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SBOC REVIEW

Cirurgia citorredutora com ou sem quimioterapia intraperitoneal hipertérmica em pacientes com câncer de ovário avançado (OVHIPEC-1): análise final de sobrevida de um estudo randomizado e controlado de fase 3

Resumo do artigo:

A quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) surgiu como uma estratégia para potencializar o tratamento do câncer epitelial de ovário, dada a alta taxa de recorrência peritoneal, apesar da citorredução completa e do tratamento sistêmico adjuvante ou neoadjuvante. A administração de agentes quimioterápicos diretamente na cavidade peritoneal potencializa a exposição local junto a doença peritoneal. Além disso, a adição de hipertermia possui efeitos citotóxicos diretos. Em estudos in vitro, a temperatura elevada degrada BRCA2 e, assim, inibe a recombinação homóloga, que em combinação com quebras de fita dupla causadas por quimioterapia à base de platina, resulta na morte de células tumorais e induz a um estado transitório de deficiência de recombinação homóloga (HRD).

O principal objetivo deste ensaio clínico foi analisar a influência do tratamento HIPEC na sobrevida dos pacientes e, secundariamente, na morbidade, mortalidade e qualidade de vida.

O OVHIPEC1 foi o primeiro estudo randomizado e controlado de fase 3 para avaliar a adição de HIPEC à cirurgia. Foram incluídas 245 pacientes com câncer de ovário epitelial em estágio III (FIGO) de oito centros na Holanda e na Bélgica que não eram elegíveis para citorredução upfront e com no mínimo doença estável após 3 ciclos de quimioterapia neoadjuvante (NACT) com carboplatina e paclitaxel, após isso eram submetidas a citorredução de intervalo (CI) com doença residual máxima de até 1 cm. Elas foram randomizadas para HIPEC à base de cisplatina na dose de 100mg/m² versus não realizar HIPEC, seguidas de 3 ciclos de carboplatina e paclitaxel em ambos os braços do estudo.

A análise inicial, apresentada em 2018, com 4,7 anos de acompanhamento, mostrou aumento de sobrevida livre de recorrência, HR 0,66 [IC 95% 0,50 –0,87], e sobrevida global (HR 0,67 [IC 95% 0,48–0,94]) com a adição de HIPEC à cirurgia citorredutora quando comparado com cirurgia isolada. A proporção de pacientes que tiveram eventos adversos graves não diferiu significativamente entre o grupo de cirurgia (25%) e o grupo de cirurgia+HIPEC (27%; p=0,76). Dor abdominal, infecção e íleo foram os eventos mais frequentemente relatados. Mortalidade até 30 dias após a cirurgia foi baixo, com um (<1%) óbito entre todos os participantes do estudo (n=245), ocorrido no grupo de cirurgia.

Neste artigo de 2023, fora apresentado a atualização sobre os resultados de sobrevida da população com intenção de tratar após 10 anos de acompanhamento desde a randomização até o corte dos dados. A sobrevida livre de progressão mediana foi de 14,3 meses no grupo de cirurgia/HIPEC x 10,7 meses no grupo de cirurgia isolada (HR= 0,63, IC 95% = 0,48–0,83, P = 0,0008). A sobrevida global mediana foi de 44,9 meses no grupo de cirurgia/HIPEC x 33,3 meses no grupo de cirurgia isolada (HR = 0,70, IC 95% = 0,53). –0,92, P = 0,011). As taxas em 5 e 10 anos foram de 36,9% vs 19,7% e 16,1% vs 10,9%, respectivamente.

O efeito do HIPEC permaneceu consistente entre fatores de estratificação pré-especificados (cirurgia citorredutora anterior com doença residual e o número de regiões abdominais envolvidas) e subgrupos exploratórios post-hoc (idade, tipo histológico e laparoscopia feita antes da cirurgia). No entanto, o efeito do HIPEC na sobrevida livre de progressão e global foi influenciado pela presença de mutação do BRCA1/2, não tendo sido demonstrado benefício da HIPEC neste subgrupo (p=0,015 para a sobrevida livre de progressão e p=0,016 para a sobrevida global, ambos valores em interação).

 

Comentário do avaliador científico:

Três ensaios clínicos randomizados foram publicados com HIPEC em câncer de ovário com disseminação peritoneal e em todos parece haver benefício a favor da HIPEC em pacientes previamente tratadas com NACT seguido de CI. O ensaio clínico mais robusto é o OVHIPEC-1, e após a sua publicação foi reativada a discussão sobre HIPEC. O impacto pode ser atenuado se considerarmos o tempo decorrido entre o desenho do estudo e a publicação dos resultados, pois é difícil adaptar com base em avanços futuros o tratamento. No OVHIPEC-1, o recrutamento começou em 2007, 7,5 anos antes da aprovação pelas agências regulatórias dos inibidores da PARP para pacientes BRCA mutado (2014). Nesta nova era de tratamento personalizado, uma das dificuldades mais importantes na extrapolação dos resultados não é se a HIPEC é útil ou não, mas qual a sua relevância nesta era dos inibidores de PARP. As análises dos dados em relação ao status BRCA e HRD produziram alguns resultados surpreendentes: pacientes com mutação de BRCA não se beneficiaram de HIPEC, enquanto pacientes com HRD pareceram derivar maior benefício, o que abre outra linha de discussão. A SBCO liberou uma nota técnica dizendo que o uso da HIPEC na CI pode representar uma estratégia terapêutica importante e tem como ponto-chave a seleção adequada dos pacientes.

 

Citação: SL, Aronson, M, Lopez-Yurda, SN, Koole et al. Cytoreductive surgery with or without hyperthermic intraperitoneal chemotherapy in patients with advanced ovarian cancer (OVHIPEC-1): final survival analysis of a randomised, controlled, phase 3 trial. Lancet Oncol 2023. https://doi.org/10.1016/ S1470-2045(23)00396-0

 

Avaliador científico:

Dra. Larissa Müller Gomes

Oncologista Clínica do Centro Paulista de Oncologia – Oncoclínicas São Paulo/SP e Diretora de Comunicação do Grupo EVA de Tumores Ginecológicos