SBOC REVIEW
Tratamento oncológico agressivo nas últimas 2 semanas de vida
Resumo do artigo:
O arsenal de terapias antineoplásicas avançou enormemente nos últimos anos. Consequentemente, há uma preocupação crescente com tratamentos agressivos inconsistentes com o cenário de fim de vida, com impacto em luto difícil aos familiares e em toxicidade financeira para os sistemas de saúde. Classicamente, a administração de quimioterapia (QT) em pacientes com performance reduzida e prognóstico desfavorável não é recomendada, porém, vários fatores conhecidos estão associados ao aumento da administração de QT na fase final de vida (FFV): idade jovem, sexo masculino, histologias quimiossensíveis, falta de acesso à equipe de cuidados paliativos. Há uma preocupação com que novas terapias sistêmicas, tais quais imunoterapia e terapia alvo molecular, possam desencadear um efeito dominó, com o uso crescente de outras modalidades de tratamento, como QT, radioterapia (RT) e cirurgia em pacientes com câncer já em FFV.
Esse estudo retrospectivo incluiu pacientes adultos com cânceres sólidos avançados tratados no Instituto de Oncologia de Ljubljana e que morreram de câncer entre janeiro de 2015 e dezembro de 2019. Foi avaliada a associação entre a agressividade do tratamento oncológico (ou seja, tratamento sistêmico, radioterapia e cirurgia) nas últimas 2 semanas de vida e ano de morte, idade no momento da morte, sexo, prognóstico de câncer e inscrição no serviço especializado em cuidados paliativos (SCP). Foram incluídos 1.736 pacientes na análise. Viu-se que 13,7% dos pacientes foram inscritos no SPC e que 14,4% receberam tratamento oncológico nas últimas 2 semanas de vida. As chances de receber tratamento oncológico significativamente aumentaram ao longo do tempo (OR 1,15; IC 95%, 1,04-1,27).
Houve um aumento no uso de novas terapias sistêmicas (terapia alvo molecular e imunoterapia) na FFV. Pacientes mais velhos tinham probabilidade significativamente mais baixa de receber tratamento oncológico nas últimas 2 semanas de vida em comparação com pacientes mais jovens (OR 0,96; IC 95%, 0,95-0,98). Pacientes inscritos no SCP tinham probabilidade significativamente mais baixa de tratamento oncológico nas últimas 2 semanas de vida (OR 0,22; IC 95%, 0,12-0,43).
Nesse estudo, a proporção de pacientes que recebeu QT não mudou substancialmente ao longo período analisado. De acordo com outros resultados publicados, a administração de QT nas últimas 2 semanas de vida varia entre 5% e 13%. A proporção de pacientes que receberam QT nesse trabalho foi inferior a 10%, o que é um indicador de baixa agressividade no tratamento com QT. No entanto, observou-se uma tendência de aumento do uso de novas terapias sistêmicas (NTS): enquanto apenas 1,5% dos pacientes receberam NTS no ano de 2015, tal proporção aumentou para 5,4% no ano de 2019.
Como conclusão, esse estudo alerta para o risco de tratamentos oncológicos agressivos na FFV, no contexto da rápida evolução da oncologia clínica, especialmente em países com cuidados paliativos instituídos de forma subótima e onde novas terapias sistêmicas estão disponíveis.
Comentário do avaliador científico:
É bem conhecido que o tratamento oncológico pode ter um efeito prejudicial na qualidade de vida na fase final da vida (FFV), caracterizada por presença de doença que limita a continuidade da vida em caráter irreversível e declínio da sobrevida esperada para poucos meses (ou menos). A previsão dos médicos quanto à sobrevivência de pacientes com câncer avançado é muitas vezes imprecisa ou muito otimista. Embora diversas ferramentas prognósticas tenham sido desenvolvidas e validadas para reduzir essa imprecisão, atualmente não há consenso sobre a ferramenta mais apropriada para ser usada na prática clínica cotidiana.
Os problemas de receber tratamento agressivo com quimioterapia na FFV já são reconhecidos e definidos na literatura. Porém, devido ao surgimento de novas terapias oncológicas (rápida evolução), a preocupação com a qualidade de vida dos doentes em terminalidade deve ser acessada. Os resultados desse estudo mostram que o uso de tratamento antineoplásico nas últimas 2 semanas de vida aumentou significativamente de 2015 a 2019. Embora o uso de QT, RT e cirurgia não tenha mudado substancialmente ao longo tempo, houve uma tendência de uso crescente de novos agentes, em geral, de alto custo (terapia alvo molecular e imunoterapia). Pacientes mais jovens e aqueles não inscritos em serviços de cuidados paliativos tiveram maior probabilidade de serem expostos a tratamento agressivo na FFV.
Esse trabalho está alinhado com outros estudos recentes que também mostraram uso crescente de imunoterapia em pacientes com cânceres avançados, de histologia urotelial, câncer de pulmão de células não pequenas e melanoma, no cenário de finitude, apesar de não haver evidências de que esta prática seja benéfica para pacientes. Da mesma forma, foi relatado, em estudos semelhantes, que novas terapias sistêmicas, como agentes alvo-direcionados, tornaram-se amplamente utilizados nos últimos meses de vida de pacientes com câncer avançado.
A descoberta de novas terapias sistêmicas, acompanhadas de perfis de toxicidade específicos, e a possibilidade de tratamento oral confundiu a fronteira entre intervenções ativas e paliativas, pois oncologistas, pacientes e suas famílias podem perceber agentes alvo-direcionados por via oral e imunoterapia como tratamento menos agressivo em comparação com QT.
Citação: Aggressive anticancer treatment in the last 2 weeks of life. N. Golob et al. ESMO Open. Volume 9 – Issue 3 – 2024. DOI: https://doi.org/10.1016/j.esmoop.2024.102937.
Avaliador científico:
Dra. Eliane Melo dos Reis Fernandes
Oncologista Clínica pela Liga Norte Riograndense Contra o Câncer – Natal/RN
Especialista em Cuidados Paliativos pelo Hospital Sírio-Libanês (2015) e Hospital Albert Einstein (2021/2022)
Instagram: @eliane_melofernandes
Cidade de atuação: Natal/RN