SBOC REVIEW
Resultados dos ensaios clínicos PERSEPHONE e PHARE
Resumo dos artigos:
PERSEPHONE: ensaio clínico randomizado, multicêntrico, de fase 3, conduzido no Reino Unido, objetivando responder se 6 meses de trastuzumabe adjuvante para pacientes com câncer de mama HER2-positivo inicial, extirpado, candidatas a tratamento adjuvante, seria não-inferior em termos de sobrevidada livre de doença (SLD) em 4 anos em comparação ao tratamento padrão com trastuzumabe 12 meses. A margem para tal foi estabelecida como não sendo pior do que 3% no incremento absoluto da SLD em 4 anos para 6 meses de trastuzumabe comparado a 12 meses (margem de não-inferioridade na escala de hazard ratio [HR]= 1.29; poder estatístico= 85%, erro tipo alfa unicaudado= 5%). Com 4088 pacientes randomizados 1:1, 5.4 anos de seguimento mediano e 265 eventos de SDL (13% de 2043 pacientes) no braço de trastuzumabe 6 meses versus 247 eventos (12% de 2045 pacientes) no braço de trastuzumabe 12 meses, o estudo foi positivo para o desfecho primário de não-inferioridade para SLD em 4 anos, com uma taxa de 89.4% (IC 95%= 87.9-90.7) e 89.8% (IC 95%= 88.3-91.1), respectivamente, resultando em um HR de 1.07 (IC 90%= 0.93-1.24; p= 0.011). Tal efeito foi consistente em todas as análises de subgrupo, exceto para as pacientes submetidas a quimioterapia baseada exclusivamente em taxanos, quimioterapia neoadjuvante e trastuzumabe concomitante à quimioterapia. A sobrevida global também se mostrou não-inferior (HR= 1.14 [IC 90%= 0.95-1.37; p= 0.001]), e o braço de trastuzumabe 6 meses teve uma menor incidência de eventos adversos sérios (373 [19%] de 1939 pacientes vs 459 [24%] de 1894 pacientes no braço trastuzumabe 12 meses; p= 0.0002) assim como menor incidência de parada precoce de tratamento devido a cardiotoxicidade (61 [3%] vs 146 [8%], respectivamente; p< 0.0001). O estudo conclui que tais resultados suportam considerações a respeito do uso de trastuzumabe 6 meses para mulheres com risco de recorrência similar à população do mesmo.
PHARE: ensaio clínico randomizado, multicêntrico, de fase 3, conduzido na França, objetivando responder se 6 meses de trastuzumabe adjuvante para pacientes com câncer de mama HER2-positivo inicial, extirpado, candidatas a tratamento adjuvante, seria não-inferior em termos de sobrevidada livre de doença, com uma margem pré-especificada de HR de 1.15, em comparação ao tratamento padrão com trastuzumabe 12 meses. Com 3384 pacientes randomizados 1:1, seguimento mediano de 7.5 anos, 345 eventos de SLD (20.4% de 1690 pacientes avaliaveis) no braço de trastuzumabe 12 meses e 359 eventos (21.2% de 1690 pacientes avaliáveis) no braço de trastuzumabe 6 meses, o estudo seguiu negativo para não-inferioridade, com um HR ajustado de 1.08 (IC 95%= 0.93-1.25; p= 0.39). Tal efeito foi consistente em todas as análises de subgrupo. O HR para óbito resultou 1.13 (IC 95%= 0.92-1.39) e para sobrevida livre de metástases 1.15 (IC 95%= 0.96-1.37). Não houveram mudanças na comparação de segurança cardíaca em relação a análise prévia do estudo. O estudo conclui que trastuzumabe 12 meses deve ser mantido como tratamento padrão.
6 versus 12 months of adjuvant trastuzumab for HER2-positive early breast cancer (PERSEPHONE): 4-year disease-free survival results of a randomised phase 3 non-inferiority trial. Lancet (London, England) 2019. doi:10.1016/S0140-6736(19)30650-6.
Seis versus 12 meses de trastuzumabe adjuvante para câncer de mama inicial HER2-positivo (PERSEPHONE): resultados de sobrevida livre de doença em 4 anos de um ensaio clínico randomizado de fase 3, de não-inferioridade.
6 months versus 12 months of adjuvant trastuzumab in early breast cancer (PHARE): final analysis of a multicentre, open-label, phase 3 randomised trial. Lancet (London, England) 2019; 393(10191):2591–2598.
Seis versus 12 meses de trastuzumabe adjuvante em câncer de mama inicial (PHARE): análise final de um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, aberto, de fase 3.
Comentários do editor:
Trata-se de 2 estudos similares, atualizados e publicados na mesma edição de junho de 2019 do Lancet, com resultados díspares para a mesma pergunta: 6 meses de trastuzumabe adjuvante são equivalentes, do ponto de vista de eficácia, a 12 meses de tratamento para câncer de mama HER2-positivo?
Um questionamento necessário, em tempos de otimização de custo-efetividade e toxicidade dos tratamentos oncológicos, concebido após os resultados positivos do estudo FinHer com apenas 9 semanas de trastuzumabe, porém algo anacrônico. Do tempo de sua concepção até a apresentação dos resultados atualizados do PERSEPHONE e do PHARE, a prática clínica corrente mudou em demasia, no Brasil e no mundo, em desencontro com o que era padrão durante a realização de ambos os estudos, como é passível de ocorrer em grandes ensaios prospectivos com desfechos de longo-prazo, tal como:
• Devido a melhor eficácia, trastuzumabe nao é mais utilizado sequencialmente à quimioterapia, outrossim, concomitante aos taxanos, ao contrário de 53% e 43% da população do PERSEPHONE e do PHARE, respectivamente;
• De-escalonamento de quimioterapia, por meio da supressão do componente antracíclico, de maneira a se mitigar o risco de cardiomiopatia crônica e doenças mielóides, ao contrário de 90% e 89% da população do PERSEPHONE e do PHARE, respectivamente;
• Crescente utilização do tratamento neoadjuvante, em detrimento do tratamento adjuvante (85% da população do PERSEPHONE), de maneira a se aumentar as taxas de cirurgia conservadora da mama, prognosticar o risco de recidiva, baseado na resposta patológica e, mais recentemente, decidir a terapia pós-neoadjuvante;
• Crescente incorporação do duplo bloqueio HER2 com pertuzumabe/trastuzumabe (neo)adjuvante, devido à eficácia superior nos tumores de maior risco de recidiva;
• Incorporação, nos EUA e na Europa, do neratinibe adjuvante pós trastuzumabe 1 ano;
• Incorporação, nos EUA, do trastuzumabe-emtansina pós neoadjuvante para paciente com doença residual.
Assim sendo, torna-se complexo reconciliar o resultado positivo de não-inferioridade de um estudo descontextualizado da prática clínica atual, ainda mais frente a outro, de qualidade comparável, negativo.
Ademais, muito se debate a respeito das razões pelas quais o estudo PERSEPHONE foi positivo para não-inferioridade da eficácia de 6 meses de trastuzumabe, enquanto o PHARE não o foi. Friso aqui a margem de não-inferioridade mais “conservadora” na escala de hazard ratio do PHARE, de 1.15 no risco de recidiva de doença com 6 meses de trastuzumabe comparado a 12 meses, frente a margem mais “liberal” do PERSEPHONE, de 1.29: caso o PHARE sido calibrado com a margem mais liberal, tal qual o PERSEPHONE, teria sido também um estudo positivo. Consequentemente, o debate migra da razão pela qual tais estudos diferem para qual margem de não-inferioridade seria éticamente aceitável de se assumir. Em outras palavras: quanto a mais de risco de recidiva eu, paciente, estaria disposto a aceitar em prol de um tratamento encurtado? A resposta para tal serve de guia para escolher-se com qual estudo embasar a decisão do tempo de terapia adjuvante.
Outra consideração importante a se fazer, com todas as restrições inerentes a uma análise de subgrupo é: no PERSEPHONE, pacientes tratados sem antracíclicos tiveram um pior desfecho primário (HR= 2.47 para SLD; IC de 95%= 1.31-4.62; p= 0.011), potencialmente compromentendo a utilização de 6 meses de trastuzumab para aqueles candidatos aos regimes taxano-centrados, como pequenos tumores linfono-negativo. Tal achado encontra paralelo em antigos estudos de adjuvância quimioterápica que apontam para o benefício adicional das antraciclinas nos tumores HER2-amplificados, que potencialmente se dilui com o bloqueio HER2 por 12 meses, mas não o suficiente com apenas 6 meses. Fica o questionamento, portanto, se valeria trocar um regime relativamente “atóxico” como paclitaxel semanal/trastuzumabe 12 meses por qualquer outro baseado em antraciclinas, com todos os riscos de toxicidades agudas e crônicas atrelados, em prol da realização de trastuzumabe 6 meses, mantendo-se a mesma eficácia.
Em um cenário no qual o custa-efetividade do tratamento deve prevalecer, entretanto, é de se considerar fortemente o uso de trastuzumabe 6 meses, em especial para pacientes com menor risco de recorrência, uso prévio de antracíclicos e/ou alto risco de cardiotoxicidade por trastuzumabe, já que a mesma acumula sobremaneira com 6 meses adicionais de tratamento nessa subpopulação, como nosso grupo demonstrou previamente (Annals of Oncology (2019) 30 (suppl_3): iii65-iii71. 10.1093/annonc/mdz101).
Finalmente, há de se considerar uma bem-vinda extrapolação que o PERSEPHONE e até o PHARE, com sua diferença absoluta pequena de 0.8% nas taxas de SLD, permitem: se uma paciente, por quaisquer motivos, consegue completar apenas 6 meses de trastuzumabe, podemos tranquilizá-la a respeito do bom horizonte que se descortina a sua frente.
Editor:
Dr. Daniel Eiger
Oncologista Clínico do Instituto Jules Bordet e Universidade Livre de Bruxelas (U.L.B), Bruxelas, Belgica.
Revisora:
Dra. Adriana Hepner
Membro da SBOC; Oncologista Clínica pelo Hospital Sírio Libanês; Médica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP). Atualmente, participa como fellow clínica do Programa de Oncologia Cutânea do Melanoma Institute Australia, em Sydney.