SBOC REVIEW
Nivolumabe e Ipilimumabe neoadjuvantes e nivolumabe adjuvante em câncer gástrico ou de junção esofagogástrica localizado com instabilidade de microssatélite/deficiência de mismatch repair
Resumo do artigo:
A instabilidade de microssatélites (MSI-H)/deficiência de proteínas de mismatch repair (dMMR) é identificada em cerca de 10% dos cânceres gástricos e de junção esofagogástrica, podendo estar presente em até 48% em pacientes com mais de 85 anos. Na doença localizada, a identificação de MSI-H/dMMR está associada a melhor prognóstico, mas menor benefício dos tratamentos (neo)adjuvantes disponíveis. A melhor estratégia de tratamento para estes pacientes ainda não está determinada, havendo metanálise de dados individuais sugerindo ausência de benefício do tratamento perioperatório.
Considerando o crescente papel da imunoterapia nos cânceres gastrointestinais MSI-H/dMMR e o benefício duvidoso do tratamento quimioterápico perioperatório neste pacientes, o estudo GERCOR NEONIPIGA foi planejado como um estudo de fase II braço único para investigar a atividade de nivolumabe e ipilimumabe neoadjuvantes, seguidos de cirurgia e nivolumabe adjuvante, em pacientes com câncer gástrico ou de junção esofagogástrica localizado que apresentam instabilidade de microssatélites/deficiência de mismatch repair.
Neste estudo, pacientes com câncer gástrico ou de JEG cT2-4cN0/+M0 receberam de forma neoadjuvante 6 ciclos de nivolumabe 240 mg a cada 2 semanas e 2 ciclos ipilimumabe 1 mg/Kg a cada 6 semanas totalizando 12 semanas, seguidos de cirurgia 4-6 semanas após a última aplicação do tratamento. Pacientes com TRG de Becker menor que 3 poderiam receber então 9 ciclos adicionais de nivolumabe 480 mg a cada 4 semanas.
O desfecho primário escolhido foi taxa de resposta patológica completa (pCR) aferida pelas classificações de Mandard e de Becker. Desfechos secundários incluíram sobrevida livre de evento (SLE) e sobrevida global (SG). Eventos adversos (EAs) com etiologia potencialmente imunomediada conforme determinado pelo investigador foram considerados eventos adversos relacionados ao tratamento (EARTs). Morbidade pós-operatória foi avaliada até 90 dias após cirurgia e foi graduada conforme a classificação de Clavien-Dindo.
Foram incluídos 32 pacientes, sendo 50% com câncer gástrico e 50% com câncer de JEG; 62% cT3cN+; e 22% pacientes com Síndrome de Lynch. Vinte e sete (84%) pacientes receberam todos os ciclos neoadjuvantes planejados. Dos 29 pacientes que realizaram cirurgia, 58,6% (N = 17; IC 95%, 41,8% - 74,1%) atingiram pCR. Além disso, outros 14% (N = 4) apresentavam doença residual menor do que 10%. Ressecção R0 foi atingida em 100% (N = 29) dos pacientes operados e 79% (N = 23) destes seguiram o período de adjuvância com Nivolumabe, estando ainda 20% (N = 6) em tratamento. Dos 3 pacientes que não receberam cirurgia, 2 apresentaram resposta clínica completa e declinaram o procedimento, e um apresentava doença metastática desde o screening, tendo sido erroneamente incluído no estudo.
Com um seguimento de 14,9 meses (intervalo, 3,4 – 25,8; IC 95%, 10,6 – 17,6), nenhuma recidiva foi diagnosticada até o momento. 19% (N= 6) dos pacientes apresentaram EARTs, 5 deles necessitando suspensão do medicamento antes da cirurgia por colite/ileíte (N = 2), hepatite (N = 1), gastrite (N = 1), e estenose pilórica relacionada à pseudoprogressão com pCR documentada em biópsia (N = 1). Dezesseis pacientes (55%) apresentaram complicações cirúrgicas. Um paciente faleceu no terceiro dia de pós-operatório, por complicações cirúrgicas não relacionadas ao tratamento em estudo.
Por fim, este estudo demonstrou uma alta taxa de resposta patológica completa, sem sinais de aumento de risco de complicações cirúrgicas e sem novos sinais de segurança, em pacientes com câncer gástrico ou de junção esofagogástrica localizado MSI-H/dMMR tratados com imunoterapia perioperatória.
Thierry André, David Tougeron, Guillaume Piessen, et al. Neoadjuvant Nivolumab Plus Ipilimumab and Adjuvant Nivolumab in Localized Deficient Mismatch Repair/Microsatellite Instability-High Gastric or Esophagogastric Junction Adenocarcinoma: The GERCOR NEONIPIGA Phase II Study. J Clin Oncol. 2022 Aug 15;JCO2200686. doi: 10.1200/JCO.22.00686. Online ahead of print.
Nivolumabe e Ipilimumabe neoadjuvantes e nivolumabe adjuvante em câncer gástrico ou de junção esofagogástrica localizado com instabilidade de microssatélite/deficiência de mismatch repair.
Comentário do avaliador científico:
A imunoterapia neoadjuvante tem apresentado resultados favoráveis em neoplasias gastrointestinais localizadas com MSI-H/dMMR, tanto no câncer de cólon (estudos NICHE e NICHE-2), câncer de reto (Cercek 2022, NEJM) e câncer gástrico ou de JEG (presente estudo). Em especial, estes estudos compartilham de altas taxas de resposta patológica completa ou maior, mas são ainda de fase II iniciais, que objetivam investigar preliminarmente a atividade desta estratégia.
Nenhum destes estudos demonstrou novos sinais de segurança relacionados aos medicamentos em investigação, ainda que utilizados de maneira neoadjuvante. Também não há sinais de aumento de morbidade para pacientes que tenham realizado cirurgia, com altas taxas de ressecção R0.
Ainda que não gere mudança imediata de conduta frente aos órgãos regulatórios, o GERCOR NEONIPIGA inaugura a avaliação de atividade da imunoterapia perioperatória para pacientes com câncer gástrico ou JEG localizado MSI-H/dMMR, e o faz com clara demonstração de segurança e atividade. Estudos adicionais serão necessários para melhor documentar a atividade do tratamento, investigar seu impacto no risco de recorrência e na sobrevida global, bem como explorar novos conceitos como a possibilidade de prescindir de cirurgia em pacientes com resposta clínica completa.
Avaliador científico:
Dr. Gustavo Gössling
Residência Médica em Oncologia Clínica pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre - UFRGS
Medical Advisor no Latin American Cooperative Oncology Group