SBOC REVIEW
Tarlatamab para pacientes com câncer de pulmão de pequenas células previamente tratados
Resumo do artigo:
O câncer de pulmão de pequenas células (CPPC) é uma entidade agressiva e com prognóstico reservado. Pacientes com doença extensa, embora apresentem altas taxas de resposta iniciais, em geral evoluem com progressão de doença em poucos meses, mesmo no advento dos estudos com inibidores de checkpoint imune (ICI). Um dos principais mecanismos de resistência à imunoterapia nesse cenário ocorre por meio de um downregulation dos complexos de histocompatibilidade maior (MHC 1). Em terceira linha, não há terapia padrão, com dados de vida real evidenciando taxas de resposta que variam entre 14 e 21%, duração de resposta (DOR) de menos de 3 meses e sobrevida global (SG) de menos de 6 meses.
O tarlatamab é um anticorpo bi-específico que se liga ao CD3 das células T do paciente e ao ligante delta-like 3 (DLL3) expresso de forma seletiva na superfície das células do CPPC, levando à destruição das células neoplásicas por meio da imunidade celular. A DLL3 é uma proteína inibitória da via de sinalização Notch e está localizada tipicamente no espaço intracelular de células normais, porém se expressa de forma anormal na superfície celular de 85 a 94% dos pacientes com CPPC. Em um estudo de fase 1, essa medicação evidenciou resultados animadores, com uma mediana de DOR por volta de 12 meses.
O DeLLphi-301 foi um estudo de fase 2, aberto, que incluiu pacientes com CPPC expostos previamente a pelo menos 2 linhas de tratamento, e procurou avaliar a atividade antitumoral e a segurança de 2 doses diferentes de tarlatamab, 10 mg e 100 mg. O objetivo primário do estudo era a taxa de resposta objetiva (ORR). Ao todo, 220 pacientes foram incluídos e receberam uma dose escalonada de 1 mg de tarlatamab no dia 1 do ciclo 1, seguida da dose alvo de 10 mg ou 100 mg no dia 8 e no dia 15 do ciclo 1 e a cada 2 semanas a partir de então, em ciclos de 28 dias. Após análise interina, a dose de 10 mg foi selecionada como alvo. Os pacientes eram, em sua maioria, homens, com histórico de tabagismo e 2 linhas de tratamento prévias, incluindo imunoterapia em mais de 70% dos casos, além de alta expressão de DLL3 (96%).
A mediana de seguimento foi de 10,6 meses para o grupo de 10 mg e 10,3 meses para o de 100 mg. Pacientes randomizados para a dose de 10 mg apresentaram ORR de 40% (IC 97,5% 29 a 52), enquanto o grupo de 100 mg apresentou ORR de 32% (IC 97,5% 21 a 44). Dentre os pacientes com resposta objetiva, a DOR em 6 meses foi de 59% (40 dos 68 pacientes). Até a última avaliação, ainda se evidenciava resposta objetiva mantida em 22 dos 40 pacientes (55%) do grupo 10 mg e em 16 dos 28 pacientes (57%) do grupo 100 mg. A mediana de sobrevida livre de progressão foi de 4,9 meses (IC 95% 2,9 a 6,7) no grupo 10 mg e 3,9 meses (IC 95% 2,6 a 4,4) no de 100 mg, com SG em 9 meses de 68% e 66% dos pacientes, respectivamente. A mediana de SG para os pacientes do grupo de 10 mg foi de 14,3 meses.
Os eventos adversos mais comuns foram a síndrome de liberação de citocinas, que ocorreu em 51% dos pacientes do grupo de 10 mg (1% grau 3) e em 61% do grupo 100 mg (6% grau 3), além de hiporexia, anemia e pirexia. Apenas 3% dos pacientes descontinuaram a medicação em virtude de eventos adversos. O tarlatamab também foi associado à ICANS (síndrome de neurotoxicidade associada a células efetoras imunes) em 8% e 28% dos pacientes, respectivamente.
Os autores concluem que o tarlatamab foi associado a atividade antitumoral e sobrevida promissoras para pacientes com CPPC previamente tratados.
Comentário do avaliador:
O tarlatamab é um anticorpo biespecífico que atua direcionando as células T do paciente às células do CPPC, por meio de uma ligação ao CD3 e DLL3, respectivamente, gerando ativação da imunidade celular e lise tumoral, de forma independente do MHC 1, o que o diferencia dos ICI. No estudo de fase 2 DeLLphi-301, essa medicação evidenciou uma ORR de 40%, bem acima do controle histórico de 15% estabelecido pelo estudo, com uma manutenção de resposta em 25% dos pacientes após 9 meses. Além disso, a mediana de SG foi de 14,3 meses, um resultado bastante animador no cenário avaliado, carente de tratamentos eficazes.
O estudo chama a atenção para o perfil de toxicidade relacionado a imunoterapias baseadas em células T, como síndrome de liberação de citocinas (SLC) e ICANS. Embora potencialmente graves, os eventos ocorreram predominantemente com graus 1 ou 2 de severidade, e, no caso da SLC, foram, em geral, manejados adequadamente apenas com suporte clínico – hidratação venosa, paracetamol e/ou corticoides.
Assim, o tarlatamab traz resultados bastante promissores para o tratamento de pacientes com CPPC previamente tratados, embora seja necessário aguardarmos um seguimento mais prolongado para dados maduros de sobrevida. Como perspectiva, encontra-se em andamento o estudo de fase 3 DeLLphi-304, que avaliará o benefício do tarlatamab para pacientes com CPPC, com falha a uma linha de tratamento prévio, em relação à quimioterapia padrão (topotecano, lurbinectidina, amrubicina).
Citação: Ahn MJ, Cho BC, Felip E, et al; DeLLphi-301 Investigators. Tarlatamab for Patients with Previously Treated Small-Cell Lung Cancer. N Engl J Med. 2023 Oct 20. doi: 10.1056/NEJMoa2307980.
Avaliador científico:
Dra. Viviane Alencar
Residência médica em Oncologia clínica – AC Camargo Cancer Center / SP.
Intensive Course in Genetic Cancer Risk Assessment – City of Hope Cancer Center / USA
Oncologista clínica no COE Oncologia e Doenças auto-imunes – São José dos Campos / SP.
Cofundadora e pesquisadora da Oncodata na área de inteligência artificial para auxílio ao diagnóstico de câncer.