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SBOC REVIEW

Pembrolizumabe perioperatório em câncer de pulmão não pequenas células em estágio inicial

Resumo do artigo:

Em pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas (CPNPC) ressecável em estágio inicial, uma abordagem perioperatória que inclua inibidores de checkpoint imunológico (ICI) no cenário neoadjuvante e adjuvante pode resultar em benefícios adicionais.

Neste estudo fase III, randomizado (KEYNOTE 671) e duplo-cego, avaliou-se o papel de pembrolizumabe perioperatório em pacientes com CPNPC em estágio inicial. Os participantes com doença estágio II, IIIA ou IIIB (N2) ressecável foram randomizados em uma proporção 1:1 para receber pembrolizumabe neoadjuvante (200 mg) ou placebo uma vez a cada três semanas, concomitante a quimioterapia baseada em cisplatina por quatro ciclos, seguido de cirurgia e pembrolizumabe adjuvante (200 mg), ou placebo uma vez a cada três semanas por até 13 ciclos. Os desfechos co-primários foram sobrevida livre de eventos (tempo desde a randomização até a primeira ocorrência de progressão local que impeça a cirurgia planejada, tumor irressecável, progressão de doença, recorrência ou morte) e sobrevida global. Os desfechos secundários incluíram resposta patológica maior, resposta patológica completa e segurança.

Um total de 397 participantes foi designado para o grupo pembrolizumabe e 400 para o grupo placebo. Nesta primeira análise interina pré-planejada, o seguimento médio foi de 25,2 meses. A sobrevida livre de eventos em 24 meses foi de 62,4% no grupo pembrolizumabe e 40,6% no grupo placebo (razão de risco para progressão, recorrência ou morte, 0,58; intervalo de confiança de 95% [IC], 0,46 a 0,72; p <0,001). A sobrevida global estimada em 24 meses foi de 80,9% no grupo pembrolizumabe e 77,6% no grupo placebo (p=0,02, não atingindo o critério de significância). Resposta patológica maior ocorreu em 30,2% dos participantes no grupo pembrolizumabe e em 11,0% no grupo placebo (diferença de 19,2 pontos percentuais; IC de 95%, 13,9 a 24,7; P<0,0001; limiar, P=0,0001), e uma resposta patológica completa ocorreu em 18,1% e 4,0%, respectivamente (diferença, 14,2 pontos percentuais; 95% CI, 10,1 a 18,7; P<0,0001; limiar, P=0,0001). Em todas as fases do tratamento, 44,9% dos participantes no grupo pembrolizumabe e 37,3% no grupo placebo tiveram eventos adversos relacionados ao tratamento de grau 3 ou superior, incluindo 1,0% e 0,8%, respectivamente, que tiveram eventos adversos grau 5.

Entre os pacientes com CPCNP ressecável em estágio inicial, pembrolizumabe neoadjuvante mais quimioterapia seguida de ressecção e pembrolizumabe adjuvante melhorou significativamente a sobrevida livre de eventos, a resposta patológica maior e a resposta patológica completa em comparação com a quimioterapia neoadjuvante isoladamente seguida de cirurgia. A sobrevida global não diferiu significativamente entre os grupos nesta primeira análise interina. 

Comentário do avaliador científico:

O uso de inibidores de checkpoint imunológico (ICI) se consolidou no arsenal terapêutico do câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC) metastático sem mutações acionáveis; porém a melhor estratégia para inclusão desses agentes no cenário de doença localizada ainda está em discussão. O estudo KEYNOTE-671¹ traz dados extremamente relevantes para essa discussão multidiscplinar no manejo do CPNPC localizado, demonstrando benefício significativo no desfecho primário de sobrevida livre de eventos (SLE) e dados imaturos quanto à sobrevida global (SG) nessa primeira análise interina. Todavia, é importante contextualizar os dados deste estudo com os outros principais ensaios clínicos fase III com resultados prelimares publicados nesse cenário de doença inicial. Basicamente existem três estratégias principais a serem consideradas frente a um paciente com tumores potencialmente ressecáveis:

1) tratamento adjuvante com atezolizumabe (estudo IMpower-010)² ou pembrolizumabe (estudo PEARLS/KEYNOTE-091)³;

2) Tratamento neoadjuvante com nivolumabe (estudo checkmate-816)⁴;

3) tratamento perioperatório com pembrolizumabe (estudo KEYNOTE 671)¹, toripalimabe (estudo Neotorch)⁵ e durvalumabe (estudo AEGEAN)⁶.

Tanto o tratamento adjuvante com atezolizumabe² quanto pembrolizumabe² foram recentemente aprovados pelo FDA e ANVISA baseado em benefícios modestos em sobrevida livre de eventos (SLE) na população intenção de tratar; porém os dados prelimares de sobrevida global (SG) com atezolizumabe adjuvante apresentados no WCLC de 2022⁷ demonstraram beneficio significativo somente na população com PD-L1 > 50%. Por outro lado, a expressão de PD-L1 não demostrou ser um biomarcador adequado em relação à predição de benefício de pembrolizumabe adjuvante. Apesar de não haver comparação formal prospectiva entre tratamento neoadjuvante/perioperatorio e adjuvante, iniciar tratamento sistêmico antes da cirurgia pode trazer vantagens como a possibilidade de procedimentos menos invasivos em pacientes com resposta ao tratamento inicial e a possibilidade de estratificação precoce e identificação pacientes de maior risco baseado na taxa de reposta patologica completa (RPC) e resposta patológica maior (RPM), marcadores mais promissores que PD-L1 nesse cenário de doença inicial.

Um ponto importante a ser ponderado é o papel adicional do uso de ICI após cirurgia em pacientes que já receberam esta terapia na neoadjuvância, já que nivolumabe neoadjuvante também é uma terapia aprovada pelo FDA e ANVISA baseado no estudo checkmate-816⁴. O estudo KEYNOTE 671 não responde diretamente a essa pergunta, já que os pacientes que receberam pembrolizumabe na neoadjuvância obrigatoriamente também receberiam ICI adjuvante. Todavia, é interessante notar que mesmo pacientes que não obtiveram RPC ainda derivaram benefício em SLE, sugerindo benefício adicional da adjuvância nesses pacientes de maior risco que não atingiram RPC. Em contrapartida, sobretudo considerando-se toxicidades e custos, ainda não está claro se os pacientes que atingiram RPC de fato necessitam do complemento com terapia adjuvante. Tanto o estudo checkmate-816 quanto o estudo KEYNOTE 671 fornecem dados provocativos neste aspecto, ao demonstrar que não houve diferença significativa entre quimoterapia versus quimioterapia e ICI na análise exploratória envolvendo apenas pacientes com RPC. Uma possível ponderação é que embora a imunoterapia adjuvante aumente a taxa de resposta patológica completa, uma vez que esse desfecho tenha sido atingido, talvez esses pacientes já tenham obtido o benefício máximo com o tratamento. De qualquer forma, estes dados são exploratórios e somente um estudo com randomização de pacientes com RPC para receber ou não tratamento adjuvante poderia responder de maneira definitiva esta questão.

Adicionalmente, os estudos Neotorch⁵ e AEGEAN⁶, cujos resultados preliminares foram apresentados na ASCO 2023 e AACR 2023, respectivamente, evidenciaram benefícios semelhantes ao tratamento com pembrolizumabe em termos de taxa de RPC e SLE com a estratégia de tratamento perioperatório com ICI, propiciando validação externa adicional ao papel de terapias anti PD- (L)1 neste contexto perioperatório independente da droga escolhida.

Cabe ainda destacar que embora o estudo KEYNOTE-671 tenha incluído uma pequena parcela de pacientes com mutação ativadora de EGFR, esta não é a melhor estratégia para estes doentes. Além do microambiente tumoral não favorável à resposta com imunoterapia independente da expressão de PD-L1, mesmo em cenário de doença avançada não há benefício claro de imunoterapia em pacientes com mutação ativadora de EGFR como demonstrado no estudo KEYNOTE-789⁸. Além disso, no cenário de doença localizada já existem dados mais robustos em relação a incremento de SLE além de ganho de sobrevida global com osimertinib9, não sendo razoável priorizar imunoterapia nestes doentes. Isso reforça a importância de realização de sequenciamento antes do início do tratamento para identificação desses pacientes com mutação driver e decisão terapêutica mais adequada.

Em suma, o uso de pembrolizumabe perioperitório traz uma opção de tratamento promissora para o manejo de CPNPC, que deve ser considerada à luz de discussão multidisciplinar envolvendo oncologistas clínicos e cirurgiões para a definição da melhor estratégia terapêutica. Futuras atualizações deste estudo com seguimento de longo prazo destes pacientes poderão trazer informações relevantes à prática clínica como dados definitivos de sobrevida global – principal desfecho a ser considerado em uma estratégia de tratamento perioperatório – e o papel de biomarcadores.

 

Referências 

1. H W, M L, T K, et al. Perioperative Pembrolizumab for Early-Stage Non-Small-Cell Lung Cancer. The New England journal of medicine 2023. DOI: 10.1056/NEJMoa2302983.

2. E F, N A, C Z, et al. Adjuvant atezolizumab after adjuvant chemotherapy in resected stage IB-IIIA non-small-cell lung cancer (IMpower010): a randomised, multicentre, open-label, phase 3 trial. Lancet (London, England) 2021;398(10308). DOI: 10.1016/S0140-6736(21)02098-5.

3. M OB, L P-A, S M, et al. Pembrolizumab versus placebo as adjuvant therapy for completely resected stage IB-IIIA non-small-cell lung cancer (PEARLS/KEYNOTE-091): an interim analysis of a randomised, triple-blind, phase 3 trial. The Lancet Oncology 2022;23(10). DOI: 10.1016/S1470-2045(22)00518-6.

4. PM F, J S, S L, et al. Neoadjuvant Nivolumab plus Chemotherapy in Resectable Lung Cancer. The New England journal of medicine 2022;386(21). DOI: 10.1056/NEJMoa2202170.

5. Wu L, Zhang W, Zhang P, et al. Perioperative toripalimab + platinum-doublet chemotherapy vs chemotherapy in resectable stage II/III non-small cell lung cancer (NSCLC): Interim event-free survival (EFS) analysis of the phase III NEOTORCH study. https://doiorg/101200/JCO20234116_suppl8501 2023 (meeting-report) (In en). DOI: 8501.

6. Abstract CT005: AEGEAN: A phase 3 trial of neoadjuvant durvalumab + chemotherapy followed by adjuvant durvalumab in patients with resectable NSCLC | Cancer Research | American Association for Cancer Research. 2023. DOI: 10.1158/1538-7445.AM2023-CT005. 

7. PL03.09 IMpower010:Overall Survival Interim Analysis of a Phase III Study of Atezolizumab vs Best Supportive Care in Resected NSCLC – Journal of Thoracic Oncology. 2023. DOI: doi:10.1016/j.jtho.2022.07.013.

8. Lee DH, Lee J-S, Fan Y, et al. Pemetrexed and platinum with or without pembrolizumab for tyrosine kinase inhibitor (TKI)-resistant, EGFR-mutant, metastatic nonsquamous NSCLC: Phase 3 KEYNOTE-789 study. https://doiorg/101200/JCO20234117_supplLBA9000 2023 (meeting-report) (In en). DOI: LBA9000. 

9. M T, RS H, T J, et al. Overall Survival with Osimertinib in Resected EGFR-Mutated NSCLC. The New England journal of medicine 2023;389(2). DOI: 10.1056/NEJMoa2304594.

Citação: H W, M L, T K, et al. Perioperative Pembrolizumab for Early-Stage Non-Small-Cell Lung Cancer. The New England journal of medicine 2023. DOI: 10.1056/NEJMoa2302983

Avaliador científico:

Dr. Haniel Araújo

Residência Médica em Oncologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP – ICESP)

Título de Especialista em Oncologia Clínica pela SBOC/AMB

Fellow clínico no departamento de Thoracic and Head and Neck medical oncology – MD Anderson Cancer Center