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SBOC REVIEW

Quimiorradioterapia pré-operatória para câncer gástrico ressecável

Resumo do artigo:

No tratamento do câncer gástrico localizado, a cirurgia continua sendo a base da terapia curativa, mas a abordagem perioperatória com quimioterapia (QT) demonstrou melhorar a sobrevida global em comparação com a cirurgia isolada. Ensaios como o MAGIC e o FLOT4-AIO estabeleceram a QT perioperatória como padrão, enquanto o papel da radioterapia permanece incerto. O estudo TOPGEAR foi conduzido para avaliar se a adição de quimiorradioterapia (QT-RT) pré-operatória à QT perioperatória poderia melhorar a sobrevida global em comparação com a QT isolada em pacientes com adenocarcinoma gástrico ou da junção gastroesofágica ressecável, dado o benefício da QT-RT em outros tumores gastrointestinais, como no esôfago.

Neste ensaio de fase 3, pacientes foram aleatoriamente distribuídos entre dois grupos: QT perioperatória isolada ou combinada com QT-RT pré-operatória. Ambos os grupos receberam os regimes de QT ECF/ECX (epirrubicina, cisplatina e fluorouracil/capecitabina) ou FLOT (fluorouracil, leucovorin, oxaliplatina e docetaxel). A QT-RT consistiu em 45 Gy administrados em 25 frações ao longo de cinco semanas, juntamente com infusão contínua de fluorouracil ou capecitabina via oral. A cirurgia era realizada quatro a seis semanas após completar a terapia pré-operatória. O desfecho primário foi a sobrevida global, enquanto os desfechos secundários incluíram sobrevida livre de progressão, resposta patológica, toxicidade e qualidade de vida. No total, 574 pacientes foram incluídos em 70 centros de 10 países.

A distribuição entre os dois grupos foi uniforme. A média de idade foi de aproximadamente 60 anos, com 21% dos pacientes acima de 70 anos. A maioria dos participantes era do sexo masculino (73%), 35% tinham tumores na junção gastroesofágica, 88% tinham doença em estágio T3 ou superior e 61% apresentavam doença linfonodal positiva ou desconhecida. A adesão ao tratamento pré-operatório foi alta, com 94% dos pacientes no grupo de QT-RT e 91% no grupo de QT completando todas as doses planejadas. Entretanto, a adesão ao tratamento pós-operatório foi mais baixa, com 48% dos pacientes no grupo de QT-RT e 59% no grupo de QT completando todas as doses planejadas. Uma porcentagem menor de pacientes no grupo de QT-RT pré-operatória do que no grupo de QT perioperatória iniciou QT pós-operatória (56% vs. 66%, P=0,01). A taxa de ressecção R0 foi de 92% no grupo de QT-RT e 88% no grupo de QT isolada. A QT-RT resultou em uma maior taxa de resposta patológica completa (17% vs 8%; diferença de 9 pontos percentuais).

Apesar da melhora na resposta patológica, não houve diferença significativa na sobrevida global entre os grupos em um follow up de 67 meses, com medianas de 46 meses no grupo de QT-RT e 49 meses no grupo de QT (razão de risco [HR] 1,05; IC 95%, 0,83 – 1,31). De forma semelhante, a mediana de sobrevida livre de progressão foi de 31 meses no grupo de QT-RT e 32 meses no grupo de QT (HR 0,98; IC 95%, 0,79 – 1,22). Com relação à análise de subgrupo, nenhum claramente se beneficiou da QT-RT pré-operatória. A incidência de eventos adversos de grau 3 ou superior foi semelhante entre os grupos, com toxicidade gastrointestinal (anorexia, náusea e diarreia) e hematológica (neutropenia) como os eventos mais comuns.

 

Comentário do avaliar científico:

O estudo TOPGEAR avaliou se a adição de quimiorradioterapia pré-operatória à quimioterapia perioperatória poderia melhorar a sobrevida global em pacientes com adenocarcinoma gástrico ressecável. Embora um aumento na resposta patológica tenha sido evidenciado, esses ganhos não se traduziram em melhora na sobrevida global ou livre de progressão. Clinicamente, isso levanta dúvidas sobre o papel da radioterapia pré-operatória nesse contexto.

Entre os aspectos positivos, a implementação de rigorosos controles de qualidade para a radioterapia e as técnicas cirúrgicas reforça a confiabilidade dos resultados obtidos. Entretanto, uma possível limitação do estudo foi a transição do regime padrão de ECF/ECX para o FLOT, que ocorreu após a publicação do ensaio FLOT4-AIO em 2017. Essa alteração pode ter introduzido heterogeneidade nos resultados, dado que ECF/ECX e FLOT têm perfis distintos de eficácia e toxicidade.

O estudo TOPGEAR contribui para o entendimento do manejo do câncer gástrico, reforçando a ideia de que a radioterapia pré-operatória pode não ser benéfica para todos os pacientes. A relevância desses achados é corroborada por outros estudos, como o FLOT4 e o ESOPEC, que também demonstraram a eficácia predominante da quimioterapia perioperatória isolada. A ausência de um benefício claro de sobrevida sugere que a intensificação do tratamento pré-operatório pode não justificar a toxicidade adicional e as dificuldades de adesão observadas no pós-operatório. Assim, a quimiorradioterapia pode ser dispensável no manejo padrão do câncer gástrico, destacando a necessidade de identificar subgrupos específicos que possam realmente se beneficiar de abordagens mais personalizadas.

 

Citação: Leong T, Smithers BM, Michael M, et al. Preoperative Chemoradiotherapy for Resectable Gastric Cancer. N Engl J Med. Published online Sep 14, 2024. doi:10.1056/NEJMoa2405195

 

Avaliador científico:

Dra. Emily Tonin da Costa

Oncologista Clínica pelo Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) – Porto Alegre/RS
Título de Especialista em Oncologia Clínica pela SBOC/AMB;

Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);

Fellow Pesquisa Clínica em Oncologia no Hospital Moinhos de Vento (HMV).

Instagram: @emilytonin

Cidade de atuação: Caxias do Sul/RS