SBOC REVIEW
Quimioterapia tripla ou quimiorradioterapia como estratégia de tratamento neoadjuvante para CEC de esôfago localmente avançado
Resumo do artigo:
A despeito do avanço do tratamento perioperatório, CEC de esôfago localmente avançado continua sendo uma doença de prognóstico desfavorável. Nesse sentido, intensificação do tratamento neoadjuvante poderia melhorar os desfechos. Um estudo de fase II avaliou o regime de quimioterapia (QT) neoadjuvante tripla com cisplatina, docetaxel e 5-FU, demonstrando eficácia promissora, com taxa de resposta objetiva (TRO) de 64,3% e toxicidade aceitável. Portanto, o objetivo do presente estudo, foi comparar a eficácia e a segurança das estratégias neoadjuvantes com doublet de QT, triplet de QT ou quimiorradioterapia (QRT).
Foi um estudo de fase III, randomizado e aberto, conduzido no Japão. Pacientes incluídos apresentavam CEC, carcinoma adenoescamoso ou carcinoma de células basais do esôfago, estádio clínico IB, II ou III (exceto T4). Foram randomizados para três grupos: QT dupla (NeoCF), QT tripla (NeoCF + D) ou QRT (NeoCF + RT).
Participantes do grupo NeoCF receberam dois ciclos de cisplatina (80 mg/m2, D1) e 5-fluorouracil (800 mg/m2 por dia, D1-D5), a cada 3 semanas; no grupo NeoCF + D, três ciclos de cisplatina (70 mg/m2, D1), 5-fluouracil (750 mg/m2 por dia, D1-D5) e docetaxel (70 mg/m2, D1), a cada 3 semanas; no grupo NeoCF + RT, receberam dois ciclos de cisplatina (75 mg/m2, D1) e 5-fluouracil (1000 mg/m2 por dia, D1-D4), separados por um intervalo de 4 semanas, e RT com dose total de 41,4 Gy em 23 frações durante 5 semanas.
O desfecho primário foi sobrevida global (SG). Desfechos secundários incluíram sobrevida livre de progressão (SLP), taxa de ressecção R0, de resposta objetiva e de resposta patológica completa (pCR), além de incidência de eventos adversos. O estudo foi desenhado para confirmar a superioridade de SG dos braços de QT tripla (NeoCF + D) e de QRT (NeoCF + RT) em relação ao de QT dupla (NeoCF). A comparação entre os grupos NeoCF + D e NeoCF + RT seria realizada apenas se ambos os grupos demonstrassem superioridade de SG ao NeoCF.
A porcentagem de SG em 3 anos foi maior no grupo NeoCF + D do que no NeoCF: 72,1% (IC 95%, 65,4 – 77,8) vs 62,6% (IC 95%, 55,5 – 68,9); p = 0.006. Sobrevida global mediana não foi alcançada no grupo NeoCF + D (IC 95%, 6,7 – NE) e foi 5,6 anos no NeoCF (IC 95%, 3,9 – NE); HR = 0,68 (IC 95% 0,50 – 0,92). A taxa de SLP em 3 anos também foi superior no grupo NeoCF + D do que no NeoCF: 61,8% (IC 95%, 54,7 – 68,1) vs 47,7% (IC 95%, 40,6 – 54,4); HR = 0,67 (IC 95%, 0,51 – 0,88). Tais benefícios foram consistentes entre os subgrupos. O braço NeoCF + D também resultou em maior TRO (76,4 vs 42,4%) e de pCR (19,8% vs 2%).
Por outro lado, não foi demonstrado benefício estaticamente significativo, para SG e SLP, do grupo NeoCF + RT em relação ao NeoCF, apenas em taxa de resposta patológica completa (38,5% vs 2%) e de resposta objetiva (61,5% vs 42,4%).
Como o grupo NeoCF + RT não se demonstrou superior ao NeoCF, não houve comparação formal entre NeoCF + RT e NeoCF + D, sendo realizada apenas uma análise post-hoc, na qual houve tendência de superioridade de SG para NeoCF + D, porém sem significância estatística (HR = 0,80; IC 95% 0,59 – 1,10).
Do ponto de vista de segurança, a proporção de pacientes que concluiu o tratamento neoadjuvante e que se submeteu à esofagectomia foi similar entre os braços. No NeoCF + D, houve maior incidência de neutropenia febril, com 16% de eventos grau 3 ou 4, o que ocorreu em até 5% nos demais grupos. Complicações pós-operatórias e óbitos relacionados ao tratamento também foram similares.
Comentário do avaliador científico:
Como limitação, o braço controle foi doublet de QT em detrimento de QRT concomitante. Além disso, o estudo não foi desenhado para fazer uma comparação direta entre os braços triplet de QT e QRT concomitante. Tal hipótese seria testada caso ambos os grupos se demonstrassem superior em SG ao controle doublet de QT, o que não aconteceu no braço QRT. Assim, realizou-se apenas uma análise post-hoc, a qual não apresentou significância estatística. Além disso, atualmente é possível utilizar nivolumabe para doença residual após QRT, o que não foi adotado nesse estudo e que seria um fator limitante adicional nesta comparação entre triplet de QT e QRT neoadjuvante.
Portanto, não é possível concluir, através desse estudo, que a estratégia com triplet de QT NeoCF + D é superior ao padrão atual baseado em QRT concomitante.
Como perspectiva, em relação ao padrão de recidiva, observou-se que, no grupo triplet de QT, a recorrência à distância foi menor do que no grupo QRT (57 x 77%), desfecho que foi negativo nos dados atualizados do estudo CROSS. Esse dado motiva a realização de novos estudos para comparação direta entre tais estratégias ou mesmo para avaliação de estratégias de tratamento neoadjuvante total.
Citação: Kato K, Machida R, Ito Y, Daiko H, Ozawa S, Ogata T, et al. Doublet chemotherapy, triplet chemotherapy, or doublet chemotherapy combined with radiotherapy as neoadjuvant treatment for locally advanced oesophageal cancer (JCOG1109 NExT): a randomised, controlled, open-label, phase 3 trial. Lancet Oncology. Published online June 11, 2024 doi:10.1016/S0140-6736(24)00745-1.
Avaliador científico:
Dr. Gustavo Benfatti Olivato
Preceptor do programa de residência de Oncologia Clínica do Hospital Sírio-Libanês, São Paulo
Residência médica em Oncologia Clínica pelo ICESP-USP – São Paulo/SP
Título de especialista pela SBOC/AMB
Instagram: @gustavobenfatti
Cidade de atuação: São Paulo/SP