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SBOC REVIEW

CAR-T para neuroblastoma: um novo horizonte para imunoterapia em tumores sólidos?

Resumo do artigo:
Neuroblastomas são tumores pediátricos marcados por uma vasta heterogeneidade clínica e prognóstica. Originários da cadeia simpática e células neuroectodérmicas da médula adrenal, acometem majoritariamente crianças abaixo de 5 anos com elevada mortalidade. Menos de 5% dos casos são diagnosticados em adultos jovens. Ao longo dos anos, com o entendimento molecular dessa doença, permitiu-se estratificar os pacientes em categorias de risco e melhor individualizar seu tratamento.

Cerca de metade dos casos apresentam fatores de alto risco, como amplificação de MYCN, aberrações cromossômicas e doença metastática. Nesse cenário, atualmente consolida-se o tratamento com quimioterapia em altas doses e transplante autólogo, seguida de agentes diferenciadores retinoides e imunoterapia com anticorpos anti-GD2 (disialogangliosídeo, antígeno altamente expresso nas células tumorais). Com o acréscimo dessas novas drogas, otimizou-se a sobrevida mesmo dos casos mais graves, com SG em 5 anos > 50%. No caso do adulto, ainda vemos desfechos aquém do esperado, talvez por uma biologia mais agressiva, somada à menor sensibilidade e pior tolerância aos intensivos regimes pediátricos.

A despeito dos avanços terapêuticos, crianças que falham à 1ª linha constituem um subgrupo orfão de estratégias eficazes de resgate. Buscando atender a essa população, pesquisadores italianos testaram em um estudo de fase 1 – 2 um CAR-T anti-GD2. Para amenizar seus potenciais efeitos de toxicidade imunoefetora, essas células foram transfectadas com o gene induzido da caspase 9 (iC9), mecanismo citolítico que dirige à apoptose quando da hiperativação imune.

Com a dose recomendada de 10×10(6)/kg sem toxicidades limitantes no fase 1, 27 pacientes com doença refratária de alto risco e alta expressão de GD2 foram tratados com até 4 infusões, suspensas após resposta máxima. Precedendo cada infusão, empregou-se regime linfodepletor com Ciclofosfamida e Fludarabina.

A mediana de idade foi de 6,7 (2,7 – 18,6) anos. Desses, 33% apresentavam pior prognóstico com escore MIBG >7 e 52% haviam recebido anti-GD2 previamente. Onze dos 27 pacientes receberam mais de uma infusão e apenas um foi tratado o máximo de 4.

Células T CD8 e CD4 do CAR anti-GD2 foram detectadas no sangue periférico em até 30 meses (mediana de persistência: 3 meses), bem como na medula óssea e LCR. Vale ressaltar que mesmo nos longo-respondedores, não foi detectada a expressão de marcadores de exaustão de célula T.

De especial interesse, o perfil de segurança foi favorável. Síndrome de liberação de citocinas (CRS) foi a toxicidade mais comum, acometendo 74% dos pacientes, porém de grau 1 em 95% destes. Apenas 1 paciente cursou com CRS grau 3, superada após emprego de tocilizumabe. Não houve neurotoxicidade reportada.

Ao analisarmos os dados de eficácia, chama a atenção a profundidade das respostas objetivas (63%), com 33% de respostas completas – todos os últimos tratados com uma única infusão. Com seguimento mediano de 1,7 (1,2 – 2,6) anos, houve manutenção da resposta completa em 5 dos 9 pacientes. Em 3 anos, a sobrevida livre de eventos estimada foi de 36%, com 60% de sobrevida global. Tratamento prévio com anti-GD2 não alterou os desfechos.
Embora preliminares e em uma população pediátrica, esses dados inovam ao demonstrar factibilidade, com perfil de segurança favorável, bem como eficácia animadora através do emprego de células CAR-T para tratamento de uma neoplasia sólida de prognóstico adverso.

Comentário do avaliador científico:
Há muito se conhece o papel promissor das células CAR-T para o tratamento de neoplasias hematológicas. Embora seja uma tecnologia dispendiosa pelo tempo, entraves financeiros e personal capacitado, a terapia celular modifica a história natural em cenários adversos de refratariedade.

Muito se passou até que a Oncologia importasse esses dados. Recentemente, relatos de caso apontam para o sucesso anedótico das células CAR-T, com publicações em câncer de pâncreas, de pulmão e de células renais.

Pela primeira vez, um estudo de fase 2 reuniu quase 30 pacientes em um dos cenários mais desafiadores de neuroblastoma refratário e comprovou que a terapia celular veio para ficar: não somente seguro, o emprego de células CAR-T obteve taxas de resposta profundas, duradouras e sobrevida muito além do que atingimos atualmente com as terapias convencionais. Benefício este observado homogeneamente em tratamentos prévios, idade ou risco genômico.

O futuro reserva um horizonte entusiasmante, mas trabalhoso: importar essa tecnologia aos centros brasileiros, torná-la financeiramente viável, manejar seus eventos adversos incomuns e compreender seus complexos mecanismos de resistência figuram entre os desafios que estão por vir.

Citação: Del Bufalo, F., De Angelis, B., Caruana, I. et al. GD2-CART01 for Relapsed or Refractory High-Risk Neuroblastoma. N Engl J Med 2023; 388:1284-1295. DOI: 10.1056/NEJMoa2210859.

Avaliador científico:
Dr. Pedro José Galvão Freire
Residência Médica em Oncologia Clínica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP – ICESP)
Título de Especialista em Oncologia Clínica pela SBOC/AMB
Oncologista Clínico na Oncologia D’Or, Recife/PE