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Manejo não operatório de tumores com deficiência de reparo de DNA (dMMR) [▶ Comentário em vídeo]
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Resumo do artigo:
Publicado no New England Journal of Medicine, o estudo de fase 2 (NCT04165772) é um marco no avanço das terapias personalizadas guiadas por biomarcadores moleculares, ao investigar a eficácia da imunoterapia (IT) neoadjuvante com dostarlimabe — um anticorpo monoclonal humanizado anti-PD-1 — em pacientes com tumores sólidos iniciais estágio I, II ou III, passíveis de cirurgia com intenção curativa, com deficiência no sistema de reparo de DNA por incompatibilidade de pares de bases (dMMR).
Tradicionalmente, a ressecção cirúrgica é o padrão curativo para tumores sólidos localizados, mas envolve alta morbidade e comprometimento funcional, especialmente em regiões críticas como o reto. Esta investigação propõe redefinir paradigmas oncológicos ao explorar o manejo não operatório baseado na resposta clínica completa (RCC) após IT.
O ensaio clínico recrutou 117 pacientes com tumores sólidos dMMR em estágio inicial e os dividiu em 2 coortes: a primeira composta por 49 pacientes com câncer retal dMMR, e a segunda por 68 pacientes com outras neoplasias dMMR ressecáveis, incluindo TGI, cólon, ginecológicos, geniturinários, entre outros. Todos os pacientes receberam regime neoadjuvante com dostarlimabe IV na dose de 500 mg a cada 3 semanas por 6 meses (nove ciclos), seguido de reavaliação por métodos endoscópicos, radiológicos e histopatológicos. Aqueles com RCC puderam optar por um seguimento expectante não cirúrgico, enquanto a cirurgia com intenção curativa foi reservada aos casos de resposta parcial ou ausência de resposta.
Na coorte 1, os desfechos primários foram resposta objetiva e clínica sustentada por 12 meses após dostarlimabe, com ou sem QT/RT, em pacientes sem cirurgia ou com resposta patológica completa (RpC). Na coorte 2, as análises foram exploratórias, incluindo sobrevida livre de recidiva (SLR), segurança e perfil genômico, além de comparação de respostas.
Na coorte 1, todos os 49 pacientes com câncer retal dMMR alcançaram RCC com dostarlimabe, optando pelo manejo não operatório; destes, 39 (76%) mantiveram RCC sustentada após 12 meses, sem necessidade de intervenção cirúrgica. Na coorte 2, com outras histologias dMMR, 54 pacientes completaram o protocolo terapêutico, 35 (65%) apresentaram RCC e 33 (61%) escolheram evitar a cirurgia, sendo monitorados por vigilância ativa. Dois realizaram cirurgia eletiva com RpC.
Globalmente, entre os 103 pacientes que concluíram o tratamento em ambas as coortes, 84 (81,5%) tiveram RCC, e 82 (79,6%) não foram submetidos à cirurgia. A taxa de SLR em 2 anos foi de 92% (IC de 95%, 86–99), com mediana de seguimento de 20 meses (0 a 60,8), sugerindo que a IT isolada pode ser suficiente para erradicação tumoral sustentada em uma proporção significativa de casos dMMR. A maioria dos pacientes (95%) apresentou eventos adversos (EA) reversíveis graus 1 ou 2 (60%) ou não apresentou EA (35%). Nenhum paciente teve a cirurgia curativa comprometida, mitigando o receio de perda da janela terapêutica operatória com o uso neoadjuvante de dostarlimabe.
Os resultados obtidos são expressivos e reforçam o racional de uma abordagem imunológica personalizada para tumores dMMR. A IT neoadjuvante com dostarlimabe demonstrou elevada eficácia na indução de RCC sustentada em tumores sólidos iniciais, com altas taxas de preservação orgânica e baixa toxicidade. Esses resultados consolidam o bloqueio de PD-1 como uma estratégia não operatória segura e eficaz, configurando uma alternativa terapêutica encorajadora com menor morbidade.
Comentário da avaliadora científica:
O estudo liderado por Cercek et al. fornece evidência robusta de que a imunoterapia neoadjuvante com dostarlimabe (bloqueio de PD-1 com agente único) pode não apenas induzir resposta tumoral completa em tumores sólidos dMMR, mas também permitir uma mudança substancial no paradigma do tratamento oncológico, viabilizando estratégias conservadoras que priorizam a preservação anatômica e funcional. Além disso, os achados contribuem para consolidar uma nova era da oncologia, em que decisões terapêuticas são cada vez mais fundamentadas em características moleculares do tumor, reforçando a importância da testagem sistemática de dMMR em tumores sólidos, inclusive nos estágios iniciais.
O modelo de manejo não operatório guiado por resposta completa à imunoterapia apresenta-se, assim, como uma alternativa promissora para ampliar o acesso à desospitalização, reduzir morbidade e promover uma oncologia verdadeiramente personalizada, evitando procedimentos invasivos sempre que possível.
Citação: Cercek A, Foote MB, Rousseau B, Smith JJ, Shia J, Sinopoli J, et al. Nonoperative Management of Mismatch Repair-Deficient Tumors. N Engl J Med. 2025 Apr 27. doi: 10.1056/NEJMoa2404512. Epub ahead of print. PMID: 40293177.
Avaliadora científica:
Dra. Kalysta de Oliveira Resende Borges
Hematologista pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) – Ribeirão Preto/SP
Título de Especialista em Oncologia Clínica pela SBOC/AMB
Responsável técnica pela Oncológica do Brasil – Unidade Tapajós – STM/PA
Coordenadora do programa de residência médica em Oncologia clínica da UEPA
Doutoranda em Engenharia de Recursos Naturais da Amazônia – ITEC/UFPA
Instagram: @kalysta6
Cidade de atuação: Santarém/PA
Análise realizada em colaboração com o oncologista sênior Dr. Duílio Rocha Filho.