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SBOC REVIEW

Efeitos do rastreamento com colonoscopia sobre o risco de câncer colorretal e morte

Resumo do artigo:

O câncer colorretal (CCR) é o terceiro do topo de neoplasias no mundo e o segundo em mortes, mostrando a relevância e o impacto que poderia ter um programa de rastreamento.

Múltiplas estratégias de rastreamento estão disponíveis, no entanto, nenhuma com evidência sólida. Dentre os testes mais comuns estão a pesquisa de sangue oculto nas fezes e as endoscopias.

Estudos randomizados mostram risco relativo 15% menor de morte por CCR no grupo rastreado com sangue oculto, sem redução na incidência da neoplasia. Como a maioria dos tumores colorretais se desenvolvem a partir de pólipos benignos, a colonoscopia poderia ter a vantagem adicional de reduzir a incidência da neoplasia, tratando-os precocemente.

Existem dados sugerindo redução de até 25% na incidência de CCR em pessoas que realizaram sigmoidoscopia. Acredita-se que a colonoscopia possa ser ainda mais eficaz, por examinar todo o cólon. Analisar com cuidado os riscos e benefícios de usar a colonoscopia como método de rastreamento é de suma importância, já que é invasiva e traz riscos, além de demandar mais recursos do sistema de saúde.

O NordICC (Nordic-European Initiative on Colorectal Cancer) é um estudo grande, randomizado e multicêntrico que avaliou os efeitos da colonoscopia de rastreamento no risco de desenvolver CCR e morte em 10 anos. O NordICC foi conduzido em 4 países: Polônia, Noruega, Suécia e Holanda. Incluiu homens e mulheres entre 55 e 64 anos que nunca haviam feito nenhum rastreamento. Foram identificados através do registro nacional de cada país e randomizados na proporção 1:2 para receber um convite para realizar colonoscopia (grupo-convite) ou não receber qualquer convite ou método de rastreamento (grupo-cuidado usual). O rastreamento ocorreu entre 2009 e 2014 e foi financiado por grants de pesquisa dos quatro países.

O trial reporta dados de 84.585 pacientes, sendo pouco mais de 28 mil no grupo-convite e 56 mil no grupo-cuidado usual. Todos os holandeses foram excluídos da análise, uma vez que esse país teve uma mudança na lei de acesso a registros médicos, não permitindo que o grupo sem rastreamento fosse acompanhado. Todas as lesões passíveis de remoção e os tumores foram biopsiados e analisados por histopatologistas. Todos os exames foram realizados em centros dedicados e que passaram por treinamento para assegurar qualidade. É muito importante ressaltar que todos os indivíduos do grupo-convite foram randomizados antes de receberem o convite para a colonoscopia. No grupo cuidado-usual, a maioria do grupo não foi informada sobre a participação do trabalho.

A taxa de realização de colonoscopia entre os convidados foi variável entre os países, indo de 33% na Polônia até 60% na Noruega. No grupo do screening foram diagnosticados 62 (0,5% do grupo) casos de CCR. Já 3.634 adenomas foram retirados (30% do grupo). Um total de 15 sangramentos maiores ocorreram e todos foram tratados endoscopicamente, sem nenhuma perfuração ou morte. A incidência em 10 anos de CCR foi de 259 (0,98%) casos no grupo-convite e 622 (1,20%) no grupo-cuidado usual. O número necessário de convites para rastrear e diagnosticar um caso de CCR em 10 anos foi 455. O risco de morte relacionada ao CCR no grupo-convite foi de 0,28% (72 mortes) e 0,31% (157 mortes) no grupo-cuidado usual. As mortes não relacionadas à CCR foram iguais nos dois grupos, algo perto de 11%.

Em análise ajustada para estimar o efeito do rastreamento se todos os convidados fizessem o exame, o risco de CCR em 10 anos baixaria de 1,22% para 0,84%, correspondendo a um risco igual a 0,69 (95% IC, 0,55 a 0,83).

 

 

Bretthauer M et al. N Engl J Med. 2022;387:1547-1556. DOI: 10.1056/NEJMoa2208375.
Efeitos do rastreamento com colonoscopia sobre o risco de câncer colorretal e morte.

 

Comentário do avaliador científico:

Por muito tempo, alguns países, dentre eles os EUA, usam a colonoscopia como a principal forma de rastreio de neoplasias colorretais. Mesmo no Brasil, embora não haja um programa organizado em nível nacional, vem se reforçando a indicação cada vez maior do exame no rastreio do CCR, sem evidência provinda de estudos randomizados. Esse nível de evidência, no entanto, existe para a pesquisa de sangue oculto e a sigmoidoscopia. Foi fácil, a partir dessa constatação, acreditar que um exame mais completo, traria ainda mais benefício, com redução quem sabe de mortalidade.

Esse gap na evidência veio com o NordICC: dados de mais de 85 mil pacientes – por análise de intenção de rastrear – uma queda de 18% na incidência de CCR, sem redução da mortalidade. Tais dados certamente reduzem a empolgação que temos com colonoscopia de rastreamento. Vale lembrar que apenas 42% dos convidados efetivamente fizeram o exame. Mas isso talvez reflita exatamente o que, na prática, aconteça. Mesmo espremendo os dados com análises estatísticas, pode ficar difícil justificar os custos e a complexidade dessa estratégia quando comparada por exemplo a uma simples pesquisa de sangue oculto que está associada a redução de mortalidade em estudos randomizados.

 

Avaliador científico:

Dr. Vinícius Lorandi
Residência Médica em Oncologia Clínica pelo Hospital Mãe de Deus
Oncologista clínico do Hospital Mãe de Deus e Oncoclínicas Porto Alegre
Preceptor e chefe da residência de Oncologia Clínica do Hospital Mãe de Deus e Preceptor da residência do Hospital São Lucas da PUCRS