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SBOC REVIEW

Radioterapia adjuvante versus radioterapia de salvamento precoce associado à terapia de deprivação androgênica em homens com câncer de próstata localizado após prostatectomia radical (GETUG-AFU 17): um estudo randomizado, fase 3

 

Resumo do artigo:

A prostatectomia radical é um dos principais tratamentos do câncer de próstata localizado. Porém, aproximadamente um terço dos pacientes operados apresenta algum fator de risco para recidiva da doença, como margem comprometida, extensão tumoral além da cápsula prostática ou invasão de vesículas seminais. Assim, o benefício da radioterapia adjuvante sobre a observação destes pacientes foi demonstrado através de três estudos fase 3 e randomizados, trazendo claro benefício em sobrevida livre de progressão bioquímica após longo período de seguimento. Contudo, sempre houve preocupação com risco de tratamento desnecessário de alguns pacientes devido ao elevado risco de toxicidade relacionado à radioterapia adjuvante, visto que o grupo em observação nestes estudos não terem sido tratados de rotina com a radioterapia de salvamento. Apesar da radioterapia de salvamento ter seu benefício demonstrado através de dados retrospectivos, seu uso tem se tornado cada vez frequente comparado à radioterapia adjuvante, trazendo grande necessidade de investigação em estudo prospectivo o uso dessas duas modalidades de radioterapia, adjuvante versus salvamento.

Assim, o grupo francês, GETUG-AFU, propôs um estudo fase 3, randomizado e multicêntrico, realizado em 46 hospitais, onde compara a radioterapia adjuvante com a radioterapia de salvamento em pacientes com câncer de próstata localizado submetidos à prostatectomia radical. O estudo tem como objetivo principal a sobrevida livre de eventos, sendo estes a progressão bioquímica definida pelo valor de PSA acima de 0,4 ng/ml, recidiva local ou regional, recidiva à distância ou morte. Os pacientes operados devem apresentar ao estudo anátomo-patológico, pT3a/b, pT4a, pNx, pN0 ou margem comprometida. A radioterapia adjuvante foi realizada com PSA no valor abaixo de 0,1 ng/ml e em até 6 meses após a cirurgia. Já a radioterapia de resgate foi realizada com valor de PSA mediano de 0,24 ng/ml. O bloqueio androgênico foi realizado em todos os pacientes em ambos os grupos, durante 6 meses, utilizando-se triptorelina trimestral e a radioterapia iniciada após 2 meses do início do bloqueio androgênico, na dose de 66 Gy. Sobrevida global e livre de metástase, assim como padrões de toxidade e análise qualidade de vida foram objetivos secundários e a amostra foi calculada para demostrar superioridade em 10% na sobrevida livre de eventos em favor da radioterapia adjuvante, no período de 5 anos.

Foram randomizados 424 pacientes, sendo 212 pacientes em cada braço do estudo e o seguimento mediano foi de 75 meses. O estudo foi interrompido antes de atingir a amostra calculada (718) devido ao escasso número de eventos de recidiva em 5 anos, ocorrendo somente 5% do número de eventos estimados para análise. Quanto à técnica de radioterapia, 30% dos pacientes submetidos à radioterapia adjuvante receberam IMRT e 47% dos pacientes no grupo de salvamento receberam a referida modalidade. A irradiação eletiva dos linfonodos pélvicos foi discricionária e realizada em 18% dos pacientes no grupo adjuvante e 24% no grupo de salvamento. Os eventos de recidiva de doença ou morte, em todos os pacientes, ocorreu em menos de 10%, sendo 25 eventos no grupo adjuvante e 33 eventos no grupo de salvamento, equivalendo a uma sobrevida livre de evento de 92% versus 90% respectivamente, com HR:0,81 e p:0,41 (IC: 0,48 – 1,36). A recidiva bioquímica foi evento mais frequente no grupo de salvamento e o óbito no grupo submetido à radioterapia adjuvante, sendo a sua maioria não relacionada à neoplasia. A toxicidade gênito-urinária aguda e tardia ≥G2, foi significantemente mais frequente no grupo submetido à adjuvância sendo 17% versus 4% e 27% versus 7%, respectivamente. A toxicidade gastrointestinal aguda ≥G2, foi mais frequente no grupo submetido à adjuvância sendo 11% versus 4% e sem diferença quanto toxidade tardia. A disfunção erétil tardia foi, consideravelmente, mais frequente no grupo submetido à adjuvância (28% vs. 8%) e fortemente relacionado ao período de início da radioterapia após a cirurgia. Os status global de saúde analisado através de questionário de qualidade de vida (QLQ-PR25) foram similares entre os grupos.

Assim, foi observado equivalência na sobrevida livre de eventos entre os grupos estudados. Porém, o grupo submetido à adjuvância atingiu tais resultados às custas de elevadas taxas de toxicidade comparado ao grupo que recebeu radioterapia de salvamento. O baixo número de eventos comparado aos estudos prévios pode ser explicado pelo uso rotineiro do bloqueio androgênico em ambos grupos, técnica, dose e volume de radioterapia, valores de PSA no momento do tratamento e heterogeneidade da população.

 

Adjuvant radiotherapy versus early salvage radiotherapy plus short-term androgen deprivation therapy in men with localised prostate cancer after radical prostatectomy (GETUG-AFU 17): a randomised, phase 3 trial. Sargos P et al. Lancet Oncol. 2020 October;21(10):1341-52.
Radioterapia adjuvante versus radioterapia de salvamento precoce associado à terapia de deprivação androgênica em homens com câncer de próstata localizado após prostatectomia radical (GETUG-AFU 17): um estudo randomizado, fase 3.

 

Comentário do avaliador científico:

- É sabido do impacto do período decorrido entre a cirurgia e o início da radioterapia nas toxicidades agudas e tardias causadas pela irradiação pélvica, fato que tem tornado rotineiro o uso da radioterapia de salvamento em detrimento da radioterapia adjuvante. Assim, o dado é de grande valia para corroborar o que tem se tornado prática clínica, mas sempre com atenção à limitação estatística do estudo referente à amostra e o discutível, por vezes questionável uso rotineiro do bloqueio androgênico em ambos os grupos, mesmo em pacientes com baixos valores de PSA e tumores com Gleason predominantemente abaixo de 8. Apesar de ser improvável que os resultados mudem em favor da radioterapia adjuvante, é importante salientar que a progressão bioquímica não substitui a sobrevida livre de metástase e sobrevida global / câncer específica, visto a limitação amostral e o tempo de seguimento analisado. Espera-se que a análise conjunta destes dados junto aos trabalhos RAVES e RADICALS-RT através da metanálise ARTISTIC, tragam maior poder estatístico aos resultados apresentados.

 

Avaliador científico:
Dr. Eronides Batalha Filho, MD
Rádio-oncologista do Hospital Sírio-Libanês e chefe da radioterapia do Hospital de Base do Distrito Federal.
Residência em Radioterapia pela Escola Paulista de Medicina – EPM-UNIFESP.