bevacizumabe e atezolizumabe; durvalumabe e tremelimumabe).

Assim como os autores pontuam na discussão, há necessidade de validação dos achados em estudo multicêntrico de fase 3; desta forma, seria possível depreender de forma mais acurada o benefício agregado ao uso de sintilimabe adjuvante no carcinoma hepatocelular ressecado com alto risco de recidiva.

 

Citação: Wang K, Xiang YJ, Yu HM, et al. Adjuvant sintilimab in resected high-risk hepatocellular carcinoma: a randomized, controlled, phase 2 trial. Nat Med. 2024;30(3):708-715. doi:10.1038/s41591-023-02786-7

 

Avaliador científico:

Antônio Pedro Nicoletti

Oncologista Clínico pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Mestrado em Ciências da Saúde pela UFRGS; Aperfeiçoamento em Oncogeriatria pelo Hospital Sírio-Libanês; Título de Especialista pela SBOC/AMB

Atuação como Oncologista Clínico na Clínica SOMA e no Centro de Pesquisas Oncológicas – CEPON (Florianópolis/SC)

Cidade de atuação: Florianópolis