SBOC REVIEW
Novo padrão de tratamento para melanoma estádio III ressecável
Resumo do artigo:
O tratamento padrão do melanoma de pele estádio III ressecável é a cirurgia seguida de adjuvância. A adjuvância é constituída de 12 meses com tratamento baseado em anticorpo anti-PD1 (programmed cell death1) ou na combinação de inibidores de BRAF (rapidilly accelerated fibrosarcoma) e de MEK (mitogen-activated protein kinase), a depender do status BRAF. As opções disponíveis de anti-PD1 são pembrolizumabe ou nivolumabe, estudados nos ensaios clínicos Keynote-054 e CheckMate-238, respectivamente. Apesar de a adjuvância com esses imunoterápicos constituir importante mudança na história natural da doença, ainda não foi possível demonstrar benefício estatisticamente significativo em sobrevida global. Além disso, uma parcela considerável dos pacientes apresenta recidiva, enfatizando a necessidade de se explorar novas abordagens.
O NADINA trial é um estudo fase III que incluiu pacientes com melanoma (cutâneo, acral ou de primário desconhecido) estádio III com, pelo menos, um linfonodo positivo patologicamente e até três metástases em trânsito. Os pacientes eram randomizados 1:1 para neoadjuvância ou para adjuvância padrão com 12 meses de nivolumabe. No braço da neoadjuvância, eram feitos dois ciclos de ipilimumabe 80 mg e de nivolumabe 240 mg a cada três semanas, antes da cirurgia. A abordagem pós-operatória foi individualizada de acordo com a resposta em peça cirúrgica. Na vigência de resposta patológica maior (≤ 10 % de tumor residual em peça cirúrgica), não se recebia adjuvância. Nos demais casos, seguia-se com adjuvância padrão com nivolumabe ou com inibidores de BRAF e de MEK, de acordo com status BRAF. 423 indivíduos foram randomizados. Dos 212 incluídos no braço neoadjuvância, somente 4,24 % não foram para cirurgia (por: toxicidade, progressão de doença ou motivo desconhecido).
Em relação ao desfecho primário sobrevida livre de eventos (SLE), a estratégia de neoadjuvância reduziu em 68% o risco de evento recidiva, progressão ou morte (HR 0,32; IC 99,9%, 0,15 – 0,66). Aos 12 meses de seguimento, a SLE era de 57,2% (IC 99,9%- 45,10 – 72,70) no braço controle e 83,70% (IC 99,9%, 73,8% – 94,8%) no braço experimental. Este benefício se deu de forma independente do status BRAF. No braço da neoadjuvância, 59% dos pacientes atingiram resposta patológica maior (incluindo 47,2% de resposta patológica completa), enquanto apenas 2,4% apresentaram progressão de doença antes da cirurgia. A incidência de eventos adversos graus 3 ou mais, relacionados à terapia sistêmica, ocorreu de forma mais amiúde no braço neoadjuvante (29,7% x 14,7%), sem, no entanto, se demonstrar prejuízo em desfechos de qualidade de vida, nesse braço. Não houve diferença de morbidade cirúrgica entre os grupos. Desfechos de longo prazo, como sobrevida global, ainda estão pendentes.
Comentário do avaliador científico:
No estudo fase III NADINA, pacientes com melanoma estádio III ressecável atingiram redução de 68% na SLE com estratégia de neoadjuvância com ipilimumabe e nivolumabe, seguida de cirurgia e de adjuvância direcionada pela resposta patológica em peça cirúrgica, em relação ao então tratamento padrão: cirurgia seguida de 12 meses de nivolumabe. O número impressiona, constituindo um salto de qualidade no tratamento destes doentes. Outro número que chama atenção é o 59% de taxa de resposta patológica maior pós-neoadjuvância. Isso significa que a maioria dos pacientes tratados não precisou de adjuvância, o que é interessante para redução de custos advindos do tratamento e na melhoria da qualidade de vida.
Estes achados estão alinhados com estudos prévios de neoadjuvância em melanoma, tais como SWOG S1801 (fase II com pembrolizumabe neoadjuvante), Opacin Neo (fase II com ipilimumabe e nivolumabe neoadjuvantes) e PRADO (fase II com adjuvância customizada pós-protocolo de Opacin Neo).
Uma hipótese para a justificativa da maior eficácia da neoadjuvância é da resposta imune mais profunda e diversa estimulada na presença do tumor na íntegra, com seu vasto repertório de neoantígenos. Além de se valorizar a inclusão de um mecanismo de ação diferente, anti-CTLA4 (cytotoxyc T-lymphocyte associated protein-4), ao anti-PD1.
Limitações e oportunidades de melhoria são: alta frequência de recidivas em pacientes com resposta patológica mais pobre pós neoadjuvância, levantando necessidade de intensificação da adjuvância nesta subpopulação; questionamento de a alta taxa de resposta da neoadjuvância seria uma oportunidade de descalonamento de terapia cirúrgica; observação que a casuística do estudo NADINA engloba pacientes de mais baixo risco (por exemplo, em torno de 60% em cada braço possuía somente um linfonodo clinicamente positivo baseline), gerando uma dúvida se esse modelo de tratamento se aplicaria a doenças de mais alto risco.
Por fim, referências nacionais e internacionais, baseados nos dados apresentados e de estudos prévios, já reconhecem o protocolo terapêutico do estudo NADINA como novo padrão no melanoma estádio III ressecável.
Citação: Blank CU et al. Neoadjuvant nivolumab and ipilimumab in resectable stage III melanoma. N Engl J med. Published online June 2, 2024. doi: 10.1056/NEJMoa2402604.
Avaliador científico:
Dr. Túlio de Oliveira César
Médico oncologista clínico. Residência de Oncologia Clínica no ICESP/USP. Membro titular da SBOC. MBA em Gestão de Saúde pela FGV. Atuando, atualmente, no interior de São Paulo, na Santa Casa de São José dos Campos.
Instagram: @dr.tulio.cesar.onco
Cidade de atuação: São José dos Campos (SP)