SBOC REVIEW
Imunoterapia combinada à quimioirradiação definitiva no câncer de cabeça e pescoço localmente avançado não demonstra benefício
Resumo do artigo:
O estudo fase 3, duplo-cego KEYNOTE-412 incluiu pacientes com primodiagnóstico de câncer de cabeça e pescoço de alto risco não ressecável, localmente avançado. Os pacientes foram randomizados na proporção de 1:1 para receberem pembrolizumabe (200mg) associado a quimioirradiação ou placebo associado a quimioirradiação. Randomização foi estratificada por escolha do esquema de radioterapia a critério do investigador, sítio tumoral, e status p16 (p16 positivo para orofaringe vs p16 negativo para orofaringe ou laringe, hipofaringe e cavidade oral), e estádio da doença (III vs IV); os pacientes foram alocados nesses quatro blocos de forma aleatória.
Pembrolizumabe e placebo foram administrados de forma intravenosa a cada 3 semanas por até 17 doses (uma antes da quimioirradiação, duas durante a quimioirradiação, seguido de 14 doses como terapia de manutenção). Quimioirradiação incluiu cisplatina (100mg/m2) a cada 3 semanas de 2 a 3 ciclos e radioterapia acelerada ou de fracionamento padrão (70 Gy, dispensados em 35 frações).
O objetivo primário do estudo consistiu em avaliar sobrevida livre de eventos, definido como tempo da randomização para data de progressão loco regional, recorrência, ou metástase à distância pelo RECIST 1.1 por revisão central cega ou por biópsia quando indicada; cirurgia de resgate do sítio primário tumoral quando câncer invasivo presente; dissecção cervical ou cirurgia realizada por progressão clínica ou radiográfica da doença dentro de 20 semanas após término da quimioirradição quando o tumor primário é persistente; biópsia após 12 semanas ou mais após término de quimioirradiação demonstrando carcinoma invasivo na ausência de cirurgia de resgate do tumor primário ou dissecção linfonodal; ou morte por qualquer causa, o que ocorresse primeiro. Objetivos secundários foram sobrevida global, definida como tempo da randomização até morte por qualquer causa, segurança e mudança da linha de base em status de saúde global/qualidade de vida e condição física, avaliada usando questionário de qualidade de vida do EORTC, e sintomas de deglutição, fala e dor usando EORTC QLQ módulo de cabeça e pescoço.
O tempo médio de randomização à data de corte foi 47,7 meses, sendo incluídos 402 pacientes para o grupo de pembrolizumabe e 402 para o grupo placebo. A razão mais comum de descontinuidade de tratamento foi toxicidade. Na análise final, 129 (32%) de 402 pacientes no grupo pembrolizumabe e 143 (36%) de 402 pacientes no grupo placebo morreram, restando 273 (68%) e 259 (64%) dos participantes respectivamente na análise de Kaplan-Meier.
Estimativa de sobrevida global em 36 meses no grupo pembrolizumabe versus placebo foi 72% (IC 95%, 67–76) versus 70% (65–74) na população por intenção de tratar – HR 0,90 (0,71–1,15). No subgrupo pré-especificado PD-L1 com CPS≥1: 71% (66–76) versus 70% (65–75) – HR 0,87 (0,67–1,13).
Eventos adversos que levaram à descontinuidade do estudo foram presente em 41% dos pacientes no grupo de pembrolizumabe e em 33% no grupo placebo. Eventos adversos graves ocorreram em 245 (62%) no grupo pembrolizumabe e 197 (49%) no grupo placebo.
Neste estudo pembrolizumabe administrado imediatamente antes, durante e após quimioirradiação não aumentou significativamente sobrevida livre de eventos comparado à quimioirradiação isolada em pacientes com câncer de cabeça e pescoço irressecável, de alto risco, localmente avançado comparado à quimioirradiação (HR 0,83; IC 95% 0,68–1,03; p=0,043).
Análises post-hoc sugeriram que expressão de PD-L1 pode afetar a atividade de pembrolizumabe em combinação com quimioirradiação.
Não está certo ainda se a adição de pembrolizumabe à quimioirradiação não aumentaria a eficácia no KEYNOTE-412. É possível que na análise final de 37 meses, após análise do último participante inscrito, conforme permitido pelo protocolo, possa demonstrar benefício de acréscimo de pembrolizumabe além do número de eventos planejados. Nesse estudo, o grupo que recebeu quimioirradiação isolada apresentou melhores resultados que em estudos prévios, como RTOG 0129.
O estudo considera esta ausência de benefício com a possível modificação do microambiente tumoral e bloqueio do reação imune antitumoral com depleção de células T outras células imunes com a proximidade da administração de radioterapia à imunoterapia, reduzindo a inibição PD-1 e PD-L1.
O estudo também justifica que a inclusão de pacientes p16 positivos, que têm uma biologia tumoral frequentemente associada a melhor quimio e radiossensibilidade, bem como melhor prognóstico.
E, por último, quando KEYNOTE-412 foi desenhado, a utilidade de expressão de PDL-1 não era conhecida. Na análise primária foi considerada toda a população independente de expressão de PDL-1. Todavia, os resultados do estudo mostraram que apenas os participantes que expressaram PD-L1 (particularmente PD-L1 CPS ≥ 20, em análise post-hoc) parecem derivar benefício de pembrolizumabe associado à quimioirradiação. Uma tendência similar foi observada no JAVELIN Head and Neck 100, no qual o único subgrupo que se beneficiou da adição de avelumabe versus placebo foi aquele com expressão de PD-L1 em mais de 25% das células tumorais.
Comentário do avaliador científico:
O cenário de doença localmente avançada irressecável permanece um campo de estudo em busca de terapias mais eficazes e, apesar de terapia multimodal, a sobrevida em 5 anos para câncer de cabeça e pescoço localmente avançado é cerca de 50%. A associação com pembrolizumabe não acarretou melhora de sobrevida livre de eventos nesse cenário.
Apesar do racional de combinar imunoterapia com radioterapia, nenhum estudo randomizado de imunorradioterapia ou imunoquimiorradioterapia atingiu seu objetivo primário. O estudo JAVELIN Head and Neck 100 também foi um estudo robusto, de fase 3, que avaliou o anticorpo monoclonal anti-PD-L1 avelumabe pré, durante e de manutenção pós-quimioirradiação. A razão de risco para o objetivo primário sobrevida livre de progressão foi 1,21 (IC 95%, 0,93 – 1,57) a favor do grupo placebo em quase todos os subgrupos. Deve-se considerar que a elegibilidade de estádio do tumor e linfonodal diferiu entre os 2 estudos, assim como o uso de inibidor de PD-1 e PD-L1, o que pode explicar a diferença de resultado nos ensaios.
Em 24/06/24 foi anunciada a descontinuação do estudo TrilynX (randomizado, de Fase 3) que avaliou xevinapant (uma pequena molécula inibidora da proteína de apotose) mais quimiorradioterapia em pacientes com carcinoma espinocelular localmente avançado não ressecado de cabeça e pescoço. Tal decisão segue-se a uma análise interina pré-planeada realizada pelo Comitê Independente de Monitorização de Dados do estudo, que concluiu que seria pouco provável que o ensaio cumprisse o seu objetivo principal de prolongar sobrevida livre de eventos. Apesar dos esforços no desenvolvimento de novas terapia, e da disponibilidade de um conhecido arsenal de radiossensibilizantes úteis, porém inferiores (como carboplatina e cetuximabe): a boa e velha cisplatina permanece como tratamento de escolha nos pacientes elegíveis.
Citação:
Machiels, J P, Yungan Tao, Y, Licitra, L et al. Pembrolizumab plus concurrent chemoradiotherapy versus placebo plus concurrent chemoradiotherapy in patients with locally advanced squamous cell carcinoma of the head and neck (KEYNOTE-412): a randomised, double-blind, phase 3 trial Lancet Oncol 2024; 25: 572–87 Published Online March 29, 2024 https://doi.org/10.1016/ S1470-2045(24)00100-1
Avaliador científico:
Theara Cendi Fagundes
Residência em Oncologia pelo Hospital das Clínicas da UFMG, mestrado em Medicina Molecular pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Oncologista do Grupo Oncoclínicas e do Instituto da Previdência do Estado de Minas Gerais.
Preceptora da residência médica em Oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG.
Instagram: @drathearaoncologista
Cidade de atuação: Belo Horizonte/Contagem MG