SBOC REVIEW

Quimiorradioterapia vs radioterapia adjuvante em pacientes com câncer do colo de útero de risco intermediário
Resumo do artigo:
O estudo consiste em uma Coorte retrospectiva com dados do National Cancer Database (NCDB), abrangendo mais de 70% dos novos casos de câncer nos EUA no período de 2010 a 2020. Os critérios utilizados para definir pacientes com câncer do colo do útero de risco intermediário nesta pesquisa foram: tumores cervicais maiores que 4 cm, independentemente da invasão do espaço linfovascular (ILV), e tumores entre 2 e 4 cm acompanhados de ILV, que receberam radioterapia adjuvante após histerectomia radical. Foram excluídos pacientes com linfonodos positivos. Esses critérios foram baseados em estudos anteriores e práticas clínicas estabelecidas.
O objetivo primário foi avaliar se a quimiorradioterapia à base de platina (QTRT) adjuvante está associada a uma melhor sobrevida global em comparação com a radioterapia isolada nesta população. Objetivos secundários incluíram a identificação de fatores clínicos associados ao uso de QTRT.
Foram utilizados métodos de imputação múltipla para dados faltantes e propensity score matching (1:1) para equilibrar as características basais entre os grupos de tratamento (radioterapia isolada vs QTRT).
Após o propensity score matching, a coorte final incluiu 868 pacientes (434 em cada grupo de tratamento) com covariáveis balanceadas, sendo que 56,5% receberam QTRT e 43,5% apenas radioterapia. Não foi observada diferença significativa na sobrevida global entre os grupos, com sobrevida em 5 anos de 87% em ambos, com HR de 0,85 (IC 95%: 0,59–1,23; p = 0,38).
A quimioterapia foi administrada com maior frequência em pacientes com histologia de adenocarcinoma ou adenoescamoso (RR 1,26; IC 95% 1,10-1,44) e em pacientes com tumores maiores que 4 cm (RR 1,31; IC 95% 1,14-1,51).
As análises de subgrupos baseadas em tamanho do tumor, histologia, presença de ILV, abordagem cirúrgica ou recebimento de braquiterapia adjuvante não mostraram diferenças significativas na sobrevida associadas ao recebimento de quimioterapia.
Como pontos positivos do estudo, pode-se destacar a grande amostragem, seleção rigorosa de pacientes, uso de propensity score matching para reduzir o viés de confundimento, inclusão de variáveis importantes como ILV e abordagem cirúrgica, análise de subgrupos abrangente e período de acompanhamento prolongado. Já como pontos negativos, pode-se citar a natureza retrospectiva do estudo, necessidade de imputação múltipla para dados faltantes (incluindo ILV), ausência de dados sobre profundidade da invasão estromal, falta de dados sobre sobrevida livre de recorrência e informações detalhadas sobre os regimes de quimioterapia utilizados (embora tenham excluído regimes multiagentes e neoadjuvantes). Além disso, a ausência de informações sobre os motivos da administração da quimioterapia aumenta o risco de viés de seleção.
Os autores discutem que, apesar da ausência de benefício de sobrevida, uma parcela significativa dos pacientes (43,5%) recebeu QTRT. Eles sugerem que isso indica um potencial para descalonamento do tratamento, reduzindo a morbidade sem comprometer os resultados oncológicos. Um ponto que é chamado a atenção também é a heterogeneidade nas recomendações de diretrizes e a falta de evidências robustas para o uso rotineiro de quimioterapia nesta população. A pesquisa destaca a necessidade de critérios mais precisos para identificar as pacientes que poderiam se beneficiar da quimioterapia adjuvante.
Comentário da avaliadora científica:
Os resultados deste estudo sugerem que a adição rotineira de quimioterapia à radioterapia adjuvante para pacientes com câncer do colo do útero de risco intermediário após histerectomia radical pode não conferir um benefício de sobrevida global. Isso levanta a questão da necessidade de reavaliar as práticas atuais e considerar estratégias de descalonamento do tratamento para evitar toxicidades desnecessárias da quimioterapia nesta população. Os fatores clínicos (tamanho do tumor e histologia não escamosa) associados ao uso mais frequente de quimioterapia não se traduziram em um benefício de sobrevida nos subgrupos analisados.
A chegada dos resultados de ensaios clínicos randomizados em andamento, como o GOG 263, que compara QTRT com radioterapia isolada em pacientes de risco intermediário, será crucial para melhor estruturar as diretrizes. Ademais, é necessário promover pesquisas que busquem identificar subgrupos específicos de pacientes de risco intermediário que possam se beneficiar da adição de quimioterapia.
Citação: Agustí N, Viveros-Carreño D, Wu CF, et al. Adjuvant Chemoradiotherapy vs Radiotherapy Alone for Patients With Intermediate-Risk Cervical Cancer. JAMA Oncol. 2025 Mar 13:e250146. doi: 10.1001/jamaoncol.2025.0146. Epub ahead of print. PMID: 40079948; PMCID: PMC11907360.
Avaliadora científica:
Dra. Aline Cristini Vieira
Oncologista pelo Hospital Sírio-Libanês – São Paulo/SP
Oncologista no Instituto de Oncologia do Paraná (IOP) e Hospital São Marcelino Champagnat – Curitiba/PR
Título de Especialista em Oncologia Clínica pela SBOC/AMB
Mestranda em oncologia pelo Hospital de Amor – Barretos/SP
Instagram: @draalinecvieira
Cidade de atuação: Curitiba/PR