Residência médica em oncologia clínica: avanços e desafios

A residência médica em oncologia clínica foi regulamentada no Brasil há 40 anos. Ao longo das décadas, alguns desafios para uma formação mais robusta do oncologista clínico permanecem: vagas ociosas e mal distribuídas entre os estados da federação e programas que nem sempre oferecem formação sólida ao residente.
Segundo levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) em 2022, a partir dos dados da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), existiam em atividade 131 programas de residência médica em oncologia clínica no país até o último ano. Com exceção do Amapá, Maranhão, Roraima e Tocantins, todos os demais estados e o Distrito Federal possuíam programas de residência na especialidade.
Na avaliação do presidente da SBOC, Dr. Carlos Gil Ferreira, um importante avanço para aprimorar a formação do residente foi a aprovação pelo Ministério da Educação em 2018 do novo Programa de Residência Médica em Oncologia Clínica (PROC), uma série de diretrizes para a formação desses profissionais.
Elaborado pela SBOC e aprovado pela CNRM, a nova matriz de competências da residência em oncologia clínica foi implementada em 2019 após dez anos sem alterações. “Uma das frentes de atuação da SBOC, ao longo de todas as suas gestões, é apoiar sempre a formação e educação continuada dos oncologistas clínicos no Brasil”, comenta Dra. Carlos Gil. “A entidade é protagonista no fortalecimento dos programas de residência médica em nossa especialidade e, consequentemente, na formação dos novos especialistas”, complementa.
Coordenadora do Comitê de Ensino da SBOC, Dra. Clarissa Baldotto explica que o PROC trouxe diversos avanços na formação em oncologia clínica, tomando como base o currículo elaborado pela European Society for Medical Oncology (ESMO) e American Society of Clinical Oncology (ASCO). “O primeiro ano da residência em oncologia clínica era concentrado só na enfermaria e agora o residente de primeiro ano também tem vivência no ambulatório”, conta. “Outro ponto importante foi a responsabilização da SBOC quanto à disponibilização de conteúdo didático e complementar porque temos uma situação heterogênea entre os programas de residência e os serviços nos quais os programas estão inseridos”, pontua a diretora da Sociedade.
Uma das frentes de atuação da SBOC, ao longo de todas as suas gestões, é apoiar a formação e educação continuada dos oncologistas clínicos no Brasil”
Dr. Carlos Gil.
Vagas ociosas e mal distribuídas
De acordo com os dados levantados pela SBOC em 2022, 1.074 vagas foram disponibilizadas para residentes em oncologia clínica no país e, destas, 500 não foram preenchidas. Segundo Dr. Rodrigo Munhoz, membro do Comitê de Ensino da SBOC, essa ociosidade perpassa fatores como o perfil dos programas de residência médica em oncologia clínica, a estruturação dos serviços de saúde nas diferentes regiões, a demanda de pacientes e a distribuição dos oncologistas clínicos. “Reconhecer essas questões é fundamental para que possamos entender se essas vagas ficam ociosas porque os residentes vão para serviços mais capacitados, se vão para outras regiões ou porque buscam mercados de trabalho diferentes”, explica.

Outro desafio é a distribuição das vagas. A maioria delas está disponível no Sudeste em contraste com o Norte, região com menor número de vagas. “Essa disparidade deixa desassistida grande parte da população dos municípios do interior e de áreas periféricas das grandes cidades”, analisa Dr. Rafael Kaliks, membro dos Comitês de Defesa Profissional e Ética da SBOC e coordenador do grupo de trabalho do PROC na entidade. “No entanto, forçar o preenchimento de vagas dificilmente solucionaria o problema da população e certamente não atenderia as expectativas dos residentes”, pondera.
Para ele, o ideal é focar em melhorar o ensino nos programas de residência em oncologia clínica e as condições de trabalho nas áreas desassistidas para torná-las mais atrativas aos médicos que optarem por essa especialidade
Heterogeneidade dos programas
Outro desafio na residência médica em oncologia clínica é a heterogeneidade dos seus programas com a oferta de conhecimentos teóricos e práticos condizentes com a realidade do mercado de trabalho. A formação do especialista também precisa incluir, defende Dr. Munhoz, conceitos e treinamentos em cirurgia oncológica, radioterapia, oncogenética, cuidados paliativos, anatomia patológica e radiologia. Essas habilidades estão presentes no PROC. “É essencial oferecer ao residente uma boa condição de formação, permitindo a aquisição de habilidades nas mais variadas áreas”, explica.
Além disso, é necessário incluir no currículo dos programas o ensino de técnicas inovadoras de diagnóstico, de monitoramento molecular e de novos tratamentos, como a imunoterapia e as terapias-alvo, principalmente no Sistema Único de Saúde (SUS), que concentra boa parte das vagas na residência em oncologia clínica. “Temos usado cada vez mais conceitos de oncologia de precisão para classificação de tumores e construção de um plano de tratamento. Esses são testes caros, nem sempre disponíveis e muitas vezes acabam não sendo incorporados ao raciocínio terapêutico. Este é mais um desafio: se não oferecermos esse treinamento, esse conhecimento fará falta na prática dos residentes”, afirma Dr. Munhoz.
A supervisão adequada é outro desafio. Como garantir maior vínculo acadêmico entre os residentes e os preceptores, responsáveis por transmitir o conhecimento?
Preceptor do Programa de Residência Médica em Oncologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), Dr. André Sasse defende que os preceptores tenham uma formação com pós-graduação ou se beneficiem de treinamentos oferecidos pela própria SBOC em eventos educativos, em seu congresso anual e também na modalidade on-line, com as ações organizadas pela Escola Brasileira de Oncologia (EBO)
Em relação ao PROC, Dr. Sasse lembra que a maioria dos serviços de residência na especialidade não está preparado para implementar adequadamente suas diretrizes. “Muitos oncologistas que atuam como preceptores desconhecem os detalhes do PROC e, em alguns casos, até mesmo os temas que deveriam ensinar aos residentes. Por isso, ele precisa ser amplamente divulgado para que os preceptores e profissionais envolvidos estejam familiarizados”, afirma.
Para Dra. Clarissa, a implementação do PROC já representa um entre muitos avanços que a oncologia clínica vem conquistando no Brasil com a participação da SBOC. “Desde o reconhecimento da especialidade pela Associação Médica Brasileira (AMB), a implementação do PROC e a publicação de outras diretrizes governamentais têm a participação da nossa Sociedade, sempre visando a melhoria no cuidado do paciente. Essas são formas de aumentar a relevância e o interesse na SBOC”, conclui.
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