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SBOC REVIEW

Benefício da adição de pembrolizumabe à gencitabina e cisplatina em colangiocarcinoma avançado

 

Resumo do artigo:
Os tumores de vias biliares têm prognóstico reservado e estão aumentando em incidência no mundo. A associação de gencitabina e cisplatina (gen/cis) permaneceu por muitos anos como tratamento padrão, desde o resultado do estudo ABC-02, há mais de uma década. Imunoterapia isolada não se mostrou eficaz, com baixa taxa de resposta, em grande parte pelo frio microambiente tumoral. Porém, a quimioterapia já se mostrou eficaz em modular o sistema imunológico, inclusive a gencitabina e a cisplatina.

Foi realizado um trabalho de fase 3, controlado por placebo, duplo cego, para avaliar se a associação de imunoterapia aumentaria a eficácia do tratamento quimioterápico. Foram incluídos pacientes acima de 18 anos, com carcinoma da via biliar (colangiocarcinoma, tumores mistos – hepatocarcinoma e colangiocarcinoma – ou carcinoma de vesícula biliar) localmente avançado ou metastático, com doença mensurável por RECIST e ECOG 0 ou 1. Os pacientes só poderiam ter recebido tratamento adjuvante ou neoadjuvante até 6 meses antes.

Entre agosto de 2019 e junho de 2021 foram arrolados 1.564 pacientes de 175 centros em todo o mundo, sendo 1.069 randomizados (1:1) para receber pembrolizumabe associado a gen/cis ou placebo e o doublet de quimioterapia. Os critérios de estratificação foram: região geográfica (Ásia ou não), estágio da doença e localização do tumor primário.

Os pacientes receberam a cada 3 semanas pembrolizumabe na dose de 200 mg, por um máximo de 35 aplicações – ou placebo; gencitabina 1000 mg/m2 D1 e D8, sem limite de duração de tratamento, e cisplatina 25 mg/m2 D1 e D8, por no máximo 8 ciclos. Aqueles que necessitavam descontinuar a imunoterapia por toxicidade inaceitável poderiam continuar somente a quimioterapia e vice-versa. Foram realizados exames de imagem a cada 6 semanas e a avaliação de resposta era avaliada de forma central, independente e cega. O objetivo primário do estudo foi avaliação de sobrevida global (SG). Objetivos secundários incluíam sobrevida livre de progressão (SLP), taxa de resposta objetiva, duração de resposta e segurança.

Após seguimento de 25,6 (21,7 – 30,4) meses (m) foi observada SG de 12,7 (11,5 – 13,6) m no grupo do pembrolizumabe versus 10,9 (9,9 – 11,6) m no grupo placebo (hazard ratio (HR) de 0,83 – IC 95% 0,72 – 0,95; p=0,0034). Não houve ganho estatisticamente significativo de SLP (HR 0.86 – IC 95% 0,75 – 1,00; p=0.023) nem de taxa de resposta objetiva – diferença de 0,2% (IC 95% -5,2 a 5,6; p=0,47). A duração mediana de resposta foi de 9,7 m (IC 95% 6,9 – 12,2) para o grupo de intervenção e de 6,9 m (IC 95% 5,7 – 8,2) no grupo controle. A estimativa de resposta mantida em 2 anos foi de 18% (IC 95% 11 – 26) dos pacientes no grupo do pembrolizumabe versus 6% (IC 95% 2 – 13) no placebo.

Eventos adversos associados ao tratamento grau 3 ou 4 foram observados em 70% dos pacientes no grupo de intervenção e 69% dos pacientes no grupo controle. Houve 8 óbitos no grupo que recebeu pembrolizumabe e 3 óbitos no grupo placebo. Os efeitos imunomediados mais frequentes foram hipotireoidismo e pneumonite.

Antes do KEYNOTE 966, foi publicado o TOPAZ-1, que demonstrou ganho de SG com adição de durvalumabe à gen/cis, com HR de 0,80 (IC 95% 0,66 – 0,97; p=0,021). Ambos os estudos foram positivos, mas não apresentaram resultados tão impactantes, com pequeno ganho absoluto de sobrevida. No caso do KEYNOTE 966, não houve ganho de SLP, ao contrário do TOPAZ-1. No entanto, há algumas diferenças importantes entre os estudos. O estudo com pembrolizumabe foi realizado com mais pacientes – 1.069 versus 685 pacientes randomizados no TOPAZ-1. Ademais, os pacientes do KEYNOTE 966 poderiam receber tratamento com gen/cis até 8 ciclos e depois permanecer com gencitabina sem definição de tempo. Isso poderia, em parte, explicar um melhor desempenho do grupo controle. Finalmente, no KEYNOTE 966 havia avaliação dos resultados por comitê independente.

Em conclusão, o estudo teve seu objetivo primário de SG atingido e a associação de pembrolizumabe com gen/cis pode ser considerada uma nova opção terapêutica para pacientes com carcinoma de vias biliares avançado.

Comentário:
É certamente animador ver que após muitos anos sem grandes avanços o tratamento dos tumores das vias biliares volta a ter novidades importantes. Além deste estudo, foi recentemente publicado o TOPAZ-1, o qual também demonstrou ganho de sobrevida global com associação de imunoterapia e quimioterapia. Na segunda linha, temos novas terapias alvo para pacientes com alterações específicas como mutação de IDH1 e fusão FGFR2.

Contudo, enquanto na segunda linha as novidades foram guiadas por biomarcadores específicos, a imunoterapia foi incorporada para todos os pacientes na primeira linha. Na análise por subgrupos, todos favoreceram a adição do pembrolizumabe, independente, por exemplo, do status PDL1. Em relação ao sítio primário, os tumores intra-hepáticos parecem ter tido um benefício maior, assim como já havia sido observado no TOPAZ-1.

Embora o impacto do aumento do custo com a incorporação do pembrolizumabe no cenário de tumores de vias biliares avançados possa ser considerado pequeno devido a raridade da doença, se junta às dezenas de indicações de imunoterapia que aumentam de forma exponencial em oncologia, pode se tornar uma conta difícil de fechar.

Resultados positivos trazem ânimo e esperança para nossa prática, na busca por ofertar os melhores tratamentos disponíveis aos pacientes. Porém, a falta de biomarcadores e excesso de custo das medicações coloca um freio. O oncologista de forma individual pouco influi nas decisões. Essas, a exemplo da Europa, deveriam ser feitas de forma mais ampla, com avaliações melhores de custo-efetividade.

Finalmente, a primeira linha de tratamento de tumores de vias biliares avançado mudou após muitos anos, com a incorporação de imunoterapia ao doublet de platina, com dois estudos felizmente positivos. O que não mudou foi a lógica da incorporação desenfreada de custos, com operadoras estranguladas e um abismo cada vez maior entre a saúde suplementar e o SUS

Citação: Kelley, Robin Kate, et al. “Pembrolizumab in combination with gemcitabine and cisplatin compared with gemcitabine and cisplatin alone for patients with advanced biliary tract cancer (KEYNOTE-966): a randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 3 trial.” The Lancet (2023).

Avaliador científico:
Dra. Mariana Vargas Gil
Residência Médica em Cancerologia Clínica pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA)
Oncologista Clínica na Oncoclínicas, Rio de Janeiro